No meio da semana, Jair Bolsonaro anunciou um aumento de 50% no valor do Bolsa Família. Dias depois, conforme a coluna Painel da Folha de S. Paulo, o presidente se reuniu com donos de supermercados e pediu que eles segurassem os preços dos produtos da cesta básica. Os dois movimentos mostram que o presidente enxerga sua sobrevivência política nas mãos da população mais pobre.
Bolsonaro tenta conter um desgaste que pode custar sua reeleição. Em 2018, ele recebeu um impulso inicial dos brasileiros mais ricos, mas só conseguiu chegar ao Planalto porque conquistou espaço em outras faixas. Números do Datafolha indicam que um de cada quatro votos que ele teve no primeiro turno veio do segmento renda mais baixa.
A relação do governo com esses eleitores anda mal. A crise econômica penalizou principalmente os brasileiros mais pobres, o auxílio emergencial encolheu, e os efeitos da retomada demoram a chegar. O desemprego está nas alturas e a inflação para os mais pobres se aproxima dos 9%, segundo o Ipea.
A disputa pelos votos desse grupo deve definir a eleição. Na pandemia, Bolsonaro perdeu apoio nos andares mais altos da pirâmide de renda, mas tem a expectativa de reativar o antipetismo dessas camadas e recuperar seus votos num provável segundo turno contra Lula. Entre os mais pobres, no entanto, essa ferramenta tende a ser menos eficaz.
Lula mantém uma fortaleza política nesses segmentos. Numa disputa direta com Bolsonaro, as pesquisas mostram que o petista venceria por 68% a 32% nos votos válidos dos brasileiros de baixa renda. Se a rejeição ao presidente se cristalizar nessa faixa numerosa, será quase impossível evitar uma derrota.
O objetivo de Bolsonaro não será bater Lula na baixa renda, mas evitar uma lavada. O presidente já decidiu usar a caneta e aumentar os gastos para se reabilitar nessa faixa. A tarefa será especialmente difícil para um governo cujo ministro da Economia diz que a classe média exagera no prato de comida e sugere que as sobras podem alimentar os pobres.