O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aperta o passo para definir, até o mês que vem, um conjunto de regras sobre o uso da inteligência artificial (IA) que possam valer nas eleições municipais deste ano. A minuta de resolução – debatida pela Corte em audiência pública em janeiro – ataca principalmente a produção de conteúdo audiovisual manipulado e inverídico. Mas o debate de repercussão nacional também lança luz sobre uso da IA como ferramenta de marketing político e sua capacidade de criar, quase sem auxílio humano, peças de campanha como slogans, jingles, propagandas e até mesmo planos de governo. Produtos que são difíceis de distinguir por quem foi feito: homem ou máquina?
Recursos de IA como o ChatGPT – que produz textos a partir de comandos – dão uma pequena mostra de como pode ser fácil criar conteúdos para campanhas políticas com mínima intervenção humana. Em teste feito na versão gratuita do programa, por exemplo, a reportagem de Clarisse Souza, do jornal O Tempo, conseguiu produzir, em poucos segundos, peças como planos de governo, roteiros de propaganda eleitoral gratuita e até jingles para alguns dos possíveis pré-candidatos à Prefeitura de Belo Horizonte. Para isso, foi necessário informar poucos detalhes, como nome, histórico político e pautas defendidas nos últimos meses pelo possível postulante ao cargo.
Embora defenda que a IA não é capaz de substituir o trabalho do profissional de marketing nas eleições, o publicitário Acácio Veras admite que será cada vez mais desafiador discernir o que foi produzido pela criatividade humana ou por máquinas. “É até certa inocência acreditar que há possibilidade de prever o que de fato é feito por humanos ou por IA. Essa será uma missão inglória e difícil de ser feita”, opina o marqueteiro.
Diretor de uma agência de marketing eleitoral que usa IA para elaborar estratégias de campanha, Antonio Carlos Paes Barbosa lembra ainda que a IA consegue até mesmo “se passar” por um candidato ao interagir e responder aos eleitores de forma automatizada nas redes socias. “Hoje, infelizmente, você pode até criar uma persona (personagem fictício) e ela conversa com pessoas”, explica.
Apesar da facilidade de uso, porém, ferramentas como o ChatGPT têm limitações. Durante as simulações feitas pela reportagem, por exemplo, o programa produziu conteúdos genéricos que poderiam compor as propostas de qualquer outro município. Além disso, a base de dados não tem informações posteriores ao ano de 2022.
Para o pesquisador Frederico Oliveira, do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (Ceia) da Universidade Federal de Goiás (UFG), se ignoradas, essas falhas podem colocar em maus lençóis principalmente candidatos que, eventualmente, tentem se arriscar a produzir material de campanha com IA devido às limitações financeiras para contratar uma equipe de marketing. “É um risco muito grande. Essas ferramentas têm um problema que chamamos de ‘alucinação’, ou seja, quando elas não sabem algo elas podem inventar, mas muita gente não está ciente disso”, explica o pesquisador.
O marqueteiro Acácio Veras defende que a inteligência artificial já é elemento indispensável para o desenvolvimento de campanhas, mas ressalta que seu uso vai muito além da criação de ‘receitas prontas’ para candidatos. Segundo ele, a capacidade de ‘minerar dados’ e de mapear interesses dos eleitores a partir da navegação dos usuários de redes sociais, por exemplo, tem muito mais valor do ponto de vista estratégico. “A IA capta com muito mais facilidade e instantaneidade as temperaturas do ambiente político para te ajudar na tomada de decisão”, analisa.