A privatização da Eletrobras vai gerar mais investimentos no setor elétrico do país, acelerar o crescimento da oferta de energia para famílias e empresas, reduzindo o risco de apagões nos próximos anos, dizem profissionais desse mercado. Mas especialistas não têm certeza se esse movimento vai garantir redução na conta de luz dos brasileiros.
Deixando de ser estatal, a Eletrobras ganha maior liberdade para investir e atrair sócios e investidores porque não vai depender do orçamento do governo, cada vez mais apertado ao longo dos anos, afirmam profissionais do setor ouvidos pelo portal UOL. Mas ao se tornar privada, a companhia passará a perseguir o lucro de forma mais prioritária, o que pode levar a tarifas mais elevadas.
Privatizada, a Eletrobras vai dar uma enxugada e vai buscar dar lucro e, por isso, terá mais apetite para fazer investimentos. Isso representa dinheiro entrando no setor, atraindo capital novo, incluindo capital estrangeiro.
Rodrigo Ferreira, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel)
Sem amarras do governo para investir
Ao deixar de ser controlada pelo governo, a Eletrobras terá maior potencial para realizar investimentos por dois motivos principais:
Agilidade: A empresa terá maior autonomia e agilidade para avaliar e implementar novos projetos porque não será obrigada a seguir a burocracia de uma estatal.
O peso que decisões de governo tem sobre a Eletrobras pode ser medido pela diferença entre o orçamento que a empresa tem para investir e o quanto ela de fato gasta. Em 2021, ela tinha R$ 8,2 bilhões para investir em projetos, mas gastou R$ 4,7 bilhões.
Menos incerteza: Por ser controlada pelo governo, a Eletrobras pode ter alterados ou interrompidos novos projetos por causa de decisões do governante de momento. Isso cria incertezas para investidores e financiadores, o que reduz a oferta de dinheiro para os projetos ou aumenta os juros de financiamentos para a empresa.
Quanto a Eletrobras pode investir a mais
Segundo profissionais de mercado, a Eletrobras privatizada pode ter como primeiro passo alcançar a capacidade de realizar todo o investimento orçado.
Potencialmente, os investimentos anuais saltariam então da casa dos atuais R$ 4,7 bilhões para perto de R$ 9,7 bilhões, considerando o Plano Diretor de Negócios e Gestão (PDNG) da empresa para o período de 2022 a 2026.
Os setores de geração e de transmissão serão diretamente influenciados pela maior capacidade de investimento da Eletrobras, dizem profissionais de mercado. Mas o impacto positivo deve ocorrer primeiramente no segmento de transmissão.
Geração: No modelo de capitalização da Eletrobras, está prevista a “descotização” de suas usinas hidrelétricas. Ou seja, as usinas não serão mais obrigadas a entregar uma determinada cota de energia para um cliente (mercado regulado) e poderão vender a energia no mercado livre.
Mas, como as distribuidoras no Brasil estão no geral com sobra de energia contratada, haverá num primeiro momento um excesso de energia mais barata fluindo para o mercado livre.
Isso pode inibir no curto prazo novos investimentos em geração, diz a pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura, da Fundação Getulio Varga (Ceri/FGV) Rosana Santos, ex-integrante do Ministério de Minas e Energia.
Transmissão: Aqui a situação é outra. O país está ainda carente de melhorar a malha de interligação entre submercados. Ao voltar a investir em transmissão, a Eletrobras terá maior poder para competir nos leilões do setor.
O que pode ocorrer é a Eletrobrás privatizada ter maior apetite em participar de vários lotes de leilão, aproveitando a sua sinergia, que cobre praticamente todo o território nacional.
Mario Dias Miranda, presidente-executivo da Associação Brasileira da Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate)
Outros negócios: Ao acelerar os próprios projetos, a companhia deve estimular negócios de outras companhias. Um exemplo disso está na participação da Eletrobras da transmissão.
Se a companhia aumentar investimentos nas redes que levam a energia elétrica até os consumidores, os diferentes projetos de geração —de pequenas hidrelétricas, eólicas ou unidades solares— ganham maior potencial de viabilidade econômica.
