A eleição presidencial russa acontece daqui a menos de dois meses. Porém, o cenário político já está fervendo com as movimentações de figuras importantes da cena partidária do país. Para adicionar tensão a esse panorama, a Rússia se vê envolvida na Guerra da Ucrânia, enquanto incertezas se colocam sobre a liderança de Vladimir Putin, cujo mandato se estendeu por mais de duas décadas.
Em meio a nebulosidade que envolve o sistema de votação russo, é importante primeiro saber quem está na disputa pela presidência. Até o momento, 16 candidatos se inscreveram a fim de concorrer ao cargo. No entanto, a única certeza segundo Carlos Silva, do Metrópoles, é a candidatura de Putin.
Inúmeros concorrentes tiveram a inscrição barrada ao longo do período pré-eleitoral, por diversos motivos, sendo frequentes “inconsistências” na documentação exigida. Outros ainda precisam consolidar participação, através da coleta de um número determinado de assinaturas do eleitorado em ao menos 40 regiões russas .
Entre os favoritos estão: o atual presidente, que nesta eleição concorre sem partido; Nikolai Kharitonov (Partido Comunista da Federação Russa), membro da Duma (parlamento russo); Leonid Slutsky (Partido Liberal Democrático da Rússia), que já teve a candidatura aprovada e é figura central no primeiro escândalo sexual da história do parlamento, em 2018; e Vladislav Davankov (Novo Povo), que também teve documentos aprovados para participar das eleições, é integrante da Duma e vem ganhando notoriedade por apoiar a anexação do território ucraniano.
Embora haja uma quantidade considerável de candidatos, uma das grandes preocupações é com a realização de uma eleição presidencial limpa. Isso ocorre, pois, mesmo agora no antes da disputa, o governo calou vozes proeminentes de oposição, o que coloca em xeque a execução de uma votação justa. “A expectativa é de que Putin, detentor da máquina pública, seja reeleito pela quinta vez, o que o tornaria o mais longevo presidente desde Stalin”, avaliou o analista Leandro Barcelos.
Em dezembro do ano passado, a Comissão Eleitoral Central (CEC) russa barrou a candidatura presidencial da ex-jornalista Yekaterina Duntsova, por “erros de documentação”. Enquanto isso, o líder da oposição Alexei Navalny, membro do partido Rússia do Futuro e ferrenho crítico de Putin, está detido numa colônia prisional no Ártico, acusado de extremismo.
Reinado Putin
Embora inúmeras variáveis se coloquem no tabuleiro político, a influência do mandatário russo ainda impacta diretamente nas intenções de voto. Segundo dados do Centro Analítico de Yuri Levada (ANO Levada-Center), o atual presidente da Rússia tem aprovação de 83% dentro do país, apesar de ser considerado um ditador e criminoso de guerra por entidades fora dele.
De acordo com os analistas, grande parte dessa popularidade se deve a situação econômica atual da Rússia. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, prevê um crescimento de cerca de 2% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2023. “Vale notar que o aumento ocorre após uma expressiva queda em 2022, o que reduz a base de comparação e possibilita um avanço econômico. No entanto, o resultado positivo da economia pode ser favorável ao pleito de Putin”, comentou Barcelos.
Outro ponto que contribui com a fama do governante entre os eleitores é a longevidade dele no cargo. A estrategista política Sabrina Bontempo aponta que a população o vê como um líder protetor, em meio a todo o histórico de controvérsias vivido pelo país com o Ocidente.
“Falávamos aqui no Brasil, por exemplo, do tal ‘fantasma do comunismo’. Lá há uma lógica um pouco diferente, com o fantasma do capitalismo, do Ocidente e dos Estados Unidos etc. Assim, Putin é considerado um líder que tem protegido a população desse tipo de ameaça. É preciso lembrar que, até 1991, estávamos em meio à Guerra Fria e até mesmo existem discussões se de fato a superamos”, analisou.
Rússia, Ucrânia e confronto
Embora o senso comum diga que vozes contrárias à Guerra da Ucrânia tendam a ganhar espaço no cenário eleitoral russo, a realidade se mostra mais complexa. Os países do Ocidente já dão claras demonstrações de esgotamento com o conflito e alguns dos principais apoiadores, como os Estados Unidos, já encontram dificuldades ao fornecimento de apoio financeiro e militar à Ucrânia.
“Putin utilizou o termo “guerra” para se dirigir ao então chamado “exercício militar”, o que pode indicar que o presidente russo esteja disposto a chegar a um acordo de paz ao longo dos próximos meses”, afirmou Barcelos.
Ao candidatos de oposição, contudo, a temática pode ser revelar com um terreno instável, já que tocaria num tema sensível ao sentimento nacionalista russo. “Para o cidadãos, a anexação dos territórios da Ucrânia é algo que precisa ser feito a fim de protegê-los de uma ‘ameaça ocidental’. Boa parte vê uma justificativa ao que está acontecendo. O candidato que contrário ao embate entre os países tem que tomar cuidado para não se colocar como alguém oposto à defesa da Pátria”, disse Bontempo.
Cenários possíveis
Até o fim do período de eleição muito pode mudar o cenário político russo. Entretanto, analistas avaliam como quase certa a vitória de Putin. Caso isso realmente ocorra, as condições sociopolíticas russas não tendem a sofrer grandes mudanças. “O presidente deve manter sua aproximação e relação com a China e utilizar-se dos BRICS, agora ampliado, e elevar sua influência em países periféricos. Ademais, tende a seguir com sua atuação na África”, comentou Barcelos.
Enquanto isso, a oposição tende a pouca ou nenhuma chance de vitória, já que além das dificuldades de uma disputa eleitoral, enfrenta a pressão estatal. “Os nomes que começam a ganhar força política são silenciados. Então, temos uma gama de participantes que não apresentam uma ameaça real. O único que se destacou está preso. Ainda temos que avaliar um terceiro quadro, em que as eleições sejam consideradas fraudulentas”, completou Bontempo.