Antes de ser tomada pelo Comando Vermelho em fevereiro de 2023, a Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, era dividida entre três grupos de milicianos segundo reportagem de Bruna Martins, do jornal Extra, aliados ao influente Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho. A Gardênia, por exemplo, tinha à frente Philip Motta Pereira, o Lesk; Leandro Siqueira de Assis, o Gargalhone; e Francisco Glauber Costa de Oliveira, o GL. Após um racha motivado por disputa territorial, principalmente por embates em Santa Cruz e na Baixada Fluminense, o trio foi expulso da região.
Insatisfeito, o grupo pediu apoio de Zinho para voltar à Gardênia, mas ele preferiu uma alternativa mais diplomática. Para não se indispor com os outros milicianos da localidade, sugeriu a Lesk, Gargalhone e GL que ajudassem traficantes do Complexo da Penha, em especial Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, da alta cúpula do Comando Vermelho. Segundo depoimentos prestados na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), o próprio Zinho foi quem fez a mediação com o traficante.
A relação deles, acima de rivalidades, chegou à polícia durante a investigação sobre o assassinato de três médicos na Barra da Tijuca, em outubro de 2023. Os homicídios aconteceram após um deles ter sido confundido com Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, herdeiro da milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, região que, até hoje, é alvo do Comando Vermelho.
Pelos depoimentos, os agentes descobriram que o bairro, inclusive, foi o que definiu a entrada dos renegados na facção, principalmente Lesk, que teria prometido a Doca a expansão do CV pelas áreas do berço da milícia. O acordo chegou em boa hora para o traficante, que desde 2022 organizava um projeto expansionista.
“Tais informações de inteligência dão conta de que Zinho orientou que o grupo liderado por Gargalhone buscasse apoio com os traficantes Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha; e Edgar Alves de Andrade, o Doca, dois dos mais importantes traficantes soltos do Comando Vermelho e homiziados na Penha. Zinho teria feito a interlocução inicial entre os dois grupos”, esclarece o documento.
O pulo dos milicianos para o tráfico fez surgir um grupo de matadores conhecido por Equipe Sombra, que depois se envolveria na morte dos médicos. A idealização do bando seguiu uma lógica um tanto questionável: por conhecerem a Zona Oeste e criminosos de lá, Lesk e GL iriam organizar as invasões de território e, mais precisamente, a morte de milicianos. A polícia não chegou a investigar a fundo a atuação de Gargalhone, que morreu numa tentativa de assalto em maio de 2023.
Brutalidade dos crimes
A ação dos matadores se tornou tão contundente que, entre fevereiro e abril daquele ano, ao menos 20 pessoas foram vítimas do grupo só na Rua Araticum, no Anil, em Jacarepaguá. A violência foi tamanha que a via ficou conhecida como Rua da Morte. No relatório policial, os agentes chamam a atenção para a brutalidade dos homicídios, já que alguns corpos foram deixados decapitados nos acessos à região.
Durante as investigações, os agentes chegaram ao nome de outro integrante da Equipe Sombra, mas de passado ainda desconhecido: Juan Breno Malta Ramos Rodrigues, o BMW ou Rex, que tem oito mandados de prisão em aberto no Conselho Nacional de Justiça, todos por processos nos quais é réu por homicídios. Ele está foragido, e a suspeita é de que esteja escondido no Complexo da Penha, sendo um dos traficantes de maior confiança de Doca.
Áudio interceptado
A relação de ambos é tão próxima que, num áudio interceptado pela Delegacia de Homicídios, Doca chama BMW de “soldado do futuro”. “Aê, meu soldado do futuro. Feliz Natal para tu e para a sua família aí, valeu! Esse ano agora vai ser tudo de bom para nós! Vai dar bom, irmão”, diz a gravação.
Além de Lesk e GL, BMW segundo reportagem do Extra, também foi indiciado como um dos responsáveis pela morte dos médicos na Barra. No inquérito policial, ele aparece como o articulador do grupo que foi ao quiosque da orla executar as vítimas. No entanto, diferentemente dos outros comparsas, teve a vida poupada pela alta cúpula do CV, já que teria tomado a decisão a partir de uma informação errada passada por Lesk. Além disso, à época dos assassinatos, ele estava em casa se recuperando de ferimentos à bala, decorrentes de confrontos por territórios.
Com exceção de BMW e GL, que está preso desde março de 2023, os demais envolvidos na morte dos médicos foram executados pela própria facção 12 horas após o crime. Os corpos de Pablo Roberto da Silva dos Reis, o BK; Tiago Lopes Claro da Silva, o Paulista; e Ryan Soares de Almeida, o R22, foram encontrados no interior de um Honda HR-V. Já o de Lesk estava num Toyota Yaris nos arredores da Gardênia Azul.
Segundo a polícia, cerca de 70% dos integrantes da Equipe Sombra morreram desde o início das investigações. No entanto, o grupo se mantém de pé, com grande rotatividade de traficantes. Com a morte de Lesk, BMW teria assumido a chefia do bando, que continua atuando pela Zona Oeste, agora com foco na região de Curicica. Em um funk ao qual a equipe da DHC teve acesso, os versos enfatizam a empreitada: “Vamos pular no Campinho, deixar tudo vermelhão / Curicica avista nós, é a próxima parada / Vai chegar quebrando tudo, BMW mete bala”.
Cinco homens morreram e um ficou ferido após um confronto ocorrido neste sábado, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Segundo a corporação, o tiroteio ocorreu após um ataque a tiros contra equipes do 21º BPM (São João de Meriti) que faziam um policiamento pelo bairro Venda Velha.
Ainda de acordo com a PM-RJ, os feridos foram levados para o Posto de Atendimento Médico (PAM) de São João de Meriti. As cinco morte ocorreram na unidade. O sexto baleado foi transferido para o Hospital municipalizado Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, também na Baixada.
Todos os feridos são suspeitos de tráfico de drogas, afirmou a Polícia Militar. Após o confronto, foram apreendidos um fuzil, cinco pistolas, três rádios de comunicação e drogas. A ocorrência foi registrada na 64ª DP (São João de Meriti).
Além de Venda Velha, a PM-RJ informou que intensificou o policiamento em outras quatro regiões: Pau Branco, Cocobongo, Morro do Amor e Fumacê. Segundo a corporação, criminosos de grupo rivais estão envolvidos numa disputa territorial que se estende pelos locais.