Sorriso largo, olhar penetrante, fino senso de humor e extrema capacidade de conectar ideias — e, o mais difícil, executá-las. Assim era Eliezer Batista da Silva. Este ano comemoramos o centenário desse engenheiro, nascido na pequena Nova Era, no Vale do Rio Doce (MG), no dia 4 de maio de 1924. Eliezer morreu em junho de 2018 e foi um dos maiores empreendedores do Brasil. Sua grande obra — ou “catedral”, como gostava dizer — foi a Vale. Tornou-se o primeiro empregado de carreira da mineradora a se tornar presidente. Por duas vezes. No início dos anos 1960, integrou mina e ferrovia, idealizou o Porto de Tubarão, no Espírito Santo, para dali levar, em grandes navios, o minério de ferro de Itabira (MG) a clientes localizados do outro lado do mundo, no Japão. E de maneira economicamente viável.
No fim dos anos 1970, implementou o projeto de ferro Carajás. Foi chamado de doido, megalomaníaco. Venceu resistências internas e externas, e transformou a pequena empresa produtora de minério de ferro — na época ainda uma estatal, que levava o Rio Doce como “sobrenome” — em um dos maiores players globais do setor de mineração da atualidade. “A Vale é o Eliezer”, afirma Breno Augusto dos Santos, que liderou a equipe de geólogos que descobriu as jazidas de Carajás em 1967. “Dos três grandes lances da história da companhia, dois foram capitaneados por ele: o Porto de Tubarão e Carajás. O terceiro não foi sua obra, mas leva o seu nome, o Complexo S11D Eliezer Batista, na Serra Sul de Carajás, a maior mina de minério de ferro do mundo em operação.”
Inaugurado em 1985, no meio da Floresta Amazônica, no sudeste do Pará, o projeto de ferro Carajás foi um dos primeiros grandes empreendimentos do mundo a considerar questões ambientais, sociais e econômicas em seu desenvolvimento. “Toda a teoria do desenvolvimento sustentável que foi apresentada em 1992, na Conferência da ONU do Rio, foi inspirada no projeto Carajás”, afirmou Eliezer em entrevista para os 60 anos da Vale, em 2002. Hoje, a empresa ajuda a proteger uma área de 800 mil hectares na Amazônia, o equivalente a cinco vezes a cidade de São Paulo. Suas operações, no entanto, impactam menos de 2% da área.
Sempre trabalhei em equipe, com pessoas motivadas. Sem motivação, aliás, não se constroem ‘catedrais’.”
— Eliezer Batista, ex-presidente da Vale (1924-2018)
Outras ‘catedrais’
Mas a Vale não foi a sua única catedral. Fora ou dentro da empresa, Eliezer concebeu projetos que impulsionaram e transformaram a economia brasileira. Viabilizou a indústria de papel e celulose, a expansão do agronegócio no Centro-Oeste, o gasoduto Brasil-Bolívia e a conexão de energia elétrica entre a Venezuela e Boa Vista. Nos anos 1990, imaginou o projeto de eixos de infraestrutura — os belts — que visavam integrar o país aos seus vizinhos na América Latina por meio de rodovias, hidrovias e ferrovias, em harmonia com as vocações produtivas regionais e levando-se em conta questões sociais e ambientais. O projeto entrou na agenda do governo Fernando Henrique Cardoso, mas acabou não saindo do papel.
“Um dia ele me mandou um ‘projetinho’ que estava fazendo. Eu li e pensei: isso é um projetaço. Logo depois ele me ligou para saber o que eu achava. Disse a ele que era ótimo, mas estava desatualizado. O projeto não era para aquele momento, mas para daqui a 20 anos. Era o projeto de integração da América Latina, que o atual governo federal está tentando fazer agora”, revela Breno, referindo-se ao anúncio, no último dia 29 de maio, da criação de uma comissão interministerial com o objetivo de articular ações em busca de uma integração de infraestrutura física e digital entre o Brasil e os países da América do Sul.
A Vale é o Eliezer. Dos três grandes lances da história da companhia, dois foram capitaneados por ele: o Porto de Tubarão e Carajás. O terceiro não foi sua obra, mas leva o seu nome, o Complexo S11D Eliezer Batista, a maior mina de minério de ferro do mundo em operação”
— Breno Augusto dos Santos, líder da equipe de geólogos que descobriu as jazidas de Carajás em 1967
Apesar de ter deixado a sua marca na história do desenvolvimento do Brasil a partir da segunda metade do século passado, Eliezer era um homem de hábitos simples, apaixonado por plantas e música, e dizia sempre que suas catedrais eram resultado de um trabalho em equipe. “Nunca fiz nada sozinho. Sempre trabalhei em equipe, com pessoas motivadas. Sem motivação, aliás, não se constroem catedrais”, afirmou em 2002, para completar: “Uma boa forma de ir além do possível é marchar na direção do impossível”. E Eliezer alcançou o impossível.