O crescimento da extrema direita nas eleições de Portugal aponta para uma acentuação da instabilidade no governo português, avaliam especialistas consultados por Ana Paula Bimbati, do Uol.
O que aconteceu
Coligação de direita conquista mais votos mas não a maioria. A AD (Aliança Democrática), coligação composta pelo PSD (Partido Social Democrata) e dois partidos menores, venceu as eleições, mas ainda não tem a maioria do Congresso. Das 230 cadeiras no Parlamento, 79 ficaram com o grupo ligado à direita. O PS (Partido Socialista), da esquerda, ficou com 77 assentos.
Já o Chega, partido da extrema direita, quadruplicou o número de cadeiras e ficou com 48. Outras 22 vagas ficaram com partidos menores e quatro ainda serão decididas pelos eleitores migrantes — a expectativa é que esses lugares sejam ocupados pela Aliança Democrática.
Para ser declarada vencedora, a AD precisa fazer alianças com outros partidos e alcançar 116 cadeiras no Congresso. O PS já disse que será oposição ao governo, e o Chega é recusado pela Aliança Democrática, que disse ao longo da campanha que não se alinharia ao grupo.
Para que não seja convocada uma nova eleição, a coligação da direita tem dois caminhos. “Um deles é convidar o Chega para uma parceria e trair seus eleitores, tendo que se comprometer a promover uma agenda do Chega em seu governo”, afirma Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics e especialista em Europa.
A segunda opção é a AD assegurar que a oposição não some metade do Congresso. Nesse caso, Pavese explica que o Chega teria de “ficar em cima do muro e flertar com a Aliança Democrática quando necessário, sem entrar no governo”.
“Sem esses apoios, o governo de Portugal terá dificuldade”, afirma André Freire, professor de ciências políticas no Instituto Universitário de Lisboa. Isso porque o governo não conseguirá aprovar temas no legislativo.
A convocação de novas eleições só será descartada se o governo conseguir formar alianças e assim indicar o novo primeiro-ministro. O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, começa amanhã suas conversas com os partidos.
Freire afirma que o resultado das eleições apresenta também uma “mudança no formato partidário”. Ele explica que, se antes o Congresso estava dividido em dois polos, esquerda e direita, agora o grupo da extrema direita também ganha força.
O Chega surgiu em 2012 e é comandado pelo deputado André Ventura, que ganhou popularidade com uma pauta anti-imigração. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é um dos principais apoiadores do partido e gravou um vídeo convocando os brasileiros com dupla nacionalidade no país a votarem em Ventura.
Crescimento da extrema direita
A avaliação de especialistas é que o crescimento da extrema direita em Portugal se assemelha a outras eleições no mundo. “O Chega conseguiu se capitalizar em cima de uma crise econômica, social e política, com escândalos de corrupção. Ele ocupa esse vácuo de credibilidade da política”, afirma Pavese.
A falta de credibilidade ocorre em meio à renúncia do então primeiro-ministro socialista António Costa, em novembro do ano passado. Ele é investigado pela Procuradoria-Geral da República por interferências na concessão de projetos de lítio e hidrogênio verde — porém, depois da apuração, a imprensa local noticiou que a investigação pode tê-lo confundido com António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar. Esse cenário levou a eleição a ser antecipada para este ano.
O crescimento da extrema direita em Portugal também traz contrastes em relação ao mundo. O Chega apresenta uma agenda mais radical, que afasta partidos tradicionais da direita da costura de possíveis alianças. As legendas de centro evitam proximidade para não perder o eleitor mais conservador, por exemplo, avaliam os especialistas consultados pela reportagem.
Se antes existia uma predominância do debate entre a centro-esquerda e a centro-direita, o que mantinha o jogo político dentro do espectro da democracia, agora corremos o risco de ver o cenário político fugindo dessas práticas da democracia, com a ascensão dessa extrema direita.
Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics
O que dizem os envolvidos
Seremos totalmente irresponsáveis se não concretizarmos um governo. Temos uma maioria para construir, um Orçamento para aprovar, e isso só pode ser feito com o apoio do Chega.
André Ventura, deputado à frente do partido de extrema direita Chega
Assumi um compromisso e vou mantê-lo.
Luís Montenegro, líder da coalização da AD sobre não fazer aliança com o Chega
Temos um partido forte e unido, pronto para os combates que temos pela frente. O PS será oposição. Como dizia o nosso militante número um, só é derrotado quem desiste de lutar. Voltaremos a construir uma maioria que permita governar Portugal.
Pedro Nuno Santos, líder do Partido Socialista