Nas voltas que a vida dá, acabamos voltando sempre ao mesmo lugar.
Para quem está espantado com as denúncias de “assédio eleitoral” que preocupam o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, é preciso lembrar que a compra e venda de votos não começou agora, apenas se modernizou.
Meio século atrás, Ricardo Kotscho, colunista do UOL, afirma que fez reportagens sobre os currais eleitorais do Nordeste quando morria muita gente nos tempos dos “coronéis” e do “sindicato do crime”, donos da vida e da morte dos eleitores. Vendia-se o voto em troca de um par de botinas ou de uma dentadura, remédios ou óculos.
Depois da redemocratização do país, em 1985, em lugar de agrados ao eleitor, começaram as ameaças, que se acentuaram na eleição deste ano.
Na primeira eleição presidencial pelo voto direto em 1989, eu estava no Pantanal, com a equipe de televisão do programa eleitoral de Lula, esperando autorização para entrar na fazenda de uma grande empreiteira.
Conversando com a peãozada, enquanto esperava a liberação, descobri como funciona essa história de “voto secreto” nos grotões do país, longe dos olhos da mídia e da Justiça Eleitoral”. “Aqui a gente não precisa se preocupar. Os home vota pra nóis!”
De fato, no dia da eleição, o gerente da fazenda recolhia os títulos de eleitor dos empregados para votar por eles, enquanto comiam um belo churrasco oferecido pelo patrão. Nem eles ficavam sabendo em quem tinham votado. Era esse o verdadeiro “voto secreto”.
Na reta final da campanha daquele ano, descobri em Porangaba, no interior paulista, onde tenho um pequeno sítio, que o pessoal da vizinhança estava apavorado com a visita de “fiscais do Incra”, que pediam licença para medir as terras.
Diziam que trabalhavam para a campanha de Lula para “preparar o plano de reforma agrária”, uma das bandeiras do candidato petista, mas na verdade estavam a serviço de Fernando Collor, que assim disseminava o clima de medo e insegurança no campo _ e isso certamente acontecia também em outras regiões do estado e do país.
Tive notícias também de que na periferia das grandes cidades, esses “fiscais” perguntavam quantos quartos tinha na casa e quantos moradores, para ver quantos sem teto poderiam ser abrigados ali. Nunca se saberá quantos votos Collor ganhou e Lula perdeu com esta operação “apavora eleitor”.
Agora, em 2022, os métodos mudaram, mas o objetivo continua sendo o mesmo. Nas regiões do agronegócio mais atrasado, que está armado até os dentes, donos de terra, gado e gente, e seus gerentes, estão ameaçando seus empregados de demissão se não votarem em Bolsonaro.
“Se o Lula ganhar, eu fecho esta merda e vocês vão pedir emprego pro PT”, costuma ser a palavra de ordem nestes dias que antecedem o segundo turno. Em alguns lugares, é oferecido um prêmio de R$ 200 se o candidato do patrão for o vencedor.
O Ministério Público do Trabalho já registrou mais de 200 casos em todo o país, que foram informados ao TSE, mas o total deve ser muito maior, já que é grande o medo dos trabalhadores de denunciar as ameaças e ficar desempregado.
Moraes quer se reunir com os procuradores para estudar providências conjuntas contra o que chamam agora de “assédio eleitoral”, a nova versão do “voto de cabresto” dos velhos “currais eleitorais”, hoje chamados de “redutos”, alimentados com as verbas das emendas de relator do orçamento secreto.
É assim que se eterniza o poder das famílias que formam o Centrão e se aliam a qualquer governo, passando os mandatos que eram dos avós de pai para filho. Quem não estiver de acordo, é logo rotulado de “comunista” pelos novos coronéis que acompanham os votos das zonas eleitorais pelo laptop e controlam seu gado com drones.
Esse é o Brasil real de 2022, que passa ao largo do noticiário e dos programas de debates entre jornalistas na televisão, que querem discutir programas de governo, enquanto as fake news inundam os subterrâneos das redes sociais e os trabalhadores rurais são enquadrados no popular “dá ou desce”.
Como aconteceu na disputa entre Lula e Collor em 1989, nunca saberemos qual foi a influência destas operações clandestinas, só agora investigadas pela Justiça Eleitoral, na contagem final dos votos. Já era assim na época do voto em papel, que Bolsonaro tentou ressuscitar, mas nem precisava.
Os donos do poder político, econômico, teocrático e militar sempre dão um jeito de nele permanecer. É nisso que os generais do bolsonarismo e seus devotos confiam para cantar vitória contra todas as evidências, a apenas 17 dias da eleição.
Cada vez fica mais claro para mim que os governos de FHC e de Lula foram pontos fora da curva nesta história regressiva do Brasil, desde a chegada de Cabral e da divisão do país em capitanias hereditárias, que resistem até hoje.
Vida que segue.