As eleições presidenciais no país estão previstas para outubro do ano que vem, mas os principais pré-candidatos e pré-candidatas já começaram a fazer seus primeiros movimentos de olho na disputa em 2022. Com histórias, perfis e estratégias diferentes, cada um deles tem um conjunto de “armas” que deverá ser usado ao longo do período eleitoral.
A BBC News Brasil ouviu os cientistas políticos Sérgio Abranches e Nara Pavão sobre quais são as maiores “armas” ou trunfos que os principais pré-candidatos à Presidência da República deverão usar nas eleições do ano que vem.
Além de cientista político, Abranches é sociólogo e escritor. Ele é o autor do conceito de “presidencialismo de coalizão” aplicado à realidade brasileira. Nara Pavão, por sua vez, é doutora em Ciência Política pela Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos e professora assistente na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Os nomes dos pré-candidatos foram escolhidos com base nos levantamentos mais recentes de duas das principais pesquisas de intenção de voto do país: Datafolha e Ipec, instituto formado por executivos do Ibope.
Apenas nomes que pontuaram em pelo menos um dos cenários pesquisados pelos dois institutos foram considerados nesta reportagem.
Dessa forma, os pré-candidatos escolhidos foram: o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro (Podemos), o ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), o governador de São Paulo João Doria (PSDB) e a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Confira, agora, quais as principais “armas” de cada um.
Lula
O ex-presidente Lula aparece na liderança das principais pesquisas de intenção de voto feitas até o momento. Segundo Ipec e Datafolha, o petista oscila entre 47% e 49% das intenções de voto, o que seria suficiente, nos dois cenários pesquisados pelos institutos, para a sua vitória no primeiro turno.
Para Sergio Abranches e Nara Pavão, as principais “armas” de Lula na disputa deste ano são: memória sobre o seu governo, favoritismo nas pesquisas, queda da corrupção como principal preocupação do eleitorado, capacidade de negociação e baixa rejeição.
A “memória”, segundo Abranches e Nara Pavão, se refere à lembrança que parte dos eleitores teria em relação aos oito anos em que Lula presidiu ao país, entre 2003 e 2011.
No campo econômico, o período foi marcado por crescimento econômico e redução das taxas de desemprego e da pobreza.
“Ele tem um recall de um governo muito ajudado pela conjuntura econômica internacional e pelo boom de commodities, mas também pelos programas sociais que geraram um sentimento de bem-estar econômico, que a gente chama de efeito riqueza. Houve uma mudança do patamar de consumo das classes D e E e essa memória dos tempos bons é importante e forte. É um trunfo importante”, afirma Abranches.
Nara Pavão, que estuda o efeito da corrupção na escolha do eleitorado, explica que a mudança no eixo das preocupações da população, segundo as pesquisas, indica um outro trunfo do ex-presidente.
Em novembro de 2015, por exemplo, quando a Operação Lava Jato estava a todo vapor, a corrupção era vista como o maior problema da população no país. Em segundo lugar estava a saúde e, em terceiro o desemprego.
A nova pesquisa do Datafolha divulgada na segunda quinzena de dezembro deste ano mostra que a corrupção está em sétimo lugar como maior problema do país. Nos primeiros lugares estão: saúde (1º), desemprego (2º) e economia (3º).
Lula foi alvo da Operação Lava Jato e foi preso após ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo agora ex-juiz federal Sergio Moro no caso do apartamento tríplex, no Guarujá.
Neste ano, suas condenações foram anuladas e Moro foi considerado parcial em julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF).
Nara Pavão avalia que os desdobramentos da Lava Jato e a crise econômica pela qual o país vem passando ajudaram a mudar a percepção sobre os problemas do país pela população. Segundo ela, essa mudança pode beneficiar Lula.
“O ambiente político mudou. Para a maioria das pessoas, a corrupção não é mais um problema tão urgente. Ela deu lugar a outras preocupações como saúde, desemprego, inflação. E esses são temas com os quais a população associa a imagem de Lula como alguém capaz de resolvê-los”, afirmou a pesquisadora.
Jair Bolsonaro
De acordo com as pesquisas mais recentes do Datafolha e do Ipec, Bolsonaro aparece consolidado na segunda posição para as eleições de 2022. Nas duas, Bolsonaro aparece com 22% e 21% das intenções de voto dependendo do cenário.
Na avaliação dos dois cientistas políticos, as principais “armas” de Bolsonaro são: carisma, ser o presidente em exercício e a identificação com o eleitorado conservador.
