Disputas entre aliados e opositores do presidente Lula (PT) aprofundaram impasses segundo o colunista Bernardo Mello, do O Globo, sobre a retomada de obras e privatizações que envolvem o governo federal. Em estados como Minas Gerais, Pernambuco e Paraná, governadores que não integram a base de apoio ao Planalto vêm travando quedas de braço com lideranças do PT para tirar projetos do papel. Em Mato Grosso, um embate sobre o VLT de Cuiabá envolvendo a prefeitura e o governo estadual ganhou novo capítulo após a entrada da Advocacia-Geral da União (AGU) nas discussões.
Em Minas, a repactuação do acordo de Mariana com as mineradoras Samarco, Vale e BHP, considerada uma das prioridades do governador Romeu Zema (Novo), aguarda uma definição sobre a entrada da Bahia como nova parte a ser indenizada. Inicialmente, a negociação mirava um valor na casa de R$ 60 bilhões repartido entre os governos de Minas e do Espírito Santo, e também para indenizar famílias atingidas pelo rompimento da barragem.
Acordo estendido
Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Zema tem mantido relação tortuosa com o Planalto e reclamou publicamente, na semana passada, da demora no acordo. Já o governo da Bahia, sob gestão do petista Jerônimo Rodrigues, passou a se movimentar para ser contemplado na gestão de Lula sob o argumento de que os rejeitos chegaram ao Arquipélago de Abrolhos, região com apelo turístico. Jerônimo é aliado do ministro da Casa Civil, Rui Costa, cuja pasta intermediará as negociações. O estado deve apresentar, até o fim do mês, um pedido formal com as bases do pleito.
— Estamos analisando o impacto ambiental, com base em estudos científicos sobre a chegada dos rejeitos a Abrolhos, e também os danos causados à imagem do estado por conta disso — afirmou o secretário estadual de Casa Civil da Bahia, Afonso Florence (PT).
Retomada de obras no governo Lula é marcada por quebra de braço entre aliados e opositores — Foto: Arte/O Globo
Outro pleito do governo Zema, por enquanto sem solução, é a privatização do metrô de Belo Horizonte por parte do governo federal. O leilão de concessão ocorreu em dezembro, ainda na gestão Bolsonaro, após um apelo de Zema ao vice-presidente Geraldo Alckmin para que o novo governo não travasse o projeto. Em meio a pressões de parlamentares do PT, no entanto, a assinatura do contrato, prevista para o início de março, foi adiada.
Na região Nordeste, há outro embate envolvendo governadores aliados de Lula, no Ceará e no Piauí, e de oposição, por conta da retomada das obras da ferrovia Transnordestina. Desfavorecida na queda de braço, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), cujo estado corre risco de ficar fora do traçado, buscou apoio da bancada do PT. Ex-prefeito do Recife, o deputado João Paulo (PT) passou a encabeçar a articulação estadual com o objetivo, segundo ele, de “encontrar meios técnicos, políticos e econômicos que possam viabilizar” o trecho pernambucano da ferrovia.
Também aliado de Lula, o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), envolveu o Planalto em seu imbróglio com o governador Mauro Mendes (União) sobre o VLT em Mato Grosso. Projetado para a Copa do Mundo de 2014, com financiamento de R$ 1,1 bilhão da Caixa e do BNDES, o modal teve as obras paralisadas em meio a denúncias de corrupção e segue sem conclusão.
Em 2021, Mendes, aliado de Bolsonaro, aprovou na Assembleia Legislativa a substituição por um corredor de ônibus BRT, mas a prefeitura e o Tribunal de Contas da União (TCU) ficaram contra a reviravolta, e o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em dezembro, uma decisão monocrática do ministro Dias Toffoli favoreceu o governo estadual, que iniciou a retirada dos trilhos.
Na semana passada, porém, a AGU entrou com recurso pedindo que o TCU retome a análise sobre a substituição do VLT, argumentando que é um “empreendimento conjunto que conta com a intensa e ativa participação” do governo federal. O movimento ocorreu dias após uma visita de Pinheiro a Lula, na qual, segundo interlocutores, o presidente se comprometeu a pedir que a AGU analisasse o caso.
— Procuramos mostrar ao presidente que a troca de modal ocorreu de forma repentina e sem razoável motivo econômico — afirmou o deputado federal Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), filho do prefeito de Cuiabá.
Preço do pedágio
No Paraná, o governador Ratinho Jr. (PSD) entrou em um embate com lideranças do PT, incluindo a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, por divergências na concessão de pedágios para rodovias estaduais e federais. Ratinho defende um modelo com maior aporte financeiro, negociado ainda no governo Bolsonaro, e avalia que o formato com ênfase na menor tarifa, defendido pelo PT, não prevê recursos necessários para obras.
Gleisi rebateu o governador após uma reunião com o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB). Na ocasião, a presidente do PT disse que haverá “mudanças no modelo de concessão para assegurar tarifa menor”. A pressão desagradou a aliados de Ratinho, que atribuem a Gleisi o adiamento de uma viagem de Renan ao estado, prevista para março, na qual bateria o martelo sobre o formato da concessão.
— O Paraná inteiro participou das discussões sobre o pedágio e foi construído um bom modelo. O governador se mostrou aberto ao diálogo, tanto que esteve por mais de uma vez com o ministro Renan Filho. Temos todo o interesse de uma decisão célere — afirmou o líder do governo Ratinho na Assembleia Legislativa, Hussein Bakri (PSD-PR).