As sondagens eleitorais mais recentes mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com chance de vitória ainda no primeiro turno das eleições presidenciais, desbancando o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que busca a reeleição.
Mas a possível alta abstenção pode fazer com que o pleito presidencial não se encerre neste domingo (2).
E a razão para isso está no nível de escolaridade e de renda daqueles que deixam de votar. Parcelas mais pobres e menos escolarizadas do eleitorado costumam comparecer menos às urnas no Brasil.
E é neste segmento que Lula tem maior intenção de voto, como mostram as pesquisas.
No geral, Lula aparece com cerca de 34% de intenção de voto estimulado no primeiro turno entre eleitores com Ensino Superior, mas com 53% entre aqueles com Ensino Fundamental.
Sendo assim, para que o petista assegure a vitória ainda no primeiro turno, é fundamental que seus potenciais eleitores compareçam para votar, diz o cientista político Jairo Nicolau em artigo recente.
Nicolau analisou os dados das eleições de 2018 e mostrou que a escolaridade do eleitor é um “fator decisivo” para o comparecimento eleitoral — o percentual cresce de maneira constante à medida que aumenta a faixa de escolaridade.
“Entre os analfabetos, apenas 49,2% compareceram às urnas, enquanto entre os eleitores com curso superior o percentual de comparecimento foi de 88,4%, uma diferença de mais de quase 40 pontos percentuais. Vale lembrar que o voto não é obrigatório para os analfabetos”, diz ele.
Segundo Nicolau, “se o padrão observado em 2018 se repetir em 2022, há uma boa e uma má notícia para a candidatura de Lula”.
“A boa é uma maior participação eleitoral das mulheres (elas tendem a comparecer mais que os homens). Os números são pequenos, mas lhe favorecem. A má notícia é que eleitores de baixa escolaridade comparecem muito menos do que os de escolaridade alta e média; até agora, as pesquisas mostram que Lula lidera com folga entre os eleitores que cursaram até o fundamental completo ou não foram à escola”.
Nicolau acrescenta que a escolaridade foi fundamental para que Bolsonaro assegurasse a vitória em 2018, pois teve amplo apoio dos eleitores de média e alta escolaridade.
“Pode ser novamente em 2022 para a vitória de Lula. Mas é fundamental que seus potenciais eleitores compareçam para votar. A convocação para que os eleitores de baixa escolaridade (e baixa renda) saiam de casa no dia 2 de outubro pode ser decisiva para Lula”, conclui Nicolau.
Impossível de prever abstenção
Diretores de institutos de pesquisas ouvidos pela BBC News Brasil concordam com essa premissa.
Eles ressalvam, contudo, que não é possível prever o nível de abstenção nas eleições deste ano — apesar de ela não ter mudado consideravelmente se analisarmos as últimas eleições brasileiras.
No entanto, nas eleições de 2018, por exemplo, ela foi de 20,3%, o nível mais alto desde 1998, quando 21,5% do eleitorado não compareceu às urnas. Em 2010, de 18,1%. Em 2006, de 16,7%. E em 2002, quando Lula se tornou presidente pela primeira vez, de 17,7%.
Sendo assim, numa eleição em que a disputa por cada voto pode decidir o pleito ainda no primeiro turno (o candidato mais votado tem que ter a maioria absoluta dos votos válidos para assegurar a vitória), essas pequenas diferenças porcentuais podem fazer a diferença, dizem eles.
Luciana Chong, diretora do Datafolha, diz que se o nível de abstenção se mantiver como o de 2018, isso pode “desfavorecer Lula, uma vez que o perfil dessa abstenção é próximo ao perfil dos eleitores dele”.
“Mas precisamos avaliar se esse perfil de abstenção se manterá”, acrescenta.
Felipe Nunes, diretor do instituto de pesquisas Quaest, concorda: “Se a abstenção seguir o padrão normal, sim, pode dificultar Lula vencer no 1º turno”.
E Márcia Cavallari, CEO do Ipec, também: “Nas eleições de 2018, de acordo com o TSE, a abstenção foi maior entre os menos escolarizados e isso pode sim impactar na votação de Lula já que ele tem uma boa votação neste segmento”.
Outro elemento que pode mexer nessa xadrez eleitoral é a taxa de comparecimento dos eleitores dos outros candidatos.
