É indiscutível o fato de que as condições climáticas têm, cada vez mais, ocasionado episódios de verdadeiras catástrofes, como o recente ocorrido no litoral norte da cidade de São Paulo, em que chuvas atingiram o local, causando impacto já considerado histórico, com fatalidades até então não contabilizadas em sua integralidade.
Além dos danos evidentes ao patrimônio e à vida, têm ganhado relevo o fator econômico inerente à ausência repentina de insumos nas regiões afetadas, gerando o desabastecimento e a natural elevação de custos para mitigar a situação de emergência e cobrir a demanda imprevista.
Neste cenário, não é incomum que se presencie a escassez ou a elevação abrupta dos preços de produtos de uso cotidiano e que, até então, eram de fácil aquisição.
Contudo, sob determinados olhares, os aumentos “inflacionários” dos custos de bens e serviços até então acessíveis denota a imoralidade do comerciante – o qual, em realidade, também é afetado pelas tragédias climáticas -, ávido pelo lucro, que se aproveita da necessidade alheia.
Eis que, nesta lógica de solucionar impasses econômicos e sociais contundentes, surgem tentativas de socorrer-se do direito penal para tutelar situações já abarcadas por outras áreas do direito, deixando de lado a subsidiariedade da tutela penal, numa tentativa de reprimir possíveis imoralidades com a ameaça da reprimenda.
Nesta perspectiva, foi proposto recentemente o Projeto de Lei nº 168/23, de iniciativa do Senado Federal, o qual pretende tornar crime a elevação dos preços, sem justa causa, por ocasião de calamidade pública, endemias, epidemias ou pandemias.
Todavia, a proposta, que busca a modificação da Lei nº 8.137/90 e do Código de Defesa do Consumidor (CDC) denota a insurgência do Direito Penal de Emergência como perspectiva anacrônica da tutela criminal, com diversos pontos que tornam a sua implementação inócua
Num primeiro momento observa-se a proibição de condutas já previstas, como a inclusão do inciso XV no Art.39 do CDC, cuja interdição já está exposta no inciso X do mesmo dispositivo, o qual veda a elevação sem justa causa de preço de produtos ou serviços.
Ademais, o dispositivo criminalizador é vago, vez que não apresenta qualquer parâmetro para definir quem é o sujeito a ser responsabilizado pela infração penal, ignorando toda a cadeia de suprimento até chegar ao consumidor final, deixando lacunas para que se promova a culpabilidade de todos os envolvidos no fornecimento do produto, desde o fornecedor até o comerciante.
Logo, há de que se considerar que, numa situação de calamidade pública, toda a cadeia de fornecimento dos produtos e serviços pode ser atingida, vez que caracterizada pela interrelação de compradores e vendedores, os quais são integralmente atingidos pelo cenário de imprevisão, assumindo despesas para sustentar a demanda alargada em um curto espaço de tempo.
A vista dos breves apontamentos levantados, denota-se a necessidade de análises mais cuidadosas dos fatores econômicos e sociais envolvidos numa conduta que se pretende criminalizar, evitando a punição de empresários por comportamentos que não exteriorizam, por si só, uma busca maquiavélica pela ampliação de suas riquezas.
Por Leonardo Tajaribe Jr., advogado criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Conselheiro jurídico da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). Presidente de Prerrogativas da OAB-RJ – Madureira/Jacarepaguá