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quarta-feira 17 de janeiro de 2024 às 16:31h

‘É perigoso governo recorrer ao STF contra decisões do Congresso’, diz especialista

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


O consultor político e diretor-executivo da Action Consultoria, João Henrique Hummel, avalia que a estratégia do governo Lula de contar com o Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter derrotas no Congresso é “perigosa”. Em entrevista ao Broadcast Político, o especialista diz que o presidente Lula da Silva (PT) tem muita habilidade política, mas conforme Iander Porcella e Giordanna Neves, do Broadcast Político, que a nova relação entre os Poderes da República ainda é um aprendizado.

“O poder está no Congresso, que pode mudar a Constituição. O Senado pode criar impeachment de ministro do Supremo. Já pensou se o Congresso resolve colocar todos os temas que o Supremo quer votar em plebiscitos? Drogas, aborto”, afirma Hummel.

Fundador do Instituto Pensar Agro (IPA), que estruturou a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Hummel diz também que, se houver uma união entre as chamadas bancadas BBB (boi, bala e bíblia), o Palácio do Planalto pode ter problemas no Parlamento em 2024.

Um exemplo foi dado no fim de 2023, quando a oposição conseguiu aprovar um destaque (tentativa de mudança no texto-base de um projeto) na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que proibia o uso de recursos públicos para financiar, por exemplo, invasões de terra, a desconstrução do conceito de “família tradicional” e cirurgias de mudança de sexo em crianças e adolescentes.

A medida era de interesse da Frente Parlamentar Evangélica e da FPA, mas também recebeu apoio da bancada da bala. Juntas, essas frentes formam uma ampla aliança conservadora no Congresso, refratária a pautas da esquerda.

Veja os principais trechos da entrevista:

Broadcast Político: O sr. disse ano passado que Lula precisava se afastar do PT e aproximar do Congresso para governar. O presidente conseguiu fazer isso?

João Henrique Hummel: Lula tem uma habilidade política muito interessante. Ele está cada dia mais entendendo o ambiente em que está. Ele percebeu o seguinte: temas polêmicos, nos quais ele acredita, mas que ele não tem certeza que vai conseguir construir maioria na sociedade, ele está evitando. Então, ele não precisou se afastar do PT, mas precisou se afastar do conceito que ele tem de Estado. Ele está medindo qual o tamanho do espaço que ele tem para fazer isso, de várias formas.

Broadcast Político: Como assim?

Hummel: Minimizando um pouco o que tramita dentro do Congresso, tentando fazer o que pode administrativamente e tentando buscar um apoio, uma pressão junto do Judiciário para amenizar e mitigar possíveis danos (no Congresso), dentro dos princípios que ele tem. Ele não se afastou do PT, mas amenizou o ímpeto de implementar o que prometeu na campanha.

Broadcast Político: Como avalia a relação entre governo e Congresso no primeiro ano deste mandato?

Hummel: Foi um aprendizado para todo mundo. Tivemos coisas novas. Por exemplo: um governo que não tem um bloco de maioria (no Congresso), é a primeira vez que tem isso claro. Segundo ponto: é a primeira vez que tem uma quantidade (tão grande) de dinheiro na mão dos parlamentares, via emendas impositivas (de pagamento obrigatório). Os parlamentares não sabiam nem onde gastar. É uma relação diferenciada do Executivo com o Legislativo, um novo modelo que está se implementando. É um aprendizado para o Lula, para o Executivo, para as lideranças e para a sociedade.

Broadcast Político: Lula foi bem no primeiro ano? Houve momentos de muita tensão, mas as pautas foram aprovadas.

Hummel: Está todo mundo bem porque está todo mundo querendo aprender e achar soluções para o Brasil que sejam possíveis. O radicalismo está ficando (só) no discurso político. O Brasil, bem ou mal, está crescendo, está aumentando o emprego e não está tendo turbulência. As pessoas estão acreditando, mesmo questionando, que as instituições são fortes.

Broadcast Político: A gente viu nos últimos anos esse fortalecimento do Congresso que o sr. comentou. Na LDO, os parlamentares tentaram dar mais um passo no controle do Orçamento, com o calendário de emendas. Mas Lula vetou essa medida. O veto pode gerar uma crise?

Hummel: Lula está fazendo um teste para saber qual é a sua capacidade de negociação e de articulação. Ele vetou pontos cruciais que eram de importância para os parlamentares na LDO. Ele propôs a Medida Provisória (da reoneração da folha de pagamento), está empurrando com a barriga para saber até onde ele vai poder negociar e ganhar alguma coisa. O que eu acho é o seguinte: vai depender também da capacidade do governo de empenhar e pagar as emendas.

