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segunda-feira 16 de maio de 2022 às 08:05h

Disputa de cerca de 40 anos por pinheiros pode custar R$ 1 bi à União

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Centenas de milhares de pinheiros de acordo com Eduardo Militão, do UOL, que estavam numa área equivalente a quase metade da ilha onde fica Florianópolis são o centro de uma batalha judicial que já dura cerca de 40 anos entre a União e duas famílias de Santa Catarina. O resultado dessa briga pode vir a custar até R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Uma nova sessão de julgamento está prevista para esta semana.

De um lado estão as famílias Bornhausen e Dalcanale, que dizem ter comprado do governo federal, em 1951, 300 mil araucárias na Serra do Espigão (SC), mas recebido apenas um terço do total. De outro, a União, que alega que o valor da indenização exigida é desproporcional e não corresponde à realidade.

A negociação dos pinheiros foi iniciada por Alberto Dalcanale, empresário do ramo imobiliário que comercializava terras e colonizava áreas rurais no Paraná e em Santa Catarina, em 1949 — quando o edital para a compra foi aberto.

Já falecido, Dalcanale era pai de Maria Ivete Dalcanale, que se casou em 1954 com Paulo Konder Bornhausen, irmão do ex-senador Jorge Bornhausen (ex-PFL) e filho do governador de Santa Catarina à época, Irineu Bornhausen. O casal encabeça o grupo de ao menos dez herdeiros que entrou na Justiça Federal do Paraná contra a União em 1983 — o ex-senador não faz parte da ação.

Como a União virou dona dos pinheiros

As árvores em disputa estavam em um terreno antes pertencente à Southern Brazil Lumber and Colonization Company, madeireira subsidiária da Brazil Railway Company, que controlava quase metade das ferrovias brasileiras. Em 1917, a Brazil Railway Company entrou em concordata. E, em 1940, a Lumber foi estatizada no governo de Getúlio Vargas, segundo estudo do historiador Alexandre Tomporoski, da Universidade do Contestado.

Nove anos depois, os pinheiros numa área de 38.720 hectares — maior que a metade da Ilha de Santa Catarina, onde se situa Florianópolis (SC) — foram colocados à venda pelo governo federal, e a empresa argentina Compañia de Maderas del Alto Paraná S/A venceu a licitação. Na época, o empresário Alberto Dalcanale era sócio da companhia.

São seus herdeiros que buscam a reparação atualmente no STJ (Superior Tribunal de Justiça), em Brasília.

Julgamento no STJ

No último dia 16 de março, a Corte Especial começou a julgar um recurso do Ministério Público e da União contra as famílias. A ministra Maria Thereza Assis Moura pediu vista. A corte especial do tribunal deve retomar o julgamento na próxima quarta-feira (18).

A discussão é técnica. O objetivo é saber se o governo tem direito a mais um recurso no processo, já que as famílias têm vencido a maioria das disputas desde 1983.

Advogado das famílias, Artur Pereira Alves Júnior afirmou ao UOL que o governo tem que pagar pelos pinheiros com base no valor de madeiras de primeira qualidade e, ainda, por terem sido árvores nativas, e não de reflorestamento, que têm porte menor.

“Estamos falando de madeiras de lei, de primeira categoria”, disse. Segundo ele, quanto mais o processo demora, mais caro fica o volume da indenização.

Daqui a pouco estamos beirando um século de discussão desse processo”Artur Pereira Júnior, advogado dos Dalcanale e Bornhausen

Pinheiros, imbuias e cedros

Apesar de majoritariamente a ação judicial envolver pinheiros, havia também cedros e imbuias entre as árvores colocadas à venda pelo governo na Serra do Espigão, na região de Curitibanos e Canoinhas, no oeste catarinense.

O leilão, lançado em 1949 pela então Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional (SEIPN), previa ainda a venda de maquinário e terras no Paraná, em São Paulo e em Santa Catarina.

O edital dizia que a empresa tinha “a opção de compra” das árvores. “A Lumber adquiriu na Serra do Espigão cerca de 150 mil pinheiros adultos e tem opção de compra, em áreas legitimadas ou a serem legitimadas a terceiros, cerca de 300 mil pinheiros adultos”, afirmava o edital de 1949, transcrito e analisado pelo perito judicial da UFPR (Universidade Federal do Paraná), engenheiro florestal e professor Nelson Nakajima.

A empresa Maderas venceu a licitação, e a proposta de compra foi aceita pelo governo em setembro de 1950, de acordo com relatório da AGU (Advocacia-Geral da União). Antes de assinar o contrato, a SEIPN mandou uma comissão inspecionar o local para verificar se havia pinheiros na Serra do Espigão.

Em março de 1951, a comissão disse que havia 203 mil pinheiros na região “marcados e pagos” pela Lumber. Outras 137 mil árvores estavam marcadas, mas não tinham sido pagas — por estarem demarcadas, mas ainda sem títulos, ou por serem de conjunto de pinheiros sem informações detalhadas, segundo a AGU.

Ou seja, deveria haver mais de 340 mil exemplares no terreno da Serra do Espigão — um relatório que faz parte do processo no STJ diz que o acesso ao local era considerado “dificílimo”.

