Doenças como a insuficiência cardíaca, a pneumonia, a tuberculose e a sepse ou infecção generalizada são responsáveis por 62% das mortes dentro das cadeias brasileiras. A taxa de detecção de tuberculose nas prisões é 30 vezes maior do que na população em liberdade. Já o risco de óbito por caquexia, ou enfraquecimento extremo, é 1.350% maior entre quem está na cadeia do que no restante da sociedade.
A morte natural das pessoas privadas de liberdade no Brasil é, na verdade, resultado de um longo processo de adoecimento, falta de assistência e definhamento. Estar em uma prisão piora os indicadores de saúde a longo prazo e acelera o envelhecimento dessas pessoas.
As prisões propiciam a disseminação de doenças devido às condições precárias de higiene. Durante a crise de Covid-19, as instituições penitenciárias interromperam atendimentos médicos e a distribuição de medicamentos. Com isso, houve aumento do número de pessoas desnutridas e de óbitos. O quadro é agravado pela falta da comida levada pelos familiares aos detentos, pois as visitas também foram suspensas.
Este cenário é abordado no levantamento “Letalidade prisional: uma questão de Justiça e saúde pública”, encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Conforme o estudo, as mortes causadas por ferimento de arma de fogo, por enforcamento indireto e agressão por objetos cortantes, penetrantes, perfurantes ou contundentes dentro das unidades prisionais chegam a 25% do total. Sozinhos, o estrangulamento ou sufocação indireta, a asfixia mecânica e as asfixias não especificadas representam 15% dos casos.
Mesmo após o retorno ao convívio social, o tempo médio de vida dos ex-detentos é de 548 dias. 28% dessas mortes ocorrem em eventos violentos.
Em síntese, a pesquisa mostra que, dentro das prisões no Brasil, morre-se muito, sabe-se pouco, registra-se quase nada, praticamente não se responsabiliza, tampouco se repara.
O relatório do CNJ revela indícios de subnotificações de mortes e aponta para a necessidade de aprimoramento da administração penitenciária, especialmente quanto aos serviços de saúde às pessoas sob custódia.
O documento recomenda 36 providências, dentre as quais estão ações coordenadas para a superação de violações de direitos humanos, como mobilização de juízes e tribunais para garantir medidas estratégicas.
Durante evento na última quinta-feira (11), o juiz Luís Lanfredi, auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), chamou a atenção para os danos causados às pessoas que se encontram em espaços prisionais.
“Temos números e dados que devem nos reorientar sobre a forma como o sistema prisional e o sistema de Justiça criminal devem funcionar. Não restam dúvidas sobre a letalidade do sistema prisional, não somente no risco à vida, mas também por sua capacidade de neutralizar a pessoa”, afirmou.
A pesquisa considerou mais de 112 mil casos, entre 2017 e 2021, nos quais houve a extinção de punibilidade por falecimento da pessoa custodiada. A coordenação acadêmica foi das professoras Maíra Rocha Machado e Natália Pires de Vasconcelos, respectivamente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
A juíza Karen Luise Vilanova Batista de Souza, também auxiliar da Presidência do CNJ, destacou que as informações quanto à raça dos indivíduos durante a investigação policial, no processo judicial e na execução criminal, não convergem e não dialogam com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por isso, não é possível traçar o perfil racial dos mortos em prisões, embora a maioria das pessoas encarceradas seja preta ou parda.