Psiquiatras, que vivem de escarafunchar a mente humana, e jornalistas, que vivemos de escarafunchar a realidade, têm tido conforme este artigo de Merval Pereira, material de sobra nesses tempos estranhos que vivemos, onde a realidade quase nunca corresponde ao que os protagonistas dos acontecimentos falam ou prometem. O exemplo mais imediato é o do ex-presidente Michel Temer, que foi da glória ao fracasso em questão de dias, tudo por conta do que os gregos chamavam de húbris, conceito que define atitudes excessivas de confiança, que são punidas pelos deuses.
“Deus primeiro enlouquece aquele a quem quer destruir”. A frase, atribuída ao poeta grego Eurípedes, tem no episódio da mediação de Temer com o presidente Bolsonaro na crise com o Supremo Tribunal Federal (STF) exemplo evidente. Chamado pelo presidente Bolsonaro para ajudar a pacificar sua relação com o ministro Alexandre de Moraes, a quem indicou para uma cadeira no STF, Temer viu nessa aproximação um poderoso instrumento para relançar-se na vida política, quem sabe como uma terceira via na disputa presidencial.
As fotos divulgadas por sua assessoria, que o mostram orgulhosamente sentado sozinho em um avião vazio da FAB enviado especialmente para transportá-lo de São Paulo para Brasília já indicavam que a coisa poderia degringolar. Divulgada a carta de rendição de Bolsonaro, o ex-presidente Temer, em geral cauteloso, anunciou à imprensa que fora ele o autor do texto, e que Bolsonaro havia colocado ou tirado uma ou outra palavra.
Atitude inusitada, já que os ghost-writers de presidentes não revelam suas façanhas em público. A inconfidência proposital aumentou a humilhação de Bolsonaro, e inflou o ego do ex-presidente, que mais uma vez escorregou na casca de banana que ele mesmo jogou fora. Foi filmado à mesa da alta burguesia paulista, deliciando-se com imitações de vários políticos, o que não isenta de culpa a edição do vídeo, que selecionou apenas as risadas sobre a imitação de um Bolsonaro subserviente a seu salvador.
A ideia brilhante de compartilhar tanto as fotos no avião quanto a primeira versão do vídeo do jantar foi de Elsinho Mouco, marqueteiro pessoal do ex-presidente Michel Temer. O estrago já tinha sido feito quando os vídeos com outras imitações de políticos foram divulgados. Temer teve que se desdizer, garantindo que foi ele, não Bolsonaro, quem acrescentou poucas palavras a um texto previamente preparado pelo presidente.
Também teve que afirmar que o ministro Alexandre de Moraes “não recuou um milímetro” na conversa com Bolsonaro, o que não vale nada. O que vale são as medidas tomadas pelo ministro do STF, que até o momento tem mantido a mesma posição rígida em relação aos inquéritos que preside.
Outra atitude exemplar dessa mania nacional de dizer uma coisa e fazer outra vem do ministro do Supremo Ricardo Lewandowski. Na sua ânsia de defender o ex-presidente Lula, que o indicou, chegou a usar em um de seus votos os diálogos roubados dos celulares dos procuradores da Lava-Jato para embasar sua decisão.
Como não podia fazê-lo, já que o conteúdo, por ter sido conseguido por meios ilegais, não poderia ser utilizado, saiu-se com essa: “Pode ser [prova] ilícita, mas enfim, foi amplamente veiculada e não foi adequadamente, ao meu ver, contestada”. Com essa cândida resposta, Lewandowski mandou para o espaço o famoso princípio do Direito de que “o que não está nos autos, não está no mundo”.
A propósito, recebi uma mensagem da advogada Maria Francisca Accioly, que defende o ex-presidente da empreiteira OAS, afirmando que Léo Pinheiro “não se retratou do seu anexo e muito menos redigiu carta nesse sentido”, a propósito de comentário meu de que o empreiteiro havia desmentido a delação premiada que fizera contra o ex-presidente Lula. A correspondência, explica a advogada, “é um depoimento pessoal e sigiloso” com respostas sobre casos envolvendo a ex-presidente Dilma e o ex-ministro Paulo Bernardo. É equivocada, portanto, “a afirmação de que o meu cliente irá retificar seu testemunho em relação às afirmações que fez contra o ex-presidente Lula”. Como a questão está sob sigilo, só saberemos o que aconteceu se ele for quebrado. Por precaução, é melhor os petistas pararem de comemorar.