Broadcast Político: Pode haver um compromisso político do governo para manter o veto, mas pagar as emendas?

Hummel: Pode ter um compromisso. Mas se o governo não fizer (o pagamento das emendas no prazo acordado em um eventual acordo), vem (uma regra) muito mais rígida. Vai ter que ter um meio-termo. Se o Lula esticar e eles derrubarem o veto, o governo vai trabalhar só pelas emendas, vai passar os próximos quatro ou cinco meses só empenhando e fazendo as emendas serem pagas, não vai fazer mais nada.

Broadcast Político: A bancada ruralista conseguiu influenciar em vários projetos no ano passado, como na reforma tributária. O que esperar da relação da FPA com o governo daqui para frente?

Hummel: A FPA tem um suporte técnico muito bem estruturado. Há uma capacidade, em termos de impactos regulatórios para o setor, de sentar na mesa e negociar. É o diferencial (do agronegócio no Congresso) em relação aos outros setores da economia. A FPA pode construir maioria em temas específicos, está dentro de quase todos os partidos. A pauta propositiva da FPA pode trazer constrangimentos para o governo.

Broadcast Político: Em que sentido?

Hummel: Porque nem sempre a pauta da agropecuária é uma pauta ideológica da esquerda.

Broadcast Político: Mas o Lula, como o sr. avaliou, não está aderindo tanto à pauta da esquerda.

Hummel: Mas incomoda. Aprovar a lei de agrotóxicos incomoda a esquerda, uma nova lei de regularização fundiária ou licenciamento ambiental pode trazer transtornos e dificuldades para o próprio governo.

Broadcast Político: Que outros desafios o governo pode ter no Congresso?

Hummel: Vamos ter lei complementar da reforma tributária. Se o Congresso quiser ter poder e ser o centro da decisão, vai ter que fazer uma lei complementar autoaplicável, sem mandar nada para regulamentação posterior, a Receita não poderia regulamentar mais nada, teria que somente executar. Isso traria previsibilidade e segurança jurídica.

Broadcast Político: Na LDO, as bancadas ruralista, evangélica e da bala se uniram para aprovar um destaque que proibia o financiamento de ações da pauta de costumes defendida pela esquerda. Foi um recado ao governo?

Hummel: Mostrou que se essas três frentes, bala, boi e bíblia, se unirem, têm poder significativo dentro do Congresso. Mostrou que unidas elas conseguem fazer maioria. Se conseguem fazer maioria, conseguem derrubar o veto e conseguem colocar outra pauta. Será que estão organizadas para isso? Qual seria a reação do governo? Acho que nenhum dos dois lados está preparado para isso, mas a possibilidade existe.

Broadcast Político: Há convergência entre essas bancadas para se opor ao governo?

Hummel: A gente não pode esquecer que temos uma eleição agora (municipal) que vai consolidar quais partidos vão sobreviver em 2026 (com mais prefeituras, as siglas terão mais cabos eleitorais para deputados e senadores). O recado dessas bancadas pode ser dado tanto em projetos de lei como nas urnas. Esse debate irá para dentro do plenário (do Congresso).

Broadcast Político: Como o sr. avalia a estratégia do governo de obter decisões favoráveis via STF?

Hummel: Acho perigoso. O poder está no Congresso, que pode mudar a Constituição. O Senado pode criar impeachment de ministro do Supremo. Hoje, o STF e o Lula são contra o porte de arma, mas o Supremo pode falar que não pode ter arma? Não, porque teve um plebiscito. Já pensou se o Congresso resolve colocar todos os temas que o Supremo quer votar em plebiscitos? Drogas, aborto.

Broadcast Político: E o que o sr. acha sobre o movimento do governo de recorrer ao STF em pautas econômicas?

Hummel: Eu acho que tem pautas e pautas. A questão do precatório não é uma coisa definida por esse governo. Agora, se entrar na desoneração, eu acho que o Supremo estará comprando uma briga com outro poder. A imagem dele (STF) pode ficar chamuscada.

Broadcast Político: A influência do Lira vai ser testada na disputa pela sucessão dele na Câmara?

Hummel: Acho que o que vai ser testado vai ser o funcionamento do Congresso dentro dessa nova realidade de emendas impositivas. Vai começar a ser testada a capacidade de liderança de todo mundo, não só do Lira, mas dos líderes, dos presidentes de partidos.

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