Compra custou 24 milhões de cruzeiros

Em dezembro de 1951, o contrato entre o governo federal e a Maderas foi assinado, no Rio de Janeiro. Nele estavam previstas a entrega de 300 mil árvores — cada uma ao custo de 80 cruzeiros, a moeda da época.

No total, seria um negócio de 24 milhões de cruzeiros. Em valores corrigidos pela inflação, os 24 milhões de cruzeiros representam, hoje, R$ 11 milhões ou R$ 41 milhões, de acordo, respectivamente, com o IPC, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), e o IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas — dois índices de correção que existiam à época, O pagamento deveria ser feito à vista, segundo o perito Nakajima.

De acordo com a AGU, o pagamento demorou para ser feito pelas famílias. A primeira parcela deveria ser quitada em janeiro de 1953, mas só começou a ser paga no final de 1955, e seguia em débito no ano seguinte. Mas, segundo o advogado Artur Pereira, os 24 milhões de cruzeiros foram integralmente pagos, e isso não é mais discutido na Justiça.

As árvores deveriam ter sido entregues em 1952. Mas ficaram faltando 200 mil para serem recebidas pela Maderas, segundo os advogados das famílias. A empresa fechou as portas, e o sócio Alberto Dalcanale ficou responsável por receber as plantas ou o dinheiro.

Conta que não fecha

O advogado Artur Pereira, que atua pelas famílias no caso, afirmou ao UOL que foram feitos vários aditivos ao contrato, já que a entrega das árvores demorava. Mas, segundo ele, mesmo assim, o governo nunca entregou completamente as 300 mil plantas.

Em abril de 1961, um relatório da SEIPN indicava que a Cia Maderas havia recebido 80 mil árvores — mas a empresa dizia que só havia conseguido 43 mil pinheiros, o que levou o empresário à Justiça Federal do Rio de Janeiro pela primeira vez, em 1973, cobrando os 57 mil pinheiros faltantes. Segundo as famílias informaram ao STJ, a Justiça deu a elas ganho de causa. Artur Pereira disse que os valores já foram pagos.

Dez anos depois, os herdeiros do empresário foram à 4ª Vara Federal de Curitiba cobrar mais 200 mil pinheiros. Uma primeira perícia foi feita em 1985, dizendo que cada planta valeria 680 mil cruzeiros. Inicialmente, a família ganhou o direito a receber 136 bilhões de cruzeiros pelos pinheiros. Mas houve vários recursos da União, inclusive ao STF (Supremo Tribunal Federal), em forma de outras ações judiciais.

Desembargador cita “erro grosseiro”

Um dos muitos recursos do processo foi julgado em Porto Alegre, em 2012. O relator era o desembargador João Pedro Gebran Neto, que anos depois ficaria conhecido por relatar processos da Operação Lava Jato, como o que decretou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No processo dos pinheiros, o desembargador criticou os cálculos da indenização.

Uma das perícias, feita em 2002, considerava que deveriam ser pagos R$ 300 milhões aos herdeiros de Dalcanale, o que resultaria, hoje, em mais de R$ 1 bilhão pelas árvores. Para Gebran, tratava-se de “erro grosseiro” feito pela primeira perícia, nos anos 1980.

É incontestável, assim, o erro grosseiro cometido pelo perito do Juízo, sendo de rigor que nova indenização seja apurada”João Pedro Gebran, desembargador

Nas contas do magistrado, os pinheiros custavam 11,2 bilhões de cruzeiros em 1951. O setor de cálculos do tribunal apurou que isso significaria R$ 20 milhões em 2012, atualizando pela inflação. O UOL verificou que isso significaria R$ 35,7 milhões atualmente — valor bem inferior ao total de R$ 1,019 bilhão que consta no processo do STJ hoje em dia.

Valor de venda da madeira

Em 2016, uma nova perícia foi realizada pelo engenheiro florestal e professor especialista em áreas de mata nativa da UFPR Nelson Nakajima. Para ele, se tratou da venda de madeiras de floresta nativa, e não de reflorestamento, portanto muito mais valiosas.

Nos cálculos de Nakajima, as árvores valiam R$ 60,3 milhões à época, mas seria necessário calcular o quanto as famílias deixaram de ganhar de dinheiro com a venda da madeira para serrarias. Por isso, o valor dos pinheiros, incluindo esse fator, deveria ser calculado em R$ 176 milhões — conta que ele fez escorando-se em estudo de especialistas realizado em 2015.

“O método mais utilizado para avaliação de uma floresta em pé, em crescimento, é aquele baseado no valor potencial da floresta, que é obtido com base em um fluxo de caixa descontado, no qual são considerados como desembolsos todos os valores futuros a serem despendidos com a manutenção florestal e o custo de uso da terra”, escreveu Nakajima no laudo.

A AGU informou que “se manifestará nos autos” do processo. Na ação, o órgão já defendeu que fossem pagos apenas os valores das árvores e não os possíveis lucros com a venda da madeira. “Não há direito aos lucros cessantes”, afirmou a advogada da União Daniele Coutinho Talamini em junho de 2017.

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