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domingo 28 de fevereiro de 2021 às 17:24h

Dobradinha eleitoral de João Doria vira assombração; entenda

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Uma das marcas da eleição de João Doria (PSDB) em 2018 para o Governo de São Paulo, a dobradinha “BolsoDoria” –que estimulava o voto no tucano e no então presidenciável Jair Bolsonaro (à época no PSL, hoje sem partido)– virou uma assombração para o governador.

Após romper politicamente com Bolsonaro e reivindicar o posto de opositor dele com vistas às eleições de 2022, Doria passou a ser cobrado pela aparente incoerência na mudança de posicionamento e a ter que lidar com críticas pela aproximação forçada (mas crucial) para a conquista do pleito de 2018 em um acirrado segundo turno.

Os ataques, antes mais comuns na boca de opositores do paulista, passaram a ser vocalizados também por líderes do PSDB no início deste ano, depois de uma articulação de Doria visando a assumir o comando nacional da legenda e se firmar como o candidato tucano à Presidência.

Vista como açodada e autoritária, a iniciativa abriu uma crise interna, com tucanos como o deputado federal e ex-presidenciável Aécio Neves (MG) e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, rememorando o slogan para alfinetar o aspirante ao Planalto.

Aécio, por exemplo, divulgou nota com menção em tom irônico ao “inesquecível BolsoDoria” e disse que o tucano paulista fez uma “mudança de nome nas últimas eleições”. Já Leite se gabou por não ter misturado seu sobrenome ao do presidente.

Como surgiu a dobradinha?
O movimento apareceu inicialmente na voz de apoiadores de Doria que se contrapunham ao candidato do PSDB à Presidência em 2018, o ex-governador Geraldo Alckmin, e defendiam o então deputado federal Jair Bolsonaro (à época no PSL).

A expressão começou a circular nos bastidores a partir do momento em que as pesquisas mostravam a dificuldade de Alckmin em decolar e a disparada de Bolsonaro nas intenções de voto.

Antes de tentar colar sua imagem à do candidato do PSL, porém, Doria já havia proferido ataques a Bolsonaro, atribuindo-lhe pechas como a de extremista e sugerindo que uma vitória dele seria desastrosa para o Brasil.

A associação a Bolsonaro criou mal-estar nos bastidores do PSDB, sobretudo porque Doria já havia sido acusado de tentar minar a pré-candidatura de Alckmin à Presidência e assumir o lugar dele como representante tucano na disputa pelo Planalto.

A então candidata a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) foi uma das articuladoras do slogan. Próxima de Doria, mas à época correligionária de Bolsonaro, ela incentivou o voto casado e buscou construir pontes entre eles.

Joice já descreveu o tucano como “um liberal escondido no PSDB” e afirmou que ele combinava muito mais com o PSL, que abrigou Bolsonaro na corrida presidencial.

Doria endossou o movimento BolsoDoria?
A princípio, o então candidato a governador negou ser o autor ou difusor da ideia. Ele frisou ao longo do primeiro turno que seu candidato a presidente era o do PSDB. Sua campanha de TV, contudo, escondia tanto o nome da sigla quanto o do presidenciável.

Mais perto da votação, no entanto, adversários e até mesmo aliados já admitiam em conversas reservadas que Doria embarcaria na campanha de Bolsonaro e defenderia a combinação 17-45, diante da malsucedida campanha de Alckmin e dos resultados acanhados nas pesquisas.

Os sinais de “bolsonarização” foram se acentuando antes mesmo de Alckmin ser tirado do páreo. Em uma entrevista antes do pleito, o então candidato a governador afirmou que “não há mais o voto vinculado, de cima a baixo, necessariamente o mesmo partido”.

Doria só passou a defender abertamente a estratégia BolsoDoria após o primeiro turno, depois que Bolsonaro se classificou para a disputa contra Fernando Haddad (PT). “A partir de amanhã às 7h30 serei um guerreiro intransigente contra o PT. Nós vamos apoiar Jair Bolsonaro”, disse ainda no domingo do primeiro turno.

Daí em diante, ele usou camisetas com a expressão estampada, mencionou o termo em discursos e passou a alardear seu alinhamento com o então candidato do PSL, sobretudo na agenda econômica, mas também em pontos das pautas de costumes e de segurança pública.

O comitê de campanha do tucano chegou a produzir adesivos com a expressão e os números de ambos na urna.

A poucos dias da eleição, a Polícia Federal apreendeu no comitê adesivos com a estampa BolsoDoria que estavam sem os dados exigidos, como o nome do candidato que bancou a produção. Na época, a assessoria da campanha do tucano afirmou que havia identificado “uma pequena parcela de material” impresso fora das normas e que a distribuição desse lote havia sido suspensa.

Como Bolsonaro se comportou?
O então candidato à Presidência nunca reforçou a campanha pelo voto BolsoDoria em São Paulo. Bolsonaro, que procurou se distanciar, já havia feito críticas a Doria enquanto o tucano era prefeito da capital paulista (de janeiro de 2017 a abril de 2018).

