Ninguém esperava milagres. Mas agora está claro que, depois dos anos horríveis sob Bolsonaro, o Ocidente tinha uma imagem idealizada de Lula, opina Thomas Milz.”E aí, decepcionado com o Lula?” Na minha recente visita à Alemanha, amigos e familiares queriam saber minha opinião sobre o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Depois de quatro anos sob Jair Bolsonaro, que não se importava com a proteção de florestas nativas, ironizava vítimas da pandemia, não conseguia estabelecer uma relação com a Alemanha e era assim também visto de forma muito crítica no país, meus amigos se alegraram com a vitória de Lula em outubro passado.
A vitória lhes dera esperança de que meio ambiente e povos indígenas seriam protegidos. E, depois de Bolsonaro, um fã da ditadura militar, esperança de que a democracia brasileira seria fortalecida.
Mas aí eles viram na imprensa algumas notícias: primeiras suspeitas de corrupção entre ministros de Lula, aumento do desmatamento no Cerrado, planos para exploração de petróleo e matérias-primas na Amazônia e projetos de infraestrutura como a BR 319, que ameaçam a Floresta Amazônica. Eles me perguntavam se o que se esperava de Lula não era o contrário disso?
Surpresos eles acompanharam como Lula se abraçava à China, um regime autoritário, e não perdia uma oportunidade de malhar o Ocidente. Também a posição dele de que a Ucrânia é tão responsável pela guerra quanto a Rússia de Vladimir Putin foi recebida com total incompreensão.
Talvez o Brasil esteja apenas muito longe de tudo, e certamente os brasileiros têm outras preocupações além de tentar entender a posição do Ocidente em relação à guerra de agressão da Rússia, ouvi meus amigos e familiares dizerem.
E eu, também estou decepcionado com Lula 3.0?, me perguntei. Surpreso certamente não estou. Eu conheço bem demais o antiamericanismo da esquerda latino-americana. As posições de Lula em tempos de tensão entre o Ocidente e o “Sul Global” – se é que isso existe – são exatamente como eu imaginaria que elas fossem.
Como sempre, ditadores de esquerda, seja em Cuba, seja na Venezuela ou na Nicarágua, assim como regimes autoritários como o Irã ou a China, são defendidos. Lula jamais mostrou ter uma bússola moral sólida de orientação ocidental. Lula, o social-democrata foi só um curto intermezzo no início de seu primeiro mandato como presidente.
Combate à corrupção e agenda verde
Também não surpreende que o combate à corrupção sob Lula tenha sido totalmente deixado de lado. A corrupção, assim como a segurança pública, sempre foi um ponto fraco dos governos de Lula. Como pragmático que é, Lula buscou se aproximar do Centrão para garantir a governabilidade. Escândalos do passado, como o Mensalão em 2006 e o Petrolão em 2013, já mostraram como essa proximidade é nociva.
Que a esquerda brasileira, liderada pelo PT, espalhe a narrativa do lawfare, ou seja, a guerra jurídica contra a esquerda latino-americana, e até mesmo alegue que nunca houve corrupção, é arriscado, mas certamente não é novo. Isso já podia ser ouvido durante a caravana de Lula, no início da campanha eleitoral de 2018. Na época, o então ex-presidente, já condenado, podia a qualquer momento ir para a cadeia e espalhava a tese do lawfare.
Uma tese que se baseia no antiamericanismo histórico: Lula como alvo da guerra híbrida da CIA, assim como Cristina Kirchner e Evo Morales. O papa argentino pode acreditar nisso – para mim é abstruso demais. Em vez de mea culpa, como até apoiadores do PT exigiram do comando do PT em torno de Lula nos tempos da Lava Jato, o que se tem é zero culpa.
Também nunca acreditei muito na “capa verde” do desenvolvimentista Lula. A prioridade sempre foi Belo Monte, rodovias como a BR 319 (de Manaus a Porto Velho) e a exploração de petróleo na Amazônia. Não foi à toa que Marina Silva jogou a toalha em 2008.
A esperança que eu deposito na agenda verde de Lula se baseia muito mais na experiência do Lula 2.0. Espero que ele entenda o potencial verde do Brasil como softpower e o use internacionalmente. O Brasil tem muito a oferecer na proteção climática e ambiental, e Lula sabe disso. Talvez ele se recorde disso.
Assim, foi negativa minha impressão da Cúpula da Amazônia, no início de agosto, cercada de grande expectativa. Em vez do grande anúncio para salvar a floresta tropical, declarações fracas sem resultados vinculativos. Amigos me disseram que Lula tem grande interesse nos bilhões prometidos pelo Ocidente para a proteção das florestas e do clima. Para ele, trata-se de dinheiro e não de princípios.
Claro que também se trata de dinheiro, penso. Talvez os meus amigos alemães sejam muito ingênuos. Eles esperavam Lula, o Idealista, e agora têm dificuldades com Lula, o Pragmático.
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Por Thomas Milz colunista da DW – Ele saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.