Na próxima sexta-feira (2), será lançado um livro completamente dedicado ao lado musicista do imperador: ‘Pedro 1º – Compositor Inesperado’
A imagem militar de dom Pedro 1º, exaustivamente explorada pelo governo brasileiro nos festejos do bicentenário da Independência, era apenas uma das muitas facetas do antigo imperador, que colecionava também excentricidades e tinha um reconhecido talento musical.
Embora fosse herdeiro do trono português, dom Pedro viveu uma vida bastante livre no Rio de Janeiro, aonde chegou com nove anos. Além de caminhadas, escaladas e outras atividades físicas, ele costumava conforme a Giuliana Miranda, Folhapress, nadar completamente nu nas praias de Botafogo e do Flamengo, sem se importar com os olhares ou com a opinião dos moradores.
“Além de nadar pelado na praia, ele tinha uma necessidade de limpeza corporal absurda para a época dele. Os palácios podiam quase não ter móveis, mas todos tinham de ter uma casa de banho completamente equipada. Ele tomava banho depois de todos os deslocamentos”, diz o historiador Paulo Rezzutti, autor da biografia “D. Pedro – A História Não Contada”.
A agitada vida sexual do monarca também não era segredo na corte. Com sua amante mais famosa, Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos, trocou uma extensa correspondência erótica, às vezes assinada sob a alcunha de “Demonão” ou “Fogo Foguinho”.
Também autor de um livro sobre a correspondência entre o casal, Rezzutti diz que o comportamento da dupla nas trocas de mensagens é, em certa medida, comparável com o que é dito atualmente por “dois amantes no WhatsApp”.
“Tudo o que se fala hoje estava lá em forma de carta. Desde brigas de ciúmes até coisas fofas. Algumas coisas são bastante atemporais”, detalha.
Autora de vários livros sobre a história do Brasil, incluindo “D. Pedro I – Um Herói sem Nenhum Caráter”, a historiadora Isabel Lustosa destaca que a falta de sofisticação do monarca costumava chocar representantes europeus.
“No Brasil, dom Pedro era o homem do dia a dia. Ele era realmente um homem popular, que circulava pelas ruas e conversava com as pessoas. Era um tanto vulgar, suas maneiras causavam espécie em diplomatas estrangeiros. Ele estabelecia uma coisa que é muito brasileira, que é uma rápida familiaridade, e isso resvalava às vezes para comportamentos muito deselegantes”, detalha.
Ainda que seus modos fossem menos refinados, dom Pedro 1º era um exímio musicista, dominando com maestria vários instrumentos. Isabel Lustosa relembra que o pai do imperador, dom João 6º, era um grande apreciador de música sacra, mantendo um coral caríssimo para se apresentar nas missas reais.
“É uma tradição que dom Pedro herdou. Dona Leopoldina, em correspondência para a família, disse que nunca tinha visto em alguém tanta facilidade para a música, para tocar qualquer instrumento”, detalha.
Antes secundária na biografia de dom Pedro 1º, sua aptidão musical vem ganhando destaque na programação do bicentenário da Independência. Na próxima sexta-feira (2), será lançado um livro completamente dedicado ao tema, “Pedro 1º – Compositor Inesperado”, que tem artigos assinados por vários especialistas, incluindo Lustosa e Rezzutti. Além disso, as composições de dom Pedro farão parte de um novo álbum da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.
Outra questão que costuma ter pouco destaque na biografia imperial é o fato de o monarca ter sido um pai bastante zeloso para sua numerosa prole.
“Ele tinha um carinho imenso pelos filhos, até pelos bastardos. Era do tipo que não saía do lado de um filho se ele estivesse doente”, diz o escritor Rezzutti.
Em meio à crescente tensão política, o imperador acabou por abdicar do trono brasileiro em 1831, menos de uma década após a Independência, legando a coroa ao filho homem mais velho, então com cinco anos.
“Muita gente critica a atitude dele de, ao voltar para Portugal, ter deixado para trás dom Pedro 2º e outros filhos, dizendo que ele os abandonou no Brasil. Se nós olharmos com a cabeça de um chefe de dinastia do século 19, nós vemos que ele sabia que aqueles filhos não eram dele, que eles pertenciam ao Estado brasileiro”, considera.
O carinho com os filhos contrasta com as grosserias com a primeira esposa, dona Leopoldina, arquiduquesa da Áustria e membro da dinastia dos Habsburgos. As notícias do mau comportamento com a imperatriz, pertencente a uma das casas reais mais tradicionais da Europa, rapidamente se espalhou pelas cortes do velho continente. Por isso, após a morte de Leopoldina, os diplomatas brasileiros tiveram dificuldades em conseguir uma segunda esposa para o monarca.
Dom Pedro 1º também teve pioneirismo nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no Brasil. Já depois da Independência, em 1829, em meio à tensão social e política, foi instaurada no país a primeira CPI, na qual os deputados pediram explicações oficiais aos ministros da Justiça e do Exército sobre a conduta durante uma tentativa de revolta em Pernambuco. Segundo diversos relatos, o monarca teria se empenhado diretamente na defesa dos ministros, que acabaram escapando das acusações por uma pequena margem.
Essa não seria, porém, a única CPI no caminho de dom Pedro 1º, que foi alvo de uma comissão da Assembleia brasileira quando já vivia em Portugal. Os parlamentares investigavam rumores –desacreditados por especialistas– de que ele pretendia reconquistar o Brasil após vencer as tropas absolutistas de seu irmão mais novo, dom Miguel, pelo trono luso, em 1834. A Assembleia brasileira chegou a discutir com seriedade o assunto, que só foi encerrado após a morte de dom Pedro, em setembro do mesmo ano.
O primeiro imperador brasileiro, conhecido em Portugal como dom Pedro 4º, devido ao breve período em que foi rei do país, morreu de tuberculose aos 35 aos, no mesmo quarto em que nasceu, no Palácio de Queluz.