Ao longo da campanha, ele fez acenos tímidos ao tucano, quando questionado. Disse, por exemplo, que ambos tinham uma bandeira comum, a de combater o PT, e associou a ligação com a esquerda do principal adversário de Doria na disputa estadual, Márcio França (PSB), favorecendo a retórica tucana.

França compartilhou na época da disputa um vídeo em que, durante entrevista à rádio Jovem Pan, Doria dizia que não aceitaria o apoio de Bolsonaro. “Agradeço, mas declino. Não acredito em extremismos nem de direita nem de esquerda”, afirmou o tucano.

Doria e Bolsonaro fizeram campanha juntos?
Não. No segundo turno, quando Doria passou a encampar a dobradinha, ele chegou a viajar de São Paulo ao Rio de Janeiro para se encontrar com Bolsonaro e gravar um vídeo com ele. O então presidenciável, porém, não recebeu o tucano, que voltou sem o depoimento.

O PSL decidiu manter neutralidade no segundo turno paulista, sem declarar apoio a nenhum candidato. Doria buscou minimizar o constrangimento pelo desencontro, dizendo que Bolsonaro não pôde recebê-lo porque se sentia indisposto.

A leitura dos bolsonaristas foi a de que Doria tentou forçar uma imagem de aliança que não existia na prática, apesar dos estímulos da então deputada federal eleita Joice Hasselmann (PSL-SP), que acompanhou o amigo tucano na viagem ao Rio.

No dia seguinte ao episódio, o então candidato ao Planalto afirmou à imprensa que não havia marcado o encontro nem sabia se alguém tinha combinado por ele.

Em um discreto afago ao tucano, Bolsonaro disse que poderia “bater papo com ele sem problema nenhum” e agradeceu pelo apoio. “No momento eu desejo boa sorte ao Doria, tá Ok?”, declarou.

Como o PSDB viu o movimento na época?
O slogan escancarou a divisão no partido em 2018, opondo os grupos aliados de Alckmin e Doria. No entorno do ex-governador, o desconforto se acentuou ainda antes do primeiro turno, com a reclamação de que Doria já estaria se distanciando do presidenciável oficial do partido e preparando o embarque na campanha de Bolsonaro assim que pudesse –como, de fato, o fez.

Candidatos a deputado federal do PSDB no estado estimularam o voto BolsoDoria, buscando surfar a onda conservadora que se fortalecia no pleito daquele ano e, de quebra, alavancando seu potencial de votos. Com isso, a dobradinha foi incentivada visando aos frutos eleitorais.

O empenho acanhado de Doria na campanha de Alckmin reforçou a tese de que ele tentara trair seu padrinho político, buscando se cacifar para ser o postulante do PSDB ao Planalto. A posição formal da legenda no segundo turno foi a de não apoiar nenhum dos dois candidatos (Bolsonaro e Haddad).

A aposta de Doria ainda jogou por terra o esforço dos estrategistas de Alckmin para apresentar o PSDB como um partido moderado, mais ao centro, em estratégia para diferenciar o ex-governador de Bolsonaro, identificado como representante de uma direita radical.

A dobradinha teve algum efeito prático?
Sim. Segundo dados tabulados pela Folha, Doria teve um desempenho superior nas urnas nas cidades onde Bolsonaro recebeu mais votos, ou seja, a carona ajudou.

O inverso também foi visto nas urnas, ou seja, nos municípios em que o então deputado federal não foi tão bem, o tucano seguiu o mesmo roteiro.

Pesquisas mostraram que o candidato do PSDB tinha desempenho superior entre os eleitores que declaravam ter o PSL como partido preferido.

Desde o início da campanha, o tucano poupou o presidenciável de críticas e preferiu centrar seus ataques no PT do ex-presidente Lula, salpicando suas falas contra França com petardos à esquerda, a Cuba e ao socialismo.

O mote foi decisivo para a vitória de Doria?
A avaliação na época foi a de que, se não funcionou como bala de prata para o triunfo do tucano, a associação com Bolsonaro foi ao menos um dos fatores cruciais para o resultado.

França impôs a Doria uma disputa acirrada no segundo turno.

Os dois chegaram às vésperas do pleito empatados tecnicamente no Datafolha, com ligeira vantagem numérica para o candidato do PSB (51% a 49%). A mesma pesquisa mostrou que Doria era o candidato preferido de 72% dos eleitores paulistas que declaravam intenção de votar em Bolsonaro.

França também fez uma aproximação com aliados de Bolsonaro refratários ao tucano. Apesar de o nome do PSB ter se recusado a fazer campanha mencionando o então presidenciável, aliados dele distribuíram no estado adesivos que pregavam o voto duplo BolsoFrança.

Em meio ao fenômeno de direita que empurrou Bolsonaro e marcou aquela eleição, Doria venceu com 51,75% dos votos válidos, ante 48,25% do oponente.

Prejudicado pela alta rejeição por ter abandonado a prefeitura após apenas 15 meses de mandato, o representante do PSDB perdeu para o do PSB na capital e na região metropolitana, mas teve vantagem nos municípios do interior.

