Candidatos a senador, deputado federal e estadual que saíram vencedores das urnas acumularam dívidas de campanha que totalizam R$ 10,4 milhões ao fim da eleição deste ano — pleito que consumiu o maior volume de recursos públicos da história. O Fundo Eleitoral garantiu R$ 4,9 bilhões para serem distribuídos entres os partidos do país. O buraco foi aberto por políticos que gastaram mais do que arrecadaram por meio de doações de pessoas físicas e recursos repassados pelas siglas às quais são filiados. O jornal O Globo informa que identificou 80 deputados federais, 64 deputados estaduais e cinco senadores eleitos que chegaram ao fim da corrida eleitoral no vermelho.
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Na grande maioria dos casos, essa conta é assumida pelo partido do candidato endividado. Para isso, entretanto, os credores precisam aceitar receber das siglas e não das campanhas para as quais prestaram o serviço ou venderam os seus produtos. A reportagem usou como fonte de informação as prestações de contas dos próprios candidatos à Justiça Eleitoral, a quem eles devem informar quanto e de quem receberam, assim como quanto e como gastaram. O levantamento não considerou as chamadas receitas estimadas, valores atribuídos a trabalhos voluntários e materiais de campanha fornecidos pelos partidos aos seus candidatos, como santinhos.
Alguns parlamentares recém-eleitos acumularam débitos acima de R$ 1 milhão. O deputado federal André Ferreira (PL-PE) gastou ao todo R$ 2,7 milhões, embora tenha arrecadado menos da metade disso, R$ 1,3 milhão. Ferreira não retornou os contatos feitos pelO Globo. Entre os senadores, a maior dívida está na conta da campanha do atual deputado federal Alan Rick (União-TO): R$ 416 mil. O parlamentar alega que não conseguiu honrar com todos os compromissos porque seu partido não lhe repassou os valores que havia prometido inicialmente.
— Eu tinha a expectativa de receber o teto da campanha de senador no Acre (R$ 3,1 milhões). Diante disso, agora solicitei o apoio do partido (para quitar a dívida) — afirmou Alan Rick. Outra senadora eleita, também vinda da Câmara, a deputada federal Professora Dorinha (União-TO) terminou a eleição com saldo devedor de R$ 219 mil. O buraco, segundo o advogado dela, foi causado justamente pelos gastos com os serviços jurídicos da campanha.
— Pode ocorrer essa situação. Nesse caso, com o credor aceitando, o órgão partidário estadual pede autorização ao órgão nacional para assumir essa dívida, e assim foi feito — afirmou Leandro Manzano.
Em Pernambuco, o candidato a deputado estadual com a maior diferença de caixa foi Cléber Silva, o Chaparral, do União Brasil. Ele teve uma receita de R$ 644 mil, mas contratou gastos de R$ 1,1 milhão. A conta de R$ 456 mil também deverá ser assumida pela sua legenda. Assim como outros políticos, ele justifica que esperava receber o teto previsto para a disputa da cadeira a que ele concorreu (R$ 1,2 milhão), mas a sigla não conseguiu entregar o que prometeu durante a campanha.
— Aí, as despesas foram sendo feitas com gráficas, eventos, exatamente como está lá na prestação de contas. Mas agora preparamos tudo, e o partido disse que vai solucionar — disse Cléber Silva.
Presidente do União Brasil em Pernambuco, Marcos Amaral, não quis comentar sobre a diferença entre o que teria sido prometido pela direção da sigla ao candidato. Segundo ele, todos os pedidos para que a legenda assuma dívidas de campanha são referendadas pelo jurídico e pelo compliance do União. O Globo procurou também o União Brasil no Acre, sobre a campanha de Alan Rick, mas não teve retorno.
Risco do político
De acordo com Antonio Ribeiro Júnior, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), caso a legenda não formalize um acordo para assumir as dívidas do seu filiado, as contas do candidato podem ser rejeitadas e, em último caso, o político corre o risco de ser condenado a devolver o dinheiro aos cofres públicos.
— Há uma diferença entre o partido prometer e, de fato, enviar o recurso. Além disso, mesmo que prometa e não honre, a legenda não é obrigada a assumir a dívida. Para todos os efeitos, a responsabilidade de pagar o que deve é do candidato, não do partido — explica.
Ribeiro Junior lembra ainda que, ao não quitar as despesas da campanha, o candidato assume o risco de o seu partido, eventualmente, não aceitar arcar com a dívida, embora esse não seja o cenário mais comum no Brasil. Ainda assim, independentemente de quem fará o desembolso, a legislação dá um prazo razoavelmente longo para a dívida ser sanada pelos partidos.
— O cronograma de pagamento e quitação não pode ultrapassar o prazo da eleição seguinte para o mesmo cargo, ou seja, quatro anos. É um tempo relativamente confortável (para quitar a dívida) — conclui.