A negociação para a votação da Proposta de Emenda Constitucional que vai permitir ao próximo governo gastar R$ 175 bilhões acima do teto de gastos, batizada de PEC da Transição, não terminou nesta semana, como o previsto inicialmente pela equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Embora não houvesse uma data marcada para a apresentação do texto pelos representantes do novo governo, a expectativa em Brasília segundo Malu Gaspar, do O Globo, era de que fosse divulgado o texto para a análise no Congresso já nesta sexta-feira.
Mas a previsão agora é de que o texto seja entregue aos líderes da Câmara e do Senado só na próxima quarta-feira. Só depois disso os líderes das duas casas vão se reunir para entrar em acordo sobre eventuais mudanças e sobre o calendário de votação.
As condições a serem estabelecidas nessa PEC têm provocado discussões acaloradas tanto dentro do PT e no lulismo como com o próprio Congresso. A aprovação da emenda é considerada essencial para que o novo governo possa continuar pagando os R$ 600 reais mensais do Auxílio Brasil, além de complemento de renda para famílias com crianças abaixo dos seis anos de idade.
As divergências estão na duração da “licença para gastar” que o PT vai pedir ao Congresso. Em princípio, a discussão sobre a PEC previa que ela valesse apenas para 2023, em caráter excepcional, até que o novo governo elaborasse e negociasse com o Congresso um novo arcabouço fiscal para substituir o teto.
Mas já nos primeiros dias de conversa com o Congresso a equipe de Lula percebeu que poderia haver espaço político para apresentar uma proposta um pouco mais ousada, prevendo por exemplo que a liberação dure pelos próximos quatro anos. Há quem defenda até que a licença se torne perene, seja para sempre.
É esse o ponto que está provocando os embates no PT e no Congresso, que teme a criação de um ambiente de instabilidade econômica e financeira logo no primeiro ano de mandato.
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Segundo apurei com lideranças e técnicos do parlamento, há pelo menos seis versões diferentes do texto circulando no entorno do relator do Orçamento, Marcelo Castro (MDB-PI). E até agora ninguém sabe ao certo em qual o PT vai apostar, por isso não há um texto que seja considerado a vontade definitiva do presidente eleito.
Essa indefinição ficou clara nas conversas dos representantes de Lula com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Lula visitou Lira na última quarta-feira em Brasília, e seus líderes têm tido reuniões frequentes sobre o assunto na Câmara e no Senado.
Nessas conversas, Lira avisou aos petistas que que seria difícil passar uma PEC muito abrangente e sugeriu que pensassem um pouco melhor no texto que gostariam de apresentar.
Em uma reunião com lideranças do Senado, nesta quinta-feira, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, pediu aos petistas presentes que apresentassem uma “PEC pé no chão”, que foi defendida também pelo União Brasil e pelo PP de Arthur Lira. “Nós não vamos partir para a irresponsabilidade”, disse ele, no mesmo momento em que a bolsa caía 3,35% na Bolsa e o dólar subia 4,08% em reação às falas de Lula horas mais cedo.
Em discurso a parlamentares que o apoiaram na eleição, Lula reclamou das cobranças para que o governo respeite o teto de gastos. “Por que pessoas são levadas a sofrer para garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas dizem que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso ter teto de gastos?”, disse o presidente eleito. “Por que a gente não estabelece um novo paradigma?”
Na comissão de Orçamento, a fala de Lula foi entendida como uma sinalização de que, pelo menos ontem, a ala da transição que defende mais gastos de forma permanente havia vencido a disputa interna para influenciar o presidente eleito.
Na interpretação desses técnicos e políticos, Lula falou o que falou para testar o humor do mercado antes da apresentação da PEC e ver o tamanho do estrago que poderia vir a ter que assimilar, caso decida bancar um embate no Congresso para tornar permanentes os gastos extra-teto .
A decisão de deixar a apresentação da PEC para a quarta-feira, por sua vez, está sendo compreendida no Congresso como um recuo após o tombo no mercado e uma forma de tentar ganhar tempo para afinar a negociação com Lira e Pacheco, recuperando o fôlego perdido.
Isso significa que muita coisa ainda pode mudar.
De concreto, por ora, só o fato de que, com essas idas e vindas, o PT está se esforçando para aumentar o cacife do Congresso e dar a Arthur Lira cada vez mais poder nessa negociação.