Apesar de ter visto sua popularidade cair desde que assumiu a presidência, Bolsonaro ainda é visto como um líder carismático pela cientista política Nara Pavão.
“Bolsonaro é um líder carismático. Pode não ser para a população como um todo, mas ele tem o apoio de algo como um quarto do eleitorado. Não é pouca coisa. É uma base que tem uma identificação muito forte com ele. Existe, sim, esse fenômeno chamado bolsonarismo e ele deverá usar isso nas eleições”, avalia a professora.
Para Sergio Abranches, a principal vantagem de Bolsonaro sobre os outros candidatos é o fato de estar no comando da máquina pública.
Ele diz que nessa condição, o presidente tem acesso a recursos que poderiam turbinar a sua candidatura como verbas para obras e programas sociais como o recente Auxílio Brasil, criado sob a sua gestão para substituir o Bolsa Família, que havia sido criado durante o governo do ex-presidente Lula.
“O seu maior ativo para as eleições do ano que vem é o fato de ele ter a chave do cofre e a possibilidade de mobilizar o governo pela sua reeleição. São recursos que poderão ser distribuídos a aliados em todo o Brasil. Isso tem um certo peso”, afirma Abranches.
Nara e Abranches avaliam que Bolsonaro também deverá utilizar sua identificação com o eleitorado conservador como forma de aumentar a rejeição a candidatos como Lula.
Desde sua eleição, Bolsonaro recebeu o apoio de diversas lideranças evangélicas e conservadoras como o pastor Silas Malafaia. Recentemente, ele conseguiu emplacar a indicação de André Mendonça como ministro do STF.
Ao indicar Mendonça, Bolsonaro dizia que a vaga seria preenchida por um integrante “terrivelmente evangélico”.
“Bolsonaro vai tentar ativar essa base conservadora que, até agora, vem lhe dando algum suporte. É possível, entretanto, que essa base se divida entre os outros pré-candidatos, mas é um algo que ele deverá fazer e que não pode ser ignorado”, afirmou Nara Pavão.
Sergio Abranches diz que Bolsonaro também tentará usar como trunfo a reativação do “antipetismo”, uma das principais forças políticas nas eleições de 2016 e 2018.
“A reativação desse sentimento será uma tentativa de aumentar a rejeição a Lula, que hoje está baixa. Esse movimento deverá ficar ainda mais evidente caso ele vá para o segundo turno contra Lula”, afirmou Abranches.
Sergio Moro
O ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro se filiou ao Podemos em novembro deste ano.
Apesar de não ter se lançado oficialmente à disputa presidencial, Moro tem dado entrevistas sobre o assunto desde então.
Para o Ipec e Datafolha, Moro aparece tecnicamente empatado com Ciro Gomes na terceira posição, oscilando entre 6% e 9% das intenções de voto, considerando a margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Na opinião de Abranches e Nara Pavão, os três principais trunfos de Moro serão: o discurso contra a corrupção, a imagem de alguém fora da “velha política” e o apelo ao eleitorado mais conservador.
“O principal trunfo de Moro, se não for o único, é o discurso anticorrupção. É nessa tecla que ele irá bater ao longo de toda a campanha. Se ele ficar nessa estratégia, apenas, poderá tirar alguns votos de Bolsonaro, mas é difícil saber se isso dará resultado porque os temas considerados importantes em uma eleição são muito cíclicos”, afirmou Abranches.
“Moro tentará surfar na onda anticorrupção ancorado em sua imagem de ex-juiz e que ainda está muito associada à Lava Jato. Ela (a operação) foi a maior campanha anticorrupção da história e ele usará essa imagem em seu favor”, disse Nara Pavão.
A pesquisadora afirma, também, que Moro deverá explorar a ideia de que é um agente “fora da política” e conservador durante as eleições.
“Outro trunfo que ele deverá usar é o discurso da antipolítica e de ser alguém conservador. Ele já deu declarações sobre não ser da política como uma vantagem. E ele também já se declarou conservador em algumas ocasiões. Ele poderá ativar essas duas imagens ao longo da campanha para aumentar sua base eleitoral”, diz a pesquisadora.
Ciro Gomes
Ciro Gomes é ex-governador do Ceará e foi ministro da Fazenda durante o governo do ex-presidente Itamar Franco e da Integração Nacional durante o governo do ex-presidente Lula.
Em 2018, ele ficou em terceiro lugar nas eleições presidenciais, com 12,47% dos votos.
Atualmente, ele aparece tecnicamente empatado com Sergio Moro nas pesquisas do Datafolha e do Ipec com intenções de voto que oscilam entre 5% e 7%, considerando a margem de erro.
