Vídeos publicados nas redes sociais do presidente Lula da Silva (PT) ao longo desta semana, após o marqueteiro Sidônio Palmeira assumir o comando da Secom, alcançaram o dobro de visualizações em comparação com o mesmo número de conteúdos compartilhado anteriormente. Com mais de 8 milhões de views, os novos conteúdos apostam em formatos rápidos e efeitos sonoros, além de uma linguagem mais descontraída, próxima ao modelo adotado pelo prefeito de Recife, João Campos (PSB), que cedeu membros de sua equipe para o governo. Em evento nesta quinta-feira, Sidônio afirmou que pretende adotar uma estética mais “simples”, “sujinha” e “soltinha” na comunicação de Lula.
Com mais de 2,7 milhões de visualizações, o primeiro conteúdo a “quebrar” o padrão institucional anterior mostra Lula recebendo agradecimentos de jovens e pais por projetos como o Bolsa Família, o Prouni e o Fies. No vídeo, os depoimentos se alternam, ganhando um ritmo acelerado e típico de formatos mais curtos vistos no TikTok ou em Reels. No final, também sobem na tela emojis de coração, simulando interações como as do público com o conteúdo durante as lives no Instagram.
Já na segunda gravação com o novo formato, hoje com 2,6 milhões de views, a câmera se aproxima do presidente, que diz a palavra “duplicou”, faz o gesto de número dois com os dedos e é acompanhado pelo efeito sonoro de videogames, como Super Mario Bros. Ao lado do ministro dos Transportes, Renan Filho, Lula anuncia a assinatura da concessão para a expansão da BR-381, conhecida como “rodovia da morte” em Minas Gerais, que também despertou nesta semana uma briga com o governador do estado, Romeu Zema (Novo).
Na imagem de visualização desse vídeo, que aparece para o usuário ao acessar o perfil do presidente, há uma espécie de adesivo que imita uma placa da BR-381 e indica para o espectador o tema a ser comentado antes que ele assista ao conteúdo. A mesma estratégia foi repetida em um vídeo curto publicado pelo presidente nesta quinta-feira em comemoração às três indicações do filme “Ainda estou aqui” no Oscar.
Em 31 segundos, Lula enaltece a conquista, repete o lema de que “o brasileiro não desiste nunca” e tem a fala ilustrada por figurinhas da estatueta do Oscar e de Fernanda Torres segurando o Globo de Ouro, que também aparecem na capa do vídeo. Na edição do conteúdo, também foi adicionada a reprodução de memes da atriz, como a frase “totalmente indicada”, que viralizou recentemente nas redes sociais.
Também em tom descontraído, foi publicado nesta semana um vídeo em que o presidente é anunciado pela “voz do TikTok”, um efeito comum em trends da rede social conhecidas pelo uso da expressão “pov” (point of view). A narração diz que Lula seria o que “mais abre portas e oportunidades do Brasil”, enquanto são mostrados momentos de entregas do projeto Minha Casa, Minha Vida.
Com mais de 8 milhões de views, os novos vídeos tiveram o dobro de alcance em comparação aos quatro últimos publicados no perfil do presidente antes da virada no formato. A única exceção que fugia à mudança de linguagem ao longo desta semana foi o anúncio de que o relógio de Dom João VI depredado durante o 8/1, agora restaurado, passaria a ficar no gabinete do presidente no Palácio do Planalto.
Para a pesquisadora Letícia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio e diretora do Instituto Democracia em Xeque, a transformação era esperada com a troca de equipe e poderá provocar o aumento do engajamento no perfil do presidente. No entanto, ela precisará ser mantida e analisada a longo prazo para surtir o efeito buscado na comunicação do governo
— Quando você adota a linguagem das redes sociais, com vídeos curtos, linguagem mais próxima do usuário, texto mais simples, o Lula falando para a câmera diretamente, isso acaba gerando um potencial maior de compartilhamento. As pessoas assistem mais e até o final por conta da leveza trazida para o conteúdo, mas é preciso esperar mais um pouco para verificar se essa é uma nova tendência para ele — explicou.
Diretor executivo da empresa de consultorias Bites, Manoel Fernandes também destaca a necessidade de “consistência” e “recorrência” para que a mudança na condução do perfil de Lula traga ganhos. Para ele, no entanto, caso se confirme, a transformação será um “acerto” que pode atrair o público sem “o peso da instituição”.
— As pessoas querem ficar mais próximas de quem seguem nas redes. Olhar mais a intimidade de cada um e até mesmo se divertir com os conteúdos. Esse pode ser caminho que a equipe do presidente Lula queira seguir agora — disse.
Inspiração em perfil de João Campos
Como publicou O Globo, com a chegada de Sidônio, a estratégia de publicação dos posts do presidente foi assumida por Mariah Queiroz, antes integrante da equipe de João Campos no Recife. Com 2,8 milhões de seguidores no Instagram e 898 mil no TikTok, o desempenho do pernambucano é visto como referência no meio por adotar linguagem popular, fazer coreografias e tornar publicações sobre anúncios de investimentos na capital virais — o prefeito também usa óculos juliet, febre entre os jovens, em uma série de posts. As redes sociais foram também um dos principais pilares da estratégia de Campos para vencer a disputa municipal de 2024 com 78% dos votos.
— A beleza está na diferença. Se fazer tudo pasteurizado, tudo igual, tudo montadinho, trabalhado, não dá. Rede social gosta das coisas sujinhas, sujinhas no bom sentido, aquele negócio mais soltinho, mais simples. É isso que precisa buscar, a beleza da militância de vocês, a beleza das pessoas mais simples do interior. É isso que faz com que a gente possa buscar engajamento. Comunicação não só são palavras, são gestos, palavras, olhar, entonação, aumentar tom de voz, tudo isso chama atenção. Quem sabe fazer isso melhor que ninguém é o povo. O presidente tem alcance tremendo, mas você também tem alcance segmentado. E, se todos fizerem isso, imagina o alcance disso.
A fala veio após o governo enfrentar derrotas recentes em meio à divulgação de notícias falsas nas redes sociais sobre a taxação do Pix. Após tentativas de desmentidos por Lula e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a crise se estendeu com a publicação de um vídeo pelo deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG). Com a repercussão negativa, a Receita Federal precisou recuar e suspender a instrução normativa que previa maior fiscalização de transferências que ultrapassassem o limite de R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas.
— Não podemos deixar a fake news entrar sozinha. Primeiro, você precisa passar verdade e depois desfazer a mentira, não o inverso, não correr atrás da mentira. E há várias formas criativas de se passar a verdade às pessoas — disse Sidônio ao jornal O Globo na véspera de sua posse na Secom.