Com a capitalização, a Eletrobras deve conseguir sustentabilidade financeira para alocar mais recursos no setor elétrico. Os segmentos mais beneficiados são os em que ela atua, que provavelmente ganharão mais um player de peso competindo por mais projetos.
Bernardo Viero, analista de ações da Suno Research
Plano de R$ 48,3 bilhões
Como é responsável por 30% de toda geração e cerca de 40% da transmissão de energia no Brasil, a Eletrobras precisa realizar investimentos proporcionais a essa participação de mercado para que sua atuação não limite o crescimento do setor no país.
No PDNG da empresa para o período de 2022 a 2026, a companhia planeja investir R$ 48,3 bilhões. Mas desse volume, R$ 19 bilhões estão separados para manutenção e reforços de usinas e linhas de transmissão que já existem.
Investimentos da Eletrobras 2022-2026
Geração: R$ 24,1 bilhões
- Ampliação: R$ 18,6 bilhões
- Manutenção: R$ 5,5 bilhões
- Transmissão: R$ 22,5 bilhões
Ampliação: R$ 8,8 bilhões
- Reforço/Melhorias: R$ 11,3 bilhões
- Manutenção: R$ 2,3 bilhões
- Outros Investimentos: R$ 1,7 bilhão
Segundo a companhia, 50,3% desses recursos terão que vir da própria empresa, e outros 49,7% virão de terceiros, como empréstimos, emissão de títulos ou capital de sócios em projetos.
Para ter dinheiro próprio, a companhia tem que gerar lucro, ou receber aportes do governo. Para atrair recursos de terceiros, a empresa precisa recorrer ao mercado.
Governo tem menos capacidade de investir
Levantamentos recentes mostram a menor participação do setor público nos investimentos de infraestrutura. Como o governo é o principal acionista da Eletrobras, o menor poder financeiro do setor público acaba afetando a capacidade de investimento da companhia também.
Investimentos do setor público em relação ao PIB
- 2010: 4,6%
- 2015: 2,85%
- 2020: 2,58%
Fonte: Ibre/FGV e Tesouro Nacional
R$ 530 bilhões em 10 anos
Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia, do ministério de Minas e Energia, o Brasil precisa de R$ 530 bilhões de investimentos em geração e transmissão de energia até 2031 —média de R$ 53 bilhões por ano.
Investimentos realizados pela Eletrobras
- 2019: R$ 3,3 bilhões
- 2020: R$ 3,1 bilhões
- 2021: R$ 4,7 bilhões
Se a Eletrobras representa cerca de 30% da geração e 40% da transmissão no país, mas seus investimentos não chegam a 10% das necessidades do mercado, o setor elétrico como um todo está com a expansão limitada, dizem fontes de mercado ouvidos pelo UOL.
Pelo tamanho e presença nacional que tem, a Eletrobras deveria estar participando de mais projetos de expansão da matriz energética do país. Mas, hoje, a companhia não investe em crescimento, apenas na base. A privatização ajuda a tirar uma das grandes incertezas que o setor tinha, que era o direcionamento de uma empresa estatal num mercado liberalizado.
Marcelo Sadri, sócio e analista da Perfin
Conta de luz poderá ficar menor?
Segundo o Ministério de Minas e Energia, as regras da privatização que definem a utilização dos recursos recebidos pelo governo com a privatização da Eletrobras devem reduzir encargos ao consumidor.
Caso os cenários previstos se concretizem, o processo de capitalização da Eletrobras pode levar a uma redução de 6,34% nas tarifas de energia elétrica dos consumidores.
Ministério de Minas e Energia, em nota
Profissionais de mercado dizem que mais investimentos no setor elétrico devem aumentar a oferta de energia no país de forma mais eficiente, reduzindo o risco de apagões, por exemplo. Mas afirmam que isso não necessariamente significa conta de luz mais barata.
O fato de a Eletrobras privatizada passar a perseguir o lucro de maneira prioritária pode levar a companhia a praticar tarifas mais elevadas, dizem especialistas.
Ainda mais em um mercado que terá mais energia sendo comercializada no mercado livre que é hoje, onde predomina ainda a energia vendida no mercado regulado.
Não é qualquer investimento que a sociedade brasileira deveria fomentar porque existe o efeito do rebote tarifário de decisões não tomadas tecnicamente.
Rosana Santos, Ceri/FGV