Os cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que os principais trunfos de Ciro para a eleição deste ano são: já ser conhecido e ter um eleitorado cativo e a imagem de alguém competente na área econômica.
“O Ciro tem um eleitorado fiel e isso é bom para uma largada eleitoral. Eu diria que, quando a hora da campanha chegar, ele deverá ter em torno de 10% ou 12% das intenções de voto. Ele pega os votos da esquerda não lulista e não petista. Além disso, ele já é bem conhecido e vem se colocando como uma alternativa a Bolsonaro e a Lula”, afirma Abranches.
Para Nara Pavão, outra arma a ser usada por Ciro ao longo da campanha será a imagem de alguém combativo, forte e competente na área econômica.
“Ciro tem uma imagem combativa e ele é muito conhecido. Isso facilita e dá uma vantagem em relação a outros candidatos. Ele é visto como uma pessoa boa na gestão de assuntos econômicos e que seria capaz de entregar resultados nessa área que, segundo as pesquisas, se tornou uma das principais preocupações do eleitorado”, explica a professora.
João Doria
Em 2016, o então empresário e apresentador de TV João Doria venceu a primeira disputa eleitoral da qual participou e virou prefeito de São Paulo.
Desde então, ele venceu as eleições para o governo de São Paulo e se apresenta como pré-candidato do PSDB à eleições presidenciais do ano que vem.
O caminho, no entanto, não foi fácil. Ele teve que superar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, em um turbulento processo de prévias realizado pelo partido.
Nas pesquisas, Doria oscila entre 2% e 4% das intenções de voto.
Abranches e Nara Pavão pontuam que os maiores trunfos de Doria nas eleições de 2022 são: a condução da crise gerada pela pandemia de Covid-19, o fato de ser pouco conhecido fora de São Paulo e o bom trânsito que ele tem entre atores do mercado.
“O grande trunfo de Doria foi a postura dele na pandemia. Além de ele ter investido na CoronaVac, ele se portou muito bem durante as entrevistas coletivas e, de alguma forma, se colocou como oposição direta ao Bolsonaro. Isso pode atrair votos de conservadores que não concordaram com a condução do presidente durante essa crise”, afirmou Abranches.
O cientista político enfatiza, também, o fato de Doria ser pouco conhecido fora do Brasil. Segundo ele, em vez de isso ser uma desvantagem imediata, isso pode ser algo bom.
“Como ele é pouco conhecido, isso significa que ele tem um caminho vasto para explorar ao longo de uma campanha”, afirmou.
Nara Pavão salienta o bom trânsito que o tucano teria junto ao mercado e o fato de ser governador do Estado mais rico da federação serão trunfos de Doria.
“Governar São Paulo é uma vantagem porque o Estado é uma grande vitrine. Somado a isso, ele transita bem entre alguns setores do mercado e isso fortalece a imagem pública de alguém que pode resolver problemas como a geração de emprego e crescimento econômico”, explica a professora.
Simone Tebet
Simone Tebet é senadora, ex-prefeita de Três Lagoas (MS) e ex-deputada estadual. No início de dezembro, ela se lançou como pré-candidata à Presidência da República pelo MDB. Ela é considerada um dos nomes da chamada “terceira via”, termo que vem sendo usado para designar candidaturas alternativas a Bolsonaro ou a Lula.
Nas pesquisas do Datafolha e do Ipec, Tebet aparece com 1% das intenções de voto, considerando a margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Nara Pavão e Sergio Abranches avaliam que o principal ativo de Tebet em uma eventual disputa presidencial está no fato de ela ser a única mulher entre todos os pré-candidatos. Além disso, eles destacam sua performance na CPI da Pandemia e o bom trânsito que ela teria junto a setores do agronegócio.
“Ela tem vantagem de ser mulher em um país com maioria feminina. Com a emergência das pautas identitárias, isso pode ser um ponto forte para ela, sobretudo entre as mulheres mais novas”, explica Sergio Abranches.
Nara Pavão destaca a participação de Simone durante a CPI da Pandemia, quando liderou informalmente um grupo de parlamentares mulheres durante os trabalhos da comissão, e a possibilidade de se consolidar como um nome para a “terceira via”.
“Ela se destacou bastante durante a CPI e isso ajudou a construir uma imagem de competência e de oposição à atuação do governo durante a pandemia. Somado a isso, temos, tem o fato de ela ser a única mulher e isso pode ajudá-la a se diferenciar de todos os outros e se apresentar como um nome viável para a chamada terceira via”, explica.