Ter uma locomotiva centenária em utilização num país que rotineiramente desvalorizou a sua história e as suas ferrovias já é um fato raro, mas o que dizer de quem tem duas, fabricadas há 110 anos nos EUA e na Europa?
Pois elas existem e segundo a Folha de S. Paulo, foram restauradas e voltaram aos trilhos no interior de São Paulo no último sábado (28).
Uma delas é a locomotiva alemã Borsig, número 9, produzida inicialmente para a extinta Estrada de Ferro Araraquara.
A outra é uma norte-americana, fabricada no mesmo ano e que leva o número 215. Foi encomendada pela também extinta Estrada de Ferro Oeste de Minas.
Ambas, em momentos distintos, tiveram como destino o acervo da ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária) em Campinas, onde foram restauradas e voltaram aos trilhos.
A maria-fumaça 9, conta Helio Gazetta Filho, diretor administrativo da ABPF Campinas, operou até 1956, quando a Estrada de Ferro Araraquara terminou o alargamento da bitola (largura dos trilhos) de 1 m para 1,6 m.
Com isso, locomotivas a vapor da bitola métrica foram sucateadas ou vendidas, sendo várias para usinas de açúcar que ainda utilizavam a maria-fumaça.
“A locomotiva 9 teve mais sorte e acabou servindo como monumento no prédio da administração da ferrovia em Araraquara até 1991, quando então já cedida à ABPF pela Fepasa, foi retirada do prédio da administração e reformada pela empresa Villares, que fez ela voltar a operar e foi levada para a estação de Araraquara, onde num pequeno trecho isolado, junto com um vagão adaptado para pessoas, fez pequenos passeios até perto de 1999”, disse.
No fim dos anos 90, a Fepasa foi incorporada à Rede Ferroviária Federal e, em seguida, concedida à iniciativa privada, quando a então Ferroban, que era responsável pela concessão do trecho, pediu que a ABPF retirasse a locomotiva do local em que estava.
O destino foi Campinas, onde chegou em 16 de julho de 2000 para operar na rota entre a cidade e Jaguariúna. Restaurada, entrou em operação e assim ficou até 2020, quando a ferrovia interrompeu as operações por conta da pandemia da Covid-19.
Guardada na oficina da estação Carlos Gomes, em 30 de setembro daquele ano sofreu danos quando a estação foi atingida parcialmente por um incêndio.
Novamente reformada, não tem mais marcas dos danos do incêndio e foi possível ser utilizada neste sábado no roteiro de 24 quilômetros entre as cidades.
Já a 215, depois de atender a Oeste de Minas, que tornou-se a Rede Mineira de Viação, teve como destino ser incorporada pela Rede Ferroviária Federal na década de 80, numa história que se cruza com a fundação da ABPF, em 1977.
Em busca de locomotivas com condições de restauro para operar no interior paulista, a primeira encontrada pelos membros da associação foi a 215, que estava num depósito em Três Corações (MG).
Em 1981, ela foi usada em testes em Jaguariúna e foi a primeira a ser usada pela ABPF na rota entre a cidade e Campinas.
“Ambas são muito importantes, a 215 por ter sido a primeira a funcionar em toda a ABPF e a 9 por ter sofrido avaria com o incêndio e agora voltou à vida”, disse o diretor.
O evento deste sábado começou às 8h na estação Anhumas, em Campinas, com a recepção aos visitantes, a reinauguração das locomotivas e o embarque no trem rumo a Jaguariúna. A composição deixou a cidade às 13h30 e pouco mais de uma hora depois já estava na estação de origem.
Maria-fumaça Campinas-Jaguariúna
Rota: estação Anhumas à estação Jaguariúna, passando por outras três no trecho
Duração*: 3h30 (completo, ida e volta) e 2h (meio percurso)
Preços*: R$ 140 (inteira)**, R$ 90 (meia-entrada ou ingresso solidário***) no percurso completo e R$ 70 (meia ou ingresso solidário***) no meio percurso
Atrações: demonstração da operação do trem, música e antigas fazendas
(*) passeios normais, diurnos, aos sábados e domingos
(**) preço promocional; tarifa cheia é R$ 180
(***) doando 1 kg de alimento não perecível, turista paga meia