domingo 22 de dezembro de 2024
Na parte cognitiva, são avaliados os processos de atenção do candidato, além da identificação do nível intelectual da pessoa. Também é avaliado o chamado "controle inibitório", que tem a ver com sistema que regula os impulsos da pessoa e que é prejudicado, por exemplo, em indivíduos com transtorno de déficit de atenção. iStockphoto/Getty Images
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quarta-feira 3 de julho de 2024 às 12:03h

Discurso pró-armas aumenta no Congresso Nacional

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Análise do Instituto Fogo Cruzado mostra que parlamentares que pregam armamento da população dominam o debate na área de segurança pública. A mobilização a favor do uso de armas de fogo pelos brasileiros segue ativa no Congresso Nacional. No primeiro ano do atual governo de Lula da Silva (PT), o número de discursos pró-armamento superou em três vezes aqueles favoráveis ao controle do porte. Dos 50 parlamentares que usaram a tribuna para discursar sobre o tema, 36 pregavam a liberação de armas.

O levantamento faz parte de um relatório produzido pelo Instituto Fogo Cruzado, organização baseada no Rio de Janeiro que monitora o cenário da violência armada no país. O grupo passou um pente fino nas falas de parlamentares que atuaram entre 1951 e 2023.

“Parece haver do campo pró-controle uma tendência de acreditar que a pauta está pacificada. Mas ela está em ampla disputa. O campo pró-armamento tem um objetivo claro, uma agenda específica, que é derrubar os decretos editados pelo governo Lula”, analisa a socióloga Íris Rosa, uma das pesquisadoras responsáveis pelo levantamento.

Quando Lula assumiu seu terceiro mandato, em 2023, ele revogou vários decretos assinados por Jair Bolsonaro nessa área de segurança pública. O ex-presidente havia flexibilizado normas para facilitar e ampliar o acesso da população a armas e munições.

O Congresso parecia assistir às mudanças de forma passiva. Como a maior parte das decisões aconteceu via decreto presidencial, sem participação do Legislativo, o Instituto Fogo Cruzado decidiu investigar o posicionamento dos parlamentares. E a pauta deve ter destaque nos próximos meses, já que se trata de ano de eleição.

“Muitos setores acreditavam que os decretos editados pelo governo Lula no seu primeiro ano deste mandato seriam o suficiente para esfriar o debate. Mas, analisando os discursos proferidos em 2023, está longe de isso acontecer”, afirma Rosa.

O desenrolar do discurso

O levantamento analisou o banco de dados da Câmara dos Deputados e do Senado desde 1951, ano em que foi identificado o primeiro discurso que abordava o armamento civil. A surpresa dos pesquisadores foi o ponto de virada observado a partir de 2015: mesmo antes de Bolsonaro assumir a presidência, o Congresso virava palco de defesa das armas.

Os parlamentares com mandato ativo naquela 55° legislatura foram eleitos em 2014. Naquele ano, Jair Bolsonaro renovou sua posição na Câmara como o deputado mais votado do Rio de Janeiro e um de seus filhos, Eduardo Bolsonaro, elegeu-se pela primeira vez como deputado federal por São Paulo.

“Pela primeira vez foram contabilizados mais discursos favoráveis à ampliação do acesso às armas do que pelo seu controle. Nesse período, foram identificados 272 discursos sobre o tema proferidos por 83 autores diferentes”, mostra o estudo.

Os que mais defenderam uso de armamento naquele período, aponta o levantamento, foram os deputados Edson Moreira (PR-MG), Alberto Fraga (atual PL-DF), Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), Misael Varella (atual PSD-MG) e Onyx Lorenzoni (atual PL-RS).

Depois que Bolsonaro assumiu o Executivo e a pauta de flexibilizar as normas via decretos, a menção ao assunto no Congresso caiu. Entre 2019 e 2022 foram registrados 173 discursos referentes ao tema feitos por 120 parlamentares – 68 do campo pró-armamento, com destaque para Bibo Nunes (PL-RS) e Heitor Freire (UNIÃO-CE).

Na atual configuração do Congresso, os parlamentares com mais falas armamentistas em 2023 foram Marcos Pollon (PL-MS), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Alberto Fraga (PL-DF), Coronel Fernanda (PL-MT) e Cabo Gilberto Silva (PL-RS). Na via contrária, Erika Kokay (PT-DF), Chico Alencar (PSOL-RJ) e José Medeiros (PL-MT) foram os que se manifestaram contra flexibilizações.

Em seu primeiro mandato, Pollon chegou ao Congresso como fundador do Proarmas. Segundo descrição do próprio grupo, o objetivo é “fortalecer a compreensão sobre os direitos individuais e as implicações legais do controle de armas” por meio de produção de conteúdo sobre questões políticas, filosóficas e jurídicas. Pollon é advogado e professor de Direito e foi o deputado mais votado do Mato Grosso do Sul na última eleição.

Como os parlamentares defendem as armas

Na tribuna, os parlamentares recorrem quase sempre aos mesmos tópicos para defender o uso de armas de fogo: medo da violência, direito à defesa e proteção, divisão da sociedade entre “cidadão de bem” e bandidos.

A estratégia é bem-organizada, avaliam os pesquisadores do Instituto Fogo Cruzado, e tem funcionado. Normalmente são usados termos como “defesa da família”, “defesa da propriedade”, “descontrole da segurança pública”, que costumam capturar a atenção dos brasileiros.

“Eles apresentam uma proposta que parece racional, que parece segura. Mas e os perigos da arma de fogo em circulação? Mais de 70% dos homicídios cometidos no Brasil são perpetrados com arma de fogo”, argumenta Rosa, citando casos de morte por tiro acidental, de crianças que encontram armas em casa, discussão de trânsito e feminicídio.

Para a pesquisadora, o estudo aponta uma necessidade de maior articulação política em torno do tema. “Segurança pública é um dever do Estado. A gente não tem que passar para o cidadão a responsabilidade de defender a sua própria vida e os seus bens. Colocar uma arma em cada um dos lares brasileiros e acreditar que isso vai tornar a nossa sociedade mais segura é, no mínimo, ingênuo e falacioso”, pontua.

Os impactos da flexibilização

Segundo o monitoramento do Instituto Sou da Paz, fundado há 25 anos, a flexibilização do porte de armas vista nos anos de Bolsonaro teve um efeito nocivo. Em 2018, havia cerca de 1,2 milhão de armas registradas nas mãos de civis. Ao fim de 2022, com o término do mandato, eram quase 3 milhões.

“É um cenário grave. Vimos que isso foi uma nova fonte de armas para o crime organizado. Vimos muitos casos de pessoas que se registram como CACs [colecionadores de armas, atiradores profissionais e caçadores] para abastecer o crime organizado”, comenta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz.

Além de aumentar a possibilidade de desvio para os grupos criminosos, a maior circulação de armas se refletiu no aumento da violência. Uma pesquisa do instituto apontou que a cada duas mulheres assassinadas nos últimos dez anos, uma morreu por arma de fogo.

Diante da maior oferta de armas vista a partir de 2019, o Fórum Brasileira de Segurança Pública investigou detalhadamente como isso se refletiu na violência. As estatísticas mostraram que a cada 1% a mais na difusão de armas, há aumento de 1,1% na taxa de homicídio. No caso dos latrocínios, roubo seguido de morte, a proporção foi maior: a cada 1% no aumento de armas, a taxa aumenta 1,2%.

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