Segundo o DataFolha, quase 90% dos apoiadores de Lula e Bolsonaro têm ao menos um pouco de vontade de votar. Entre os eleitores de Ciro Gomes, 34% não têm “nenhuma vontade” de ir às urnas. No eleitorado de Simone Tebet, essa taxa é de 40%.
Como lembra o colunista da Folha de S. Paulo Bruno Boghossian em artigo recente, “o baixo compromisso de eleitores de Ciro e Simone pode ser favorável ao ex-presidente. Se parte não aparecer para votar, o número de votos válidos de que Lula precisa para vencer no primeiro turno fica menor. Esse grupo também pode ajudá-lo se aderir ao voto útil”.
Menor peso
No entanto, em artigo escrito para o jornal Valor Econômico, Fernando Meirelles, pesquisador de pós-doutorado em ciência política no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), faz uma ressalva.
Ele diz que, embora o eleitorado que vota em Lula costume comparecer menos, isso não significa que suas chances de vitória no primeiro turno diminuam.
Isso porque, em sua visão, é preciso considerar o peso relativo de cada segmento que comparece em relação ao peso dos demais.
“Eleitores analfabetos eram apenas 4,5% do eleitorado apto a votar em 2018 e, mesmo com a sua baixíssima taxa de comparecimento de 49,2%, seu peso relativo caiu apenas para 2,8% do eleitorado que foi às urnas — diferença de 1,7 ponto percentual em relação ao seu peso no eleitorado apto como um todo”.
Em relação aos que tinham Ensino Médio completo, a diferença foi maior: de 22,8% do eleitorado apto em 2018, acabaram representando 24,6% do eleitorado que votou.
Nos demais segmentos, o peso relativo de cada grupo que foi votar “permaneceu similar ao que era no eleitorado apto como um todo, isto é, diferenças nas taxas de comparecimento foram similares entre faixas do eleitorado”.
Segundo Meirelles, a maior mudança entre o eleitorado apto a votar e o eleitorado que efetivamente votou em eleições anteriores “ocorre na faixa de pessoas com 70 anos ou mais”.
“Esse grupo, que não é obrigado a votar, representou 8,2% do eleitorado apto em 2018, mas teve peso final de apenas 3,9% no eleitorado que efetivamente foi às urnas, uma diferença líquida de 4,3 pontos percentuais”.
Meirelles questiona, portanto, qual seria o impacto de uma baixa taxa de comparecimento em algum segmento que apoia Lula.
E recorre à matemática para explicar seu ponto de vista.
“Seguindo no exemplo dos mais idosos, se eles dão cerca de 48% de votos para Lula, como indicam pesquisas recentes, e comparecem 4,3 pontos percentuais a menos do que outros segmentos que votam 40% em Lula (como pessoas entre 45 a 59 anos), o baixo comparecimento resultaria em um desvio de apenas 0,34% de votos em função do comparecimento”.
“Na prática, identificar o peso das mudanças no perfil do eleitorado no resultado da eleição não é um exercício tão simples — diferenças entre grupos se cruzam — mas o ponto não muda: para afetar substantivamente a votação de qualquer candidatura, diferenças nas taxas de comparecimento (e na intenção de votos) entre diferentes grupos precisam ser grandes, o que não tivemos nas últimas eleições.”
Como outros especialistas, Meirelles reafirma que não há como prever se a taxa de comparecimento desta eleição será igual à dos pleitos anteriores.
“De toda forma, se o comparecimento vai ou não decidir o resultado do primeiro turno da eleição, na verdade, tem muito mais a ver com o desempenho individual de Lula, pois, com votos válidos estimados pelos principais institutos do país indistinguíveis de 50%, qualquer fração de votos a mais ou a menos importa”.
À BBC News Brasil, Meirelles diz que, “em caso de margem apertada certamente a taxa de comparecimento será decisiva”, mas “nesse caso, tão ou mais decisivo será o voto útil e o movimento de indecisos na véspera”.
O fato é que o comparecimento eleitoral se tornou uma preocupação para Lula e Bolsonaro.
O petista quer decidir a eleição já no primeiro turno e conclamou seus eleitores por vídeo a comparecerem às urnas.
Já a campanha de Bolsonaro teme que parte de seus apoiadores deixe de votar pela chance de derrota.