Prever o que acontecerá na disputa à presidência em 2022 é uma aposta arriscada, mas quem se propõe a olhar para este cenário vê a partir desta segunda-feira (08/03) um jogo muito diferente do que se via até domingo.
Nesta segunda, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin decidiu anular todas as condenações judiciais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no âmbito da Operação Lava Jato, abrindo caminho para que o petista concorra à presidência caso não sofra novamente condenações em segunda instância.
Para cientistas políticos entrevistados pela BBC News Brasil, a provável entrada de Lula no jogo eleitoral traz hoje implicações para pretendentes ao Planalto que apostavam em se colocar no centro do espectro ideológico e, claro, para o projeto de reeleição do atual presidente.
“Bolsonaro não tinha um adversário materializado: Doria estava tentando se colocar como alternativa (João Doria, PSDB, governador de São Paulo), o Mandetta apareceu (Luiz Henrique Mandetta, DEM, ex-ministro da Saúde), Ciro estava tentando se viabilizar (Ciro Gomes, PDT, candidato à presidência em 2018). Eram balões de ensaio, e Haddad era uma incerteza (Fernando Haddad, candidato do PT em 2018)”, lembra o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.
“Considerando a hipótese de Lula vir como candidato, Bolsonaro ganha um adversário de carne e osso.”
Na avaliação do cientista político entrevistados pela BBC News, trata-se “do pior momento para Bolsonaro ganhar um adversário do tamanho do Lula”, por uma combinação de acusações contra o governo na economia e no controle da pandemia, e contra Bolsonaro e sua família em denúncias de corrupção.
“Toda vez acusarem o PT de corrupção, vão falar da mansão do filho (Flávio Bolsonaro, que comprou recentemente uma casa milionária em Brasília). Toda vez que falarem da intervenção dos governos petistas nas estatais, vão falar da intervenção de Bolsonaro na Petrobras. Bolsonaro não tem muito a apresentar em sua defesa.”
A força do antipetismo
Entretanto, há quem acredite que Bolsonaro até “queria” Lula na disputa, como afirma o cientista político Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Brasilis.
“Hoje Bolsonaro tem uma minoria de apoiadores, e vai querer chegar a uma maioria (apostando) no sentimento antipetista”, resume Almeida, autor dos livros A cabeça do brasileiro, A cabeça do eleitor e O voto do Brasileiro.
Nesta avaliação, está embutida a hipótese de que Bolsonaro e Lula chegariam ao segundo turno — o que Almeida diz ser o mais provável.
“Bolsonaro é o presidente, e o presidente vai para o segundo turno, por regra, no Brasil e em outros países que têm reeleição. E desde 1989 o PT é um dos dois partidos mais votados. Lula é forte, se elegeu duas vezes, elegeu sucessora. Um é forte por estar na presidência, o outro por seu histórico”, diz o cientista político.
Também considerando um cenário de segundo turno, a cientista política Lara Mesquita diz que Lula pode ser “o melhor oponente possível para Bolsonaro”.
“Talvez ele seja um candidato melhor para o presidente no segundo turno, porque é mais difícil para eleitores do centro-direita votarem no Lula. Alguns eleitores que têm sentimentos antipetistas e que poderiam considerar votar em outro candidato do PT ficam mais longe do partido com o nome do ex-presidente”, avalia Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Cepesp).
“Algo que ilustra isso é que, recentemente, algumas figuras públicas como o ex-presidente Fernando Henrique e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia declararam que tinham se arrependido de não ter apoiado o Haddad (na eleição presidencial de 2018) à luz do que está acontecendo hoje (no governo Bolsonaro). Essas pessoas que em 2022 poderiam apoiar algum candidato contra o presidente Bolsonaro talvez tenham mais dificuldade de apoiar o ex-presidente Lula do que outros nomes.”
“E no eleitorado realmente antipetista, há uma tendência desta parcela ser ainda mais antilulista.”
A emergência do antibolsonarismo
Mas Carlos Melo lembra que, se em 2018 o antipetismo foi a principal força da eleição presidencial, em 2022 entra na disputa um antibolsonarismo mais encorpado.
“Acho impossível Bolsonaro ter os mesmos 57 milhões de votos (como no segundo turno de 2018). Muita gente não sabia quem era o Bolsonaro, agora o antibolsonarismo é muito mais forte do que em 2018” diz.
Ele aponta como outro indício favorável à candidatura de Lula, até mesmo em detrimento à de Haddad, uma pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) publicada neste fim de semana pelo jornal O Estado de São Paulo. Ela mostrou que, hoje, apenas Lula venceria o presidente Jair Bolsonaro.
Segundo a pesquisa, 50% dos entrevistados disseram que votariam com certeza ou poderiam votar em Lula caso ele se candidatasse; outros 44% afirmaram que não o escolheriam de jeito nenhum. Os números para Haddad foram respectivamente 27% (votariam com certeza ou poderiam votar) e 52% (rejeição).
Já Bolsonaro apareceu com 12 pontos porcentuais a menos que Lula no potencial de voto (38%), e 12 a mais na rejeição (56%).
Entretanto, Carlos Melo brinca que, sobre a eleição de 2022, “o que não sabemos é do tamanho do que sabemos”.
Já está dado que a volta de Lula ao jogo eleitoral tem consequências importantes, mas qual será por exemplo o posicionamento de militares, empresários e políticos de centro-direita e centro-esquerda?
“Eles vão acolher ao chamado do bolsonarismo, do lulismo, do centrismo?”, indaga o professor do Insper.
Outros candidatos ‘coadjuvantes’
Enquanto Melo considera a possibilidade de algum “outsider” (novato na disputa à presidência) chegar ao segundo turno e com isso levar vantagem, Alberto Carlos Almeida diz que “sem dúvida” a segunda-feira, dia 8, trouxe “uma péssima notícia para todos os demais candidatos que não sejam Lula e Bolsonaro”.
“Eles podem vir como candidatos, mas já estão contratados como meros coadjuvantes”, resume Almeida.
“Lula é líder da esquerda, é popular; e Bolsonaro é um líder da direita, também popular. Os dois mobilizam vínculos emocionais. Com Fernando Henrique, Dilma, a escolha (do eleitorado) era mais racional — relevante, sim, mas racional. Agora, Bolsonaro e Lula mobilizam justificativas racionais e vínculos emocionais.”
Lara Mesquita concorda que a polarização entre dois candidatos “não é novidade” no Brasil, onde os favoritos chegam a somar cerca de 70% no primeiro turno.
“Em 2018, o que aconteceu foi que Bolsonaro representou uma direita bastante mais extremista e conservadora, e com isso o PT foi mais, no discurso, para a esquerda.”
Este campo deve ser também realinhado após a decisão favorável a Lula no STF, aponta a cientista política. Ela, como os outros entrevistados, acredita que o novo fato só reforça o projeto convicto do PT de ter Lula como candidato.
“A formação de uma frente ampla de esquerda me parece mais distante, a não ser que os outros partidos topem uma frente com a candidatura do Lula. Não que esta possibilidade estivesse muito próxima, e o PT sempre insistiu em um candidato próprio”, lembra Mesquita.