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domingo 6 de dezembro de 2020 às 11:04h

Eleição na Venezuela muda Legislativo e cria dilema para países que apoiam Guaidó

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mais combativa e ainda reconhecida como governo legítimo por mais de 50 países, entre eles o Brasil, o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro realizará eleições legislativas neste domingo, com o objetivo de tornar irrelevante a frente opositora liderada pelo hoje deputado opositor Juan Guaidó.

Sem a participação de dirigentes e partidos que integram a Assembleia Nacional presidida por Guaidó e que mantém o aval de países e blocos de peso, entre eles Estados Unidos e a União Europeia, o resultado da eleição convocada pelo chavismo será a formação de um novo Parlamento, no qual se prevê que o governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) terá ampla maioria.

Segundo reportagem do O Globo, a pergunta que fica no ar é o que farão os países que apostaram na oposição, que há menos de dois anos prometeu mudança radical e hoje vive sua maior crise.

Três parlamentos

Apesar da crise econômica, boicotes, sanções e denúncias de violações dos direitos humanos feitas por missões de alto nível da ONU, Maduro está firme no Palácio de Miraflores, com o respaldo pleno da Força Armada Nacional Bolivariana. Os militares venezuelanos estão envolvidos em tudo o que acontece no país, da corrupção à repressão. Isso explica por que nenhuma das tentativas de Guaidó e seus aliados de provocar uma rebelião dentro das forças armadas funcionou. O presidente continua mantendo, ainda, o respaldo de sócios estrangeiros, entre eles Rússia, Irã, Cuba e Turquia. O governo de Vladimir Putin defendeu publicamente as eleições legislativas.

— São lamentáveis os pedidos de não reconhecimento ou de boicote da eleição. Esta eleição é uma realidade política e, portanto, ignorar o processo carece de todo sentido — declarou a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, María Zajárova.

O que vai acontecer a partir de agora é simples: a Venezuela passará a ter uma Assembleia Nacional reconhecida pelo governo Maduro e seus aliados, e uma outra que continuará, pelo menos por enquanto, chefiada por Guaidó e sendo considerado o governo legítimo do país por mais de 50 países. Até o próximo dia 5 de janeiro, quando serão empossados os 277 novos deputados, continuará existindo, também, a Assembleia controlada por dirigentes opositores que no final do ano passado selaram um pacto com o governo Maduro. Numa operação suspeita de ter sido regada a propinas, o governo conseguiu tirar a Presidência da Assembleia de Guaidó — que assumira em 5 de janeiro de 2019 — e entregar o Parlamento a políticos agora aliados. O novo Legislativo que surgirá da eleição enterrará esse capítulo da disputa política venezuelana.

Pesquisa revela desgaste de toda a liderança política atual Foto: Equipe de Arte
Pesquisa revela desgaste de toda a liderança política atual Foto: Equipe de Arte

 

Segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo chavismo, participarão do pleito 107 partidos, dos quais 98 são opositores. Nesse universo que poderia definir-se como o de uma oposição amigável, que não questiona a legitimidade de Maduro nem da autoproclamada revolução bolivariana, convivem partidos de esquerda e tradicionais, como a Ação Democrática (AD) e Copei. O detalhe, que até mesmo alguns venezuelanos desconhecem, é que esses AD e Copei estão em mãos de políticos que também acabaram sendo parte de uma operação de maquiagem do sistema político.

Limbo e legitimidade

Guaidó e seus parceiros não se cansam de denunciar os abusos que estão sendo cometidos por Maduro, mas a realidade, diriam os russos, é que a eleição dará ao governo um novo Parlamento e deixará seus adversários mais ousados num limbo.

— A narrativa inicial de Guaidó de que haveria uma mudança nunca aconteceu. Todo o processo foi se esgotando e perdendo força. Nesse tempo, o país sofreu sanções e quem sofreu foi a população — afirmou ao GLOBO Temir Porras, ex-vice-ministro de Relações Exteriores do governo Hugo Chávez e professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences Po.

Para o ex-ministro chavista, que hoje vive no Uruguai, “a eleição legislativa não resolverá o problema da legitimidade de Maduro perante grande parte da comunidade internacional, mas internamente o chavismo ficará mais forte”.

— A oposição de Guaidó está diante de um problema, está em jogo sua relevância — frisou Porras.

Eleitores avaliam eleição para o Legislativo Foto: Equipe de Arte
Eleitores avaliam eleição para o Legislativo Foto: Equipe de Arte

 

Para o Brasil e demais países que mantêm seu apoio ao chamado “governo encarregado” da Venezuela, não existe, hoje, uma alternativa a Guaidó. Em palavras de Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela (UCV), “a comunidade internacional foi longe demais em relação a Guaidó e agora não tem como voltar atrás“.

— Maduro continua sendo reconhecido pela ONU e por mais de 100 países. Houve um erro de cálculo. O que fará Guaidó? A única coisa que pode fazer é dizer que esta eleição é ilegítima — afirmou.

Para o governo de Jair Bolsonaro, o custo de abandonar Guaidó é alto demais e, além disso, não existe plano B. O Brasil e muitos países da região esperaram, em 2019, uma rebelião militar que nunca aconteceu. Está claro, admitiram fontes do governo, que sem um movimento dos militares nada acontecerá na Venezuela.

Fortalecido, Maduro já pensa nos próximos passos. Em Caracas, especula-se com um crescimento da área de influência do ministro da Defesa, Vladimir Padrino López.

Consulta opositora

À oposição restou a jogada de realizar neste mês de dezembro uma consulta popular virtual — num país onde a conectividade é uma das mais baixas do continente — sobre o desejo ou não dos venezuelanos de mudar o governo. Um dos encarregados de organizar o processo é Freddy Guevara, figura de proa da oposição mais radical, indultado recentemente pelo governo.

— Sabemos que depois desta eleição a repressão vai aumentar, vão perseguir os membros de nossa Assembleia Nacional. Haverá mais crise política e vão legitimar uma falsa oposição — afirmou Guevara.

Para o ex-deputado, que esteve quase três anos asilado na embaixada do Chile em Caracas, “nosso caminho é continuar fazendo o que estamos fazendo, nos reunindo em praças, igrejas e universidades”.

—Esperamos que entre 30% e 40% dos venezuelanos participem da consulta. Na farsa eleitoral, a participação não superará 20% — comentou Guevara.

Maduro e seus opositores se mobilizam num país onde a apatia é dominante. Nenhuma das campanhas gera entusiasmo e a maior preocupação é a sobrevivência. Depois de ter controlado o câmbio durante anos, o governo liberou uma dolarização na prática da economia venezuelana e hoje até mesmo compras de supermercado são pagas em dólares. Para quem tem recursos e dólares, praticamente não existe mais escassez, comentou Romero. O grande drama continua sendo o das classes populares, que dependem dos programas de ajuda do governo para comer.

Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Datanalisis, a gestão de Guaidó tem 67,4% de imagem negativa e a de Maduro, 81,8%. Já o ex-presidente Hugo Chávez (1999-2012), falecido em 2013, tem 37% de imagem negativa e 61,4% de positiva. A mesma pesquisa mostrou que 60,4% dos venezuelanos não se consideram chavistas nem opositores. Por último, 86% dos entrevistados confirmaram receber ajuda alimentar do governo — as chamadas caixas Clap.

Em recente pronunciamento, Maduro afirmou que, se o PSUV perder as eleições, deixará o poder. Encarou a eleição como um plebiscito, ciente de que os venezuelanos não têm opção e a Venezuela vai justamente no sentido contrário de uma mudança de governo.

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