Para Fernando Haddad (PT), 57 anos, o centro não foi o grande vitorioso em 2020. Em longa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ele vê um deslocamento do eleitorado para a direita e para a extrema direita e não crava uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Bolsonaro administra tudo muito mal. Inclusive o próprio prestígio de que ainda goza”, diz em entrevista à Folha.
Haddad afirma trabalhar para que o ex-presidente Lula (PT) seja candidato à Presidência em 2022 e evita se colocar no jogo, embora tenha sido o plano B em 2018.
O ex-prefeito petista diz que houve frustração em seu partido com a eleição municipal, embora avalie que a sigla mantém seu tamanho —mesmo após perder prefeituras. Foram 652 cidades conquistadas em 2012, contra 256 em 2016 e 183 neste ano. Em 2020, a população governada pelo PT se manteve nos cerca de 6 milhões registrados em 2016.
A avaliação entre políticos de é a de que, na eleição de 2020, o bolsonarismo e o petismo perderam, enquanto o centro cresceu. Concorda? A minha avaliação é outra. Bolsonaro administrou mal seu próprio cacife político, e isso passa a impressão de que ele foi o grande derrotado. Mas, se considerarmos que o bolsonarismo é uma recidiva do período autoritário com requintes de obscurantismo, vamos verificar que os partidos que, de alguma forma, descendem da matriz autoritária foram os que mais cresceram. O PT ficou no tamanho de 2016, com uma leve vantagem. PSDB, MDB e PSB foram os partidos que mais perderam espaço.
Houve um deslocamento do eleitorado para a direita e para a extrema direita, mas menor do que eu esperava. O que coincide com um período em que o bolsonarismo não está tão mal avaliado, com aprovação na casa de um terço. E obviamente isso tem muito a ver com o regime fiscal do combate à pandemia, foi despejado muito dinheiro na economia —contrariando o próprio governo, que queria investir muito menos.
Quais partidos de tradição autoritária cresceram? O PP, o próprio PSL, Republicanos, DEM. Estou falando em número de votos no primeiro turno.
É prematuro dizer que Bolsonaro pode não ser reeleito? É prematuro. Os próximos dois anos estão envoltos em indeterminações, porque o ano de 2020 foi atípico. Foram investidos quase meio trilhão de reais para sustentar a economia numa situação dramática.
Políticos de centro dizem que a população rejeitou radicalismos, mencionando PT e Bolsonaro. Como vê o PT na cadeira de radical? É uma técnica de comunicação, mais do que uma definição. Qualquer cientista político sabe que o PT é um partido de centro-esquerda, sempre foi tratado dessa maneira. Se o jogo político fosse limpo, continuaria sendo tratado assim. Faz parte da narrativa desses partidos de ter escolhido um extremista em 2018. É um pouco para limpar o currículo, dizer que estavam entre dois extremos, mas isso é uma fantasia, é pouco verossímil.
Por que Bolsonaro não emplacou quem ele indicou? Há um aumento da rejeição a Bolsonaro, mas isso não contradiz o fato de que houve um deslocamento do centro para a direita, sobretudo do eleitorado do MDB, PSDB e PSB. Bolsonaro administra tudo muito mal. Inclusive o próprio prestígio de que ainda goza. Ter um terço de aprovação sem nenhuma entrega é considerável. Até por inexperiência, ele está ocupando a Presidência da República, não está exercendo o cargo.
Por outro lado, o PT e a esquerda encolheram. Não acho. O PT teve um número um pouquinho maior de votos do que em 2016 —nos grandes centros, justamente onde o bolsonarismo teve aumento de rejeição. O PT decresceu nas pequenas cidades, onde o auxílio emergencial faz muita diferença. Tudo somado, o PT ficou do mesmo tamanho.