Por que o assunto voltou a ser discutido agora?
A movimentação feita por Doria neste mês para tentar se consolidar como o presidenciável do PSDB em 2022, enfrentando Bolsonaro em busca de reeleição, abriu um racha na legenda e fez adversários internos do paulista rememorarem sua adesão ao presidenciável em 2018.

O deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), que Doria deseja ver fora da sigla, trouxe o assunto à tona em uma nota na qual insinuou que o governador age com oportunismo ao defender, agora, que o PSDB adote oposição mais incisiva ao governo federal.

“Se o sr. João Doria, por estratégia eleitoral, quer vestir um novo figurino oposicionista para tentar apagar a lembrança de que se apropriou do nome de Bolsonaro para vencer as eleições em São Paulo, através do inesquecível BolsoDoria, que o faça, sem utilizar indevidamente e de forma oportunista outros membros do partido”, disse o mineiro.

Aécio também divulgou comunicado em que afirmou: “A obsessão do sr. João Doria em reafirmar, diariamente, que é oposição talvez seja um esforço inconsciente (ou não) para tentar apagar da sua memória, e da memória dos brasileiros, a sua mudança de nome nas últimas eleições, de João Doria para BolsoDoria”.

O termo também foi recordado indiretamente pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que, em meio à crise na sigla, despontou como pré-candidato tucano à Presidência e recebeu o apoio de outras correntes da legenda.

Em entrevista ao jornal O Globo, o gaúcho reverberou os ataques de Aécio a Doria: “Diferentemente do governador Doria, eu não fiz campanha casada com Bolsonaro, não manifestei apoio ao candidato. Em nenhum momento misturei o meu sobrenome ao dele”.

À Folha Leite disse que o eleitor deve distinguir gestos que foram tomados na eleição de 2018, ao explicar o apoio que ele também deu a Bolsonaro na ocasião.

“Eu sofri pressão para que fizesse campanha casada com Bolsonaro e não cedi. E manifestei, em função da eleição plebiscitária que é a do segundo turno, pela não volta do PT […] Eu manifestei o voto como eleitor, não fiz campanha apoiando ou apoiada na candidatura de Bolsonaro”, afirmou o gaúcho.

Em que momento Doria rompeu com Bolsonaro, sepultando o BolsoDoria?
“O afastamento começou a se desenhar em meados de 2019. Uma das primeiras rusgas públicas veio com a reação de Doria a uma declaração de Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em julho.

O presidente tripudiou o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, vítima da repressão durante a ditadura militar (1964-1985).

Doria classificou a conduta de infeliz e disse ser inaceitável que um presidente da República se manifestasse daquela forma.

Daí em diante, a guerra se aprofundou, com o tucano interessado em estabelecer um rompimento para cristalizar sua pré-candidatura nacional e o ocupante do Planalto disposto a asfixiar o virtual adversário.

A rixa ganhou proporção e chegou ao ápice com a pandemia do novo coronavírus. Enquanto o presidente minimizou a Covid-19, adotou o negacionismo científico como regra e sabotou as medidas sanitárias de prevenção do contágio, o governador optou pela via oposta, partindo para um embate declarado e contribuindo para a politização da crise.

O que Doria fala sobre a estratégia BolsoDoria depois que se distanciou de Bolsonaro?
O tucano sustenta um discurso de arrependimento sobre o apoio ao atual presidente. As críticas a determinados gestos e medidas de Bolsonaro lhe renderam, como esperado, a pecha de traidor.

“Não tenho compromisso com o erro. Foi um enorme erro, meu e de milhares de brasileiros. Nós temos um governo que de liberal só tem o discurso. É uma tristeza para o Brasil”, afirmou em entrevista ao UOL no dia 2 de fevereiro.

Em 2019, já com as relações estremecidas, Doria afirmou em entrevista à GloboNews que não foi o responsável por criar o mote BolsoDoria. “Esse movimento nasceu no interior de São Paulo, mas eu incorporei. Eu jamais votaria no Fernando Haddad.”

O tucano rechaça o rótulo de bolsonarista e já disse que nunca teve aliança com o governo Bolsonaro, mas apenas se comprometeu a apoiar as medidas que julgasse positivas.

Em meio à disputa política na crise do coronavírus, Bolsonaro disse, em março de 2020: “[Doria] é um governador que nega ter usado o meu nome para se eleger governador”.

Em que outros momentos o slogan foi atacado?
Nas eleições municipais de 2020, o candidato a prefeito da capital Guilherme Boulos (PSOL) lançou mão da expressão para fustigar o candidato tucano à reeleição, Bruno Covas.

O psolista lembrou na campanha que Covas é colega de partido de Doria e, em diversos momentos, defendeu a necessidade de a esquerda derrotar “a dupla BolsoDoria”.

O discurso de Boulos ganhou força no segundo turno, quando o candidato apadrinhado por Bolsonaro no primeiro turno, o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos), passou a apoiar Covas. O postulante do PSOL, que disputava contra o tucano, afirmou se tratar de reedição do voto BolsoDoria.

Russomanno resgatou o tópico no pleito municipal, ao dizer no horário eleitoral de TV que Doria “usou o ‘BolsoDoria’ para se eleger governador e depois virou as costas”.

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