Candidaturas de direita concentraram o financiamento privado nas eleições deste ano, especialmente no segundo turno, e ajudaram a provocar uma espécie de segregação no volume de doações entre diferentes estados no pleito. A informações são Cleiton Otavio, Letícia Padua e Felipe Bächtold, da Folha.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que os candidatos desse espectro político obtiveram 52,8% do total de doações privadas na campanha eleitoral (R$ 373,3 milhões), ante 30,3% dos partidos de centro (R$ 213,9 milhões) e 16,9% dos de esquerda (R$ 119,5 milhões)
No segundo turno, no qual houve disputa entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial, além de definição de governadores em 12 estados, a concentração na direita subiu para 89,2% das doações privadas. A esquerda ficou com apenas 3,3% desse tipo de financiamento nessa etapa do pleito.
Os dados se referem apenas a repasses diretos aos candidatos. Há um outro mecanismo de doação, minoritário neste ano, que é o pagamento para os diretórios dos partidos.
Os critérios para posicionar ideologicamente os partidos são de métrica desenvolvida pela Folha. Ela combina fatores como o perfil de votação dos deputados filiados na Câmara, a autodeclaração de congressistas e a participação em frentes parlamentares. Entre as legendas com representação no Congresso, o PSOL está mais à esquerda nessa régua e o Novo mais à direita. O PSD ocupa posição central.
As prestações de contas mostram que pessoas físicas repassaram diretamente a candidaturas no pleito deste ano R$ 808 milhões. Houve ainda R$ 106 milhões doados a diretórios partidários. Outros R$ 192 milhões são relativos a recursos que candidatos tiraram do próprio bolso.
No ranking das doações privadas diretas, o PL, do presidente Bolsonaro, obteve sozinho 22,9% do levantado no pleito —somando aí receitas de candidatos para todos os cargos em disputa. A sigla recebeu R$ 162 milhões ao longo da campanha.
Em um distante segundo lugar no ranking, está o Republicanos, que chegou a essa condição impulsionado pela forte mobilização de financiadores em prol de Tarcísio de Freitas, eleito governador de São Paulo em segundo turno pelo partido. A legenda arrecadou mais de R$ 48,5 milhões.
O PT obteve ao todo R$ 45,5 milhões, mas apenas R$ 9,6 milhões desse montante foram para a chapa do presidente eleito, Lula.
O presidenciável declarou receitas totais de R$ 134,7 milhões, cifra acima do teto estabelecido para candidaturas ao Planalto, de R$ 133,4 milhões. Dessa quantia, 93% foram bancadas pelo fundo eleitoral petista, formado por dinheiro público.
Bolsonaro teve proporção quase inversa. Suas receitas somaram R$ 112 milhões, sendo R$ 88,2 milhões arrecadados via doadores privados, principalmente no segundo turno do pleito.
O advogado, investidor e pastor evangélico Fabiano Campos Zettel foi o maior doador individual do atual presidente, com R$ 3 milhões, e de Tarcísio, com R$ 2 milhões.
De maneira geral, é possível observar uma mudança no perfil das doações privadas que havia na era pré-Operação Lava Jato, quando grandes empresas, como bancos e empreiteiras, costumavam financiar campanhas rivais como forma de manter boas relações com quem quer que fosse o vencedor.
Agora, a tendência é de um financiamento mais centrado na proximidade do doador com a candidatura ou com seu posicionamento ideológico.
Os repasses de empresas foram proibidos pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, em meio aos efeitos políticos da Lava Jato, cujas investigações mostraram o pagamento de propina por construtoras por meio de doações legais naquela época. Desde então, o financiamento privado de campanha é autorizado apenas por meio de repasses de pessoas físicas.
Como alternativa de financiamento eleitoral, o Congresso instituiu a partir do pleito de 2018 um fundo de verba pública distribuída aos partidos. O volume destinado às agremiações políticas saltou de R$ 2,2 bilhões (em valores já corrigidos pela inflação) quatro anos atrás para R$ 4,9 bilhões no atual pleito.
Dados tabulados pela reportagem mostram que políticos de determinados estados do país têm uma dependência muito maior do financiamento estatal em relação a algumas regiões mais ricas.
Estados com força no agronegócio, setor que tem se engajado cada vez mais politicamente, despontaram no ranking de financiamento privado mesmo não tendo os maiores colégios eleitorais.
Exemplo disso são Goiás e Mato Grosso, que ficaram respectivamente em 5º e 6º lugares entre os estados com maior volume de doações na campanha no primeiro turno. A eleição para o governo foi definida já na primeira votação nos dois estados. Mato Grosso tem o 18º maior eleitorado do Brasil.
Já a Bahia, o quarto com mais eleitores no país, está apenas em 11º lugar em volume de doações privadas. O único estado nordestino entre os dez primeiros na lista foi o Ceará.
Essas circunstâncias geraram situações inusitadas, como candidatos a governador de pouca expressão superando a arrecadação privada do presidente eleito da República.
Lula quase foi ultrapassado em doações particulares no segundo turno pelo candidato Capitão Contar, do nanico PRTB de Mato Grosso do Sul. O petista ficou atrás até de um candidato de Rondônia, o senador bolsonarista Marcos Rogério, do PL.