Em comparação com 2016, seu pior momento. O PT imaginava que fosse angariar um apoio maior do que teve em 2016 e isso não aconteceu. Mas quando se fala que não ganhamos em nenhuma capital… Nós ganhamos Rio Branco (AC) em 2016, que é menor que as quatro cidades onde ganhamos no segundo turno em 2020. O PT teve um desempenho melhor nas médias e grandes cidades e perdeu apoio nas pequenas, ficou do mesmo tamanho. O que frustrou as expectativas, já que o partido imaginou que fosse recuperar pelo menos uma parte do que perdeu em 2016 .
Não vê erros de condução na direção do partido? Pode ter havido em campanhas específicas, mas um erro geral, não.
Considerando Boulos em São Paulo, não faltou renovação no PT? Mas o PT lançou um candidato novo também [o ex-secretário municipal e ex-deputado Jilmar Tatto].
Um nome que está na política há mais tempo, não é a juventude que Boulos representa. Foi uma eleição que favoreceu muito o recall. O fato de Boulos ter sido candidato a presidente deu uma vantagem a ele muito grande. Ele tinha uma rede social já muito bem estruturada. Boulos conta com apoio do PSOL muito entusiasticamente, é um candidato que está sendo trabalhado pelo partido como um todo. Ao contrário do PT que não trabalha em torno de figuras específicas e sim mais no global. Teve muita migração de votos do PT para Boulos.
Como as chances eram de repetir em São Paulo o que aconteceu no Rio, muita gente resolveu apostar as fichas em alguém que fosse mais representativo desse pensamento progressista. Como Tatto era menos conhecido e Boulos largou na frente, acaba acontecendo isso. O que aconteceu com Boulos em 2018 foi exatamente isso, com sinal trocado. Ele teve 0,6% dos votos.
O PT errou ao lançar Tatto? Achava difícil o PT, que governou a cidade em três mandatos, não lançar um candidato. Sempre vai haver essa discussão. Recife, São Paulo e Rio vão ser discutidos futuramente sobre a condução da direção do partido.
Era melhor ter feito aliança com PSOL e PC do B? Para isso, teríamos que ter partido do tabuleiro nacional. Não poderia ter sido uma negociação cidade a cidade.
Qual o papel de Boulos agora? Eu gosto muito dele. Um bom quadro, uma boa novidade para a esquerda.
Pode ser candidato à Presidência? Compor chapa com o PT? A minha posição sobre 2022 está muito ligada ao fato de eu estar lutando muito para que Lula recupere seus direitos políticos, sobretudo depois da desmoralização de Sergio Moro. Espero que o Judiciário faça justiça e nós possamos seguir com Lula candidato.
Esse HC [habeas corpus] tem dois anos que foi pedido e é uma demanda jurídica que tem precedência sobre as outras. Acumulam-se evidências e provas de parcialidade do [então] juiz. Eu não sei mais o que precisa acontecer para que o sistema de justiça reconheça que houve clara violação de direitos fundamentais.
Boulos disse à Folha que vai trabalhar pela união da esquerda. Acho muito difícil o PSOL e o PC do B abrirem mão de candidatos próprios em função da cláusula de barreira. A união mais relevante é a de segundo turno, é garantir que quem quer que vá para o segundo turno derrote Bolsonaro. Para não acontecer o que aconteceu em 2018, quando setores democráticos resolveram apoiar a extrema direita para prejudicar o PT.
A centro-direita apoiaria a esquerda contra Bolsonaro no segundo turno? Temos [Luciano] Huck, Ciro [Gomes] e [João] Doria. Tem que perguntar para eles se votariam no Bolsonaro. Acho engraçado que o jornalismo não pergunte isso para aqueles que votaram no Bolsonaro em 2018. Se eles nos acusariam de extremista para justificar o voto no verdadeiro extremista ou não. Conheço tucanos que não repetiriam o voto no Bolsonaro e tucanos que repetiriam. Isso é relevante para mostrar quem é de fato extremista.
E se o PT tiver que apoiar qualquer um desses três contra Bolsonaro? Para não fazer exercício de futurologia, o PT declarou voto no Eduardo Paes [no Rio], que é do DEM. Em tese, a gente sabe distinguir um fascista de um não fascista. Aparentemente, quem não sabe é a direita.
