Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) avaliam que o edital do leilão do 5G — tecnologia que promete uma velocidade de internet bem superior à das tecnologias atualmente disponíveis — abre uma brecha para que o governo invista até R$ 2,5 bilhões “à margem” do teto de gastos e do Orçamento de 2021.
Na prática, segundo os técnicos, a União estaria burlando as restrições fiscais que limitam o gasto público.
A avaliação consta, segundo o G1, de um pedido de esclarecimentos feito ao Ministério da Economia no último dia 18. O teto de gastos é a regra que, desde 2016, impede os gastos do governo de crescerem acima da inflação de cada ano.
Os técnicos afirmam que, no modelo definido para o leilão, parte dos investimentos previstos tende a “burlar” esse limite – o que pode estimular outros órgãos a fazerem o mesmo.
O edital do leilão do 5G estabelece que, como contrapartida, as operadoras vencedoras terão que montar uma rede privativa para o governo federal e ampliar o acesso à internet na Região Norte, por meio do Programa Amazônia Integrada e Sustentável (Pais). Os projetos têm orçamento estimado, respectivamente, em R$1 bilhão e R$ 1,5 bilhão.
Em vez de fazer licitações específicas para esses projetos – e, com isso, desembolsar dinheiro do “caixa” da União –, o formato de contrapartida faz com que os R$ 2,5 bilhões sejam descontados do preço mínimo dos lotes de frequência do 5G. O governo investiria deixando de arrecadar, e não gastando.
Dessa forma, apesar de o governo federal seguir custear os projetos na prática, os R$ 2,5 bilhões nem sequer aparecem no Orçamento da União de 2021.
A consequência, segundo técnicos do TCU, é que os valores são retirados artificialmente do cálculo do teto de gastos e da meta fiscal – que indica o saldo entre as receitas e as despesas do governo a cada ano. Em 2021, a meta prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é de déficit de R$ 247,1 bilhões.
Sempre que cria uma ação que gera aumento de despesa, o governo tem de adequar o gasto ao Orçamento daquele ano. A regra está no artigo 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Segundo os técnicos do TCU, esses custos criados pela contrapartida da rede privativa e dos investimentos na Amazônia não fogem à norma.
O relatório ainda não foi enviado aos ministros do TCU. Os técnicos que cuidam do processo de fiscalização do leilão do 5G pediram esclarecimentos à Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e à Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura (SDI), ambas do Ministério da Economia.
As perguntas dos técnicos
À Secretaria de Orçamento, os técnicos perguntaram, por exemplo, se houve “orientação prévia dos órgãos centrais” ou “resposta formal do Ministério das Comunicações e/ou da Anatel” sobre a decisão de destinar esses R$ 2,5 bilhões à execução dos projetos “à margem do orçamento-geral da União”.
A equipe do TCU também perguntou sobre a “compatibilidade” da realização desses projetos por uma empresa privada, prevista no edital aprovado pela Anatel, “com os princípios constitucionais e legais que regem o orçamento público”.
Os técnicos também perguntaram se existe estudo que trate de um “potencial efeito multiplicador” do formato adotado – de realização de despesas primárias por alocação direta em empresa privada.
A preocupação dos técnicos é “com o possível problema de risco moral dele decorrente, na medida em que incentivará os Poderes, órgãos, entidades e fundos que integram os orçamentos fiscal e da seguridade social a buscarem o mesmo arranjo orçamentário-financeiro para realização de suas ações essenciais, sempre que as regras fiscais vigentes forem impeditivas de sua realização.”
Já à Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura (SDI) do Ministério da Economia, os técnicos questionaram se a pasta foi consultada ou emitiu opinião sobre a decisão de destinar esses recursos a uma entidade privada.