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Encontro ocorreu durante cúpula Rússia-África - Foto: ALEXEY DANICHEV/SPUTNIK/KREMLIN POOL/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK
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quinta-feira 27 de julho de 2023 às 09:30h

Dilma encontra Putin: os interesses da Rússia no Brics para tentar ‘driblar’ sanções após invasão da Ucrânia

MUNDO, NOTÍCIAS


A ex-presidente brasileira e atual chefe do New Development Bank (NDB) – conhecido como “Banco do Brics” -, Dilma Rousseff, se reuniu nesta última quarta-feira (26) com o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Dilma acompanha as atividades da Cúpula Rússia-África, um fórum econômico que reúne diversos líderes mundiais em São Petersburgo, e aproveitou para marcar reuniões bilaterais com Putin e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa.

Segundo sua equipe, o objetivo dos encontros é discutir a próxima Cúpula do Brics, marcada para 22 a 24 de agosto em Joanesburgo, e temas como a expansão de membros do NDB.

Instituída para ser uma alternativa às fontes tradicionais de financiamento, a organização inclui os membros do grupo (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), além de Bangladesh, Egito e Emirados Árabes Unidos.

Em nota, Dilma negou que um dos tópicos discutidos no encontro com Putin seja a concessão de empréstimos a Moscou pelo NDB.

Mas afinal, qual o interesse atual da Rússia com o banco e o próprio Brics?

Segundo analistas consultados pela BBC News Brasil, o principal laço que une o Kremlin aos demais membros é econômico: isolados desde a invasão da Ucrânia, o governo russo tem contado com China e Índia para mitigar os efeitos das fortes sanções econômicas impostas pela Europa Ocidental e pelos Estados Unidos.

Além disso, Putin vê no Brics uma boa oportunidade para tentar difundir sua narrativa sobre o atual conflito e encontrar novos parceiros.

“Considerando a atual situação volátil da Rússia, que está isolada e precisa de aliados, os (países do) Brics se tornam mais importantes”, diz Junuguru Srinivas, professor da Universidade Woxsen, na Índia, e estudioso do tema.

Driblar as sanções

Segundo Srinivas, como a Rússia está impossibilitada de receber ajuda direta devido às sanções e pressão da comunidade internacional, precisa de parceiros dispostos a fazer negócios.

“A única fonte de recursos financeiros da Rússia hoje é a venda de energia. E quais países são hoje extremamente dependentes da energia russa? China e Índia”, diz.

Moscou teria oferecido descontos a Pequim em seus preços de petróleo e gás, o que abriu aos russos um enorme mercado até então não explorado.

A Rússia também se voltou para a Índia: antes da invasão da Ucrânia, apenas 1% das suas exportações de petróleo eram destinadas ao país. Em maio de 2022, elas já correspondiam a 18%.

Em 19 de junho, em discurso virtual durante a abertura do fórum de negócios do Brics, Putin deixou claro que enviar seus produtos para os demais membros do grupo, especialmente os dois vizinhos asiáticos, é a estratégia da Rússia para driblar as sanções.

Enquanto vende derivados de petróleo a chineses e indianos, Putin citou a possibilidade de aumentar a presença de carros chineses no país e a abertura de lojas de uma rede indiana de supermercados.

“As entregas de petróleo russo para China e Índia estão aumentando. E a cooperação agrícola tem se desenvolvido dinamicamente”, disse Putin, o principal responsável pelas remessas de fertilizantes para os países do Brics.

Xi Jinping e Vladimir Putin

Xi Jinping e Vladimir Putin: China virou um destino importante do petróleo russo CRÉDITO,GETTY IMAGES

Além disso, junto aos demais membros do bloco, os russos têm avançado para diminuir sua dependência financeira de dólar e euro nas transações internacionais.

Em janeiro deste ano, as reservas internacionais da Rússia, em moeda estrangeira e ouro, chegaram a níveis recordes, valendo mais de US$ 630 bilhões.

Essa é a quarta maior reserva do mundo e poderia ser usada para ajudar a sustentar a moeda da Rússia, o rublo, por um tempo considerável.

Nos últimos anos, o governo tem reduzido consideravelmente a porcentagem de divisas mantidas em dólares, justamente para proteger a Rússia de sanções ao máximo possível.

Segundo Cristian Nitoiu, professor da Universidade Loughborough Londres, esse é um ponto de convergência entre Moscou e os demais membros do Brics.

O grupo tem debatido alternativas à dependência do dólar e, em maio deste ano, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva disse “sonhar” com uma moeda comum para o bloco.

“Os países do Brics têm sido bastante transparentes sobre sua intenção de abandonar o dólar”, diz Nitoiu. “Há dois ou três anos, a moeda ainda era usada em transações entre Rússia e Índia e até Rússia e China. Isso não acontece mais, obviamente.”

Especialistas, porém, não acreditam que o grupo de países conseguirá abandonar a moeda americana tão cedo.

“Os cinco países têm muito possivelmente visões diferentes sobre como esse objetivo pode ser alcançado, assim como interesses diferentes com isso, o que pode dificultar”, diz Cristian Nitoiu.

Difusão de uma narrativa

Os analistas consultados pela reportagem afirmam acreditar também que a relação russa com os demais países do Brics é vista como mais uma oportunidade para o Kremlin projetar sua política externa e disseminar sua própria visão de mundo.

“A Rússia está isolada e esses países são ativos importantes para as relações internacionais nesse momento”, diz Junuguru Srinivas.

Chefes de Estado dos países dos Brics em encontro em 2019

Chefes de Estado dos países dos Brics em encontro em 2019: o brasileiro Jair Bolsonaro é o único que não continua no cargo CRÉDITO,GETTY IMAGES

Desde o início da guerra na Ucrânia, Pequim é vista como o principal parceiro de Moscou.

Para além da aliança econômica, o governo chinês aposta em um discurso de amizade e troca de elogios com os russos, ao mesmo tempo em que reforça seu apoio à paz e à defesa da soberania.

A Índia também vem se abstendo em fóruns internacionais durante discussões de propostas de condenação à Rússia.

Já Brasil e África do Sul adotam uma postura mais neutra, com declarações do presidente Lula que provocaram fortes reações negativas por parte de Estados Unidos e União Europeia.

“Enquanto China e Índia são apontados como aliados mais ativos, Brasil e África do Sul são neutros. Mas de toda maneira, nenhum deles faz parte do grupo que condena vocalmente a atuação russa, o que já é uma abertura”, explica Srinivas.

Tanto que Vladimir Putin cogitava comparecer presencialmente à cúpula de Joanesburgo no final de agosto, mas confirmou que participará apenas virtualmente para evitar conflitos envolvendo o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Em março, o TPI emitiu um mandado de prisão contra Putin, acusando-o do crime de guerra em casos de deportação de crianças da Ucrânia. E como membro da corte, a África do Sul teoricamente teria que cumprir a ordem de detenção.

Por isso, apenas o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, deve comparecer presencialmente como representante do país.

“A Rússia conta mais com Índia e China para o apoio econômico, mas Brasil e África do Sul também são importantes, até porque eles poderiam servir como porta-vozes da narrativa do Kremlin em seus respectivos continentes”, diz Cristian Nitoiu.

“É uma forma de reunir legitimidade.”

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