Último ato da campanha, o debate dos candidatos à presidência na rede Globo foi um espetáculo de política, pontuado de acordo com o colunista José Casado, da Veja, por momentos de tragicomédia.
Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, amparou-se na exótica vestimenta de um autoproclamado padre, Kelmon (PTB), para “enfrentar” o adversário Lula (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto. “Você é padre ou está fantasiado de padre?”, ironizou Lula.
O volume de insultos obrigou o mediador William Bonner a inusitadas intervenções, com peculiar elegância e bom humor, em defesa dos eleitores que estavam do outro lado da tela de televisão: “Eu peço, por favor, que se acalmem. Mais uma vez eu vou lembrar que os senhores assinaram documentos para estarem aqui diante do público brasileiro apenas para debater, e não para esse tipo de agressão e de ofensa pessoal. Vamos respirar. Vamos respirar…”
No campo de batalha, Bolsonaro teve inúmeras chances de confrontar Lula diretamente. Refugou. Preferiu acusá-lo de um crime (“mentor intelectual do assassinato” em 2002 do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, do PT) numa pergunta à candidata Simone Tebet (MDB).
Ela retrucou: “Eu acho que falta ao senhor coragem de perguntar isso ao candidato do PT, que está aqui. Por que não pergunta para o candidato Lula sobre esse assunto? E vamos tratar do Brasil, vamos tratar dos reais problemas, vamos tratar do problema da fome que, Vossa Excelência, como presidente da República diz que não tem. Porque é insensível, não conhece a realidade do Brasil, ou não deve andar nos grandes centros e ver nos semáforos crianças dormindo com fome e pedindo pelo amor de Deus por um prato de comida.”
Perdidos na virulência, os candidatos foram salvos pelos sujeitos ocultos no debate — os eleitores.
Equipes de campanha que monitoravam grupos de análise do desempenho de seus candidatos, em tempo real, perceberam a frustração da audiência com a prioridade às ofensas em vez das ideias e propostas para o futuro governo.
O alerta foi disseminado e a discussão mudou de rumo, favorecido pelo formato do espetáculo que direcionava a abordagem de questões sobre educação, saúde, segurança pública e cotas raciais, entre outros temas de interesse público.
Debate é parte de um processo detalhado em legislação específica. Ela norteia, por exemplo, os critérios de escolha dos participantes, mas sequer obriga a presença — a atual temporada eleitoral se estendeu por 13 meses, mas só aconteceram dois debates com a participação de todos os os candidatos.
A lei eleitoral é peculiar em muitos aspectos. É a única elaborada e aprovada exclusivamente por quem dela se beneficia. Como diz o ex-deputado constituinte Paulo Delgado, sociólogo de profissão, “o contribuinte não faz a lei tributária; alunos e professores não fazem as leis educacionais; pacientes e doentes não fazem as leis médicas.”
Essa singularidade permite aos parlamentares, e aos respectivos partidos, privilégios exponenciais — da distribuição de recursos públicos (Fundo Eleitoral) às regras básicas dos debates.
Legislam em causa própria e, por isso mesmo, deixam os eleitores em segundo plano. Ontem, antes do espetáculo político nas telas de tevê, o Supremo Tribunal Federal foi requisitado para determinar aquilo que deveria ser normal: a manutenção da regularidade na operação dos serviços de transporte coletivo nas cidades.
A partir de uma brecha na lei eleitoral, em algumas áreas metropolitanas preparava-se uma redução no tráfego de ônibus no domingo para, estrategicamente, favorecer o aumento da abstenção nas urnas.
Notável é que durante a formulação da lei eleitoral não se tenha registrado preocupação com facilidades no transporte público para estimular a presença de eleitores nos locais de votação, como o aumento do tráfego das concessionárias e a tarifa zero.
No Rio, o prefeito Eduardo Paes decretou gratuidade nas passagens das 6 às 20 horas do próximo domingo. Virou notícia porque é caso isolado.
Como se viu no debate de ontem, na eleição a prioridade dos candidatos, partidos e parlamentares — a maior parte em busca da reeleição — é a caça ao voto. Isso não significa, necessariamente, preocupação com os interesses dos eleitores.