Há mais de dez anos focada em pesquisar a extrema direita, a antropóloga Isabela Kalil, professora da Fespsp, avalia que a decisão da Justiça Eleitoral tende a descolar a classe política do ex-presidente. Os principais atores, observa, caminham rumo à retomada da normalidade institucional.
Valor: Como fica agora a base bolsonarista?
Kalil: Bolsonaro foi capaz de juntar diferentes segmentos da extrema direita, da direita e até do centro. Em 2018, teve apoio de segmentos muito distintos. Acho bem pouco provável que outra liderança consiga isso. O mais provável em relação ao futuro do bolsonarismo, com o enfraquecimento institucional do Bolsonaro, é que esses segmentos se fragmentem, voltem a ser como eram. Nenhum dos possíveis herdeiros políticos do Bolsonaro, hoje, tem essa capacidade de aglutinação.
Valor: Consegue vislumbrar como o movimento estará em 2026?
Kalil: 2026 está muito longe e a inelegibilidade do Bolsonaro está muito recente. É preciso observar nos próximos meses as movimentações. Dá para ter algumas pistas com as manifestações de apoio, como a Michelle Bolsonaro colocando-se à disposição. Uma coisa que dá para fazer é pensar em 2024. O bolsonarismo tem feito um movimento de interiorização. Do ponto de vista de uma política mais local, podemos ter um bolsonarismo com a identidade que conhecemos, mais parecida com a de Bolsonaro. Já os herdeiros na política nacional tendem a performar um bolsonarismo de baixa intensidade. Isso não significa que seja menos de extrema direita ou menos perigoso: pode ser moderado na forma, mas não tão moderado na operação.
Kalil: A decisão de inelegibilidade do Bolsonaro afeta a extrema direita como um todo, porque coloca mais freio e constrangimento para quem quer atacar as instituições. Não significa que a extrema direita vai acabar, mas talvez demore um tempo para se reorganizar. Nos últimos anos, vimos políticos de extrema direita confortáveis em expressar posições antidemocráticas.
Valor: Lula esteve com um possível adversário em 2026, Eduardo Leite, no dia do julgamento. Simboliza uma volta à normalidade?
Kalil: É interessante esse encontro e também, de certa forma, o fato de Lula ter ignorado o julgamento do Bolsonaro. É uma posição acertada no sentido de tentar restabelecer a normalidade da política, algo que deve ser feito por quase todos os atores, com exceção de políticos que se posicionam de forma clara na extrema direita. Mesmo quando Tarcísio de Freitas demonstra um relativo apoio a Bolsonaro, não está fazendo ataque ao resultado, ao TSE. Nesse ponto, Bolsonaro ficou sozinho. Uma coisa é lamentar a sentença, outra é dizer que foi injusta, que é perseguição. Antes, ganhava-se politicamente de estar perto de Bolsonaro. Agora, é muito oneroso para a classe política ficar ao lado dele. Vejo isso até para a Michelle.