O PT só trabalha com a hipótese de Lula candidato? Essa discussão ainda não está instalada, a não ser nessa semana que dois petistas se declararam candidatos, Jaques Wagner e Rui Costa. Mas não tem movimentação para calendário de prévias, o que seria razoável.
O sr. é candidato ao Planalto? Vamos ter um primeiro semestre decisivo, porque acredito que o Supremo vai pautar o julgamento. Se, como eu espero, o Supremo reconhecer que Sergio Moro não julgou de forma imparcial o presidente Lula, acho que as coisas se resolvem de uma maneira. Caso contrário, a direção nacional vai estabelecer alguma forma de consulta.
Se Lula puder ser candidato, vai ser ele, sem discussão? Ele teria que ser ouvido. No PT, por unanimidade ele seria ungido representante até por toda a violência que ele sofreu.
O PT precisa se libertar de Lula? PT e Lula são eventos indissociáveis e mutuamente dependentes.
O PT ter tido um resultado aquém do esperado com Lula solto indica enfraquecimento dele? É muito difícil transferir voto para a ponta. Eleger um sucessor é uma coisa, eleger governador e prefeito depende de mil condicionantes locais.
O PT se perdeu na sua burocracia ou está no rumo certo? O PT tem 40 anos. Já é um milagre a existência do PT no Brasil. O PT não estava no roteiro histórico desse país e, de certa maneira, o antipetismo se impõe por isso. E ele vai errar e acertar e pra isso que se faz balanço interno. O Brasil sem o PT tem o passado pela frente.
Insistir em Lula não é um erro, não se mover pra frente? O erro é aceitar uma arbitrariedade como essa. É trocar um eventual, duvidoso e imoral ganho de curto prazo imaginando que nós não seremos julgados pela história quando tudo ficar devidamente esclarecido.
Em 2022, o PT pode abrir mão de ser cabeça de chapa? O PT nunca impôs nada, isso é fantasia. Ninguém pergunta ao PSDB se ele tem vocação hegemônica. Eles ficaram em que lugar em 2018? O PT e o PSDB estruturaram a política pós redemocratização. Eu acho impossível o PSDB não ter candidato à Presidência. O PT já abriu mão de vários estados em função de alianças nacionais. Acho muito difícil PT e PSDB não terem candidatos.
Moro agora trabalha numa consultoria que atende a Odebrecht, ele ainda tem condição de ser candidato? No Brasil, nada se enterra. Não conseguimos enterrar nada, a escravisão, a monarquia, o Estado Novo. Esse país tem enorme dificuldade de se resolver. Então você vai vivendo com zumbis.
Ele pode ser candidato? Não tenho a menor ideia. Pode. O que eu sempre entendi é que ele era ambicioso.
E Luciano Huck? Projeto pessoal as pessoas podem ter. Uma celebridade sempre tem uma afinidade com uma parte da opinião pública.
O sr. foi colocado na campanha, quando Covas, por exemplo, falava do rombo do caixa na prefeitura. Como se viu na campanha? Lamentei. Covas não precisava ter mentido, ele foi desmentido três ou quatro vezes por agências de checagem. Achei meio vergonhoso para justificar um grande fracasso dessa gestão, que é reduzir em 50% o nível de investimento com muito dinheiro em caixa. Se não fosse a minha gestão, São Paulo estaria na mesma situação do Rio.
Não vou pedir pra ninguém reconhecer isso agora. É bom que esteja no jornal, porque alguém vai ler essa entrevista daqui 20 anos e vai dizer: é verdade. Não peço para reconhecer porque a verdade virou uma brincadeira, não tem aderência.
Fernando Haddad, 57 anos
- É bacharel em direito, mestre em economia e doutor em filosofia pela USP
- Foi ministro da Educação de 2005 a 2012, nos governos Lula (PT) e Dilma (PT)
- Foi prefeito de São Paulo de 2013 a 2016
- Em 2018, foi candidato a presidente pelo PT e ficou em segundo lugar, com 45% dos votos