O ano de 2020 tem registrado enorme volume de posts e links sobre supostas fraudes nas urnas e manipulação eleitoral no Brasil, e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) teme que o caos atual do pleito nos Estados Unidos se repita na eleição brasileira de 2022.
Estudo recém-divulgado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (Fundação Getulio Vargas), com cooperação do TSE, mapeou e analisou segundo a Folha de S. Paulo, postagens que questionam a integridade do processo eleitoral desde 2014 no Facebook e no YouTube.
O recorde ocorreu no ano de 2018, com 32.586 posts e vídeos sobre desconfiança no sistema eleitoral. Em 2020, em apenas nove meses, foram 18.345, superando 2014, ano de eleição presidencial.
“Há uma altíssima probabilidade de que o cenário que estamos vendo na eleição americana, de tentativa generalizada de desacreditar o sistema eleitoral, vá se repetir no Brasil em 2022 se não nos prepararmos de forma adequada”, diz Thiago Rondon, coordenador digital de combate à desinformação no TSE.
O presidente dos EUA, Donald Trump, passou meses antes da eleição espalhando informações incorretas sobre a probabilidade de fraudes com os votos pelo correio, e atualmente está questionando os resultados que deram a vitória a Joe Biden.
Segundo Marco Ruediger, diretor da DAPP-FGV que coordena o estudo ao lado de Amaro Grassi, a disseminação de conteúdos que geram desconfiança na votação promove uma corrosão democrática que muitas vezes não é imediatamente perceptível.
“Isso vai plantando gradualmente um elemento de desconfiança nas instituições, e o resultado é o que vimos nos EUA”, diz Ruediger.
Segundo o estudo, os links com maior engajamento no período analisado foram “PF desmantela quadrilha que cobrava até R$ 5 milhões para fraudar urnas eletrônicas’, da Folha Centro Sul, com 102.458 interações, e “TSE entregou códigos de segurança das urnas eletrônicas para a Venezuela e negou acesso para auditores brasileiros”, do Jornal da Cidade Online.
No YouTube, os mais visualizados foram “TENSÃO NO STF: PERITOS DESMASCARAM URNAS ELETRÔNICAS”, do canal TopTube Famosos, e entrevista com Diego Aranha, que fala sobre falhas das urnas eletrônicas, no programa The Noite, de Danilo Gentili, no SBT.
Em 2020, tiveram alta circulação posts e vídeos sobre a denúncia do presidente Jair Bolsonaro por suposta fraude nas urnas do país, sobre um misterioso incêndio que destruiu urnas eletrônicas na Venezuela e peritos que “desmascaram” urnas.
A maior preocupação do TSE e de checadores é com a circulação de conteúdo no YouTube.
“Devido ao sucesso e ao alcance do YouTube no Brasil, ele corre o risco de ser protagonista pela desinformação do processo eleitoral, por isso é fundamental melhorar o produto para o combate à desinformação com organizações parceiras, disponibilizar uma política cívica da plataforma para as eleições deste ano no Brasil e oferecer transparência sobre as tomadas de decisão sobre desmonetização, redução de alcance e retirada de conteúdo”, diz Rondon.
As plataformas têm sido mais atuantes no combate a conteúdos que questionam a integridade eleitoral do que na eleição de 2018.
O Facebook criou um centro de operações para eleições, além de aumentar a transparência de impulsionamentos. Tanto o Facebook quanto o Instagram exibem o aviso: “Informação falsa: checado por verificadores de fatos independentes”, com um link “entenda”, em que o usuário pode ver a informação correta.
O WhatsApp, desde abril, aumentou a restrição de encaminhamentos para mensagens que estão viralizando e criou um canal de denúncias de contas que possam estar fazendo disparos em massa.
O Google, por meio do Google Notícias, reúne informações verificadas por agências de checagem e veículos de imprensa, além de apresentar informações oficiais do TSE em resultados da busca.
O Twitter divulgou em outubro de 2020 sua política de integridade cívica, vetando o uso da plataforma para manipular eleições, e vem rotulando conteúdo que ameaça processo eleitoral.
Segundo Rondon e checadores, o YouTube não tem usado de forma eficiente alertas sobre informações falsas e links para as checagens.
Um dos exemplos seria um vídeo da influenciadora Paula Marisa, candidata a vereadora em Canoas (RS), de que as urnas eletrônicas compradas pelo TSE seriam feitas na China.
A informação já foi desmentida por agências de checagem mais de uma vez. No entanto, quem busca o vídeo no YouTube não vê nenhuma indicação disso.
Segundo Cristina Tardáguila, diretora-adjunta da Rede Internacional de Checadores de Fato, o vídeo de Paula Marisa foi um dos conteúdos eleitorais mais visualizados do mês e, apesar de os checadores terem enviado a correção para o YouTube nesta terça-feira (10), o conteúdo continua sem rotulagem.
“Os checadores vêm trabalhando com o TSE há um mês e já produziram dezenas de checagens. Eles usam uma tecnologia que permite conectar imediatamente as correções a vídeos com falsidades, mas não está funcionando com a devida presteza no YouTube.”
Procurado, o YouTube afirmou, em nota, que não teve “acesso prévio à íntegra do estudo em questão e, portanto, não temos como comentar a metodologia e os resultados”.
A plataforma afirmou ter orientações claras sobre não permitir informações incorretas sobre votação e alegações falsas que podem desestimular a participação eleitoral, e que remove esses conteúdos.
“Atuamos em estreita colaboração com o TSE treinando seus colaboradores sobre o funcionamento de nossas plataformas e de nossas políticas, oferecendo canais de denúncia, dando destaque à informação oficial e atendendo ordens de remoção de conteúdo.”
O estudo da DAPP-FGV mostra ainda que há uma campanha permanente para desacreditar o processo eleitoral, não se restringindo a anos em que há eleições. E que alguns dos links mais difundidos online se repetem em vários anos.
No levantamento, os autores mapearam links e URLs de sites da imprensa tradicional, blogs e portais de conteúdo partidarizado ou não jornalístico que contestam a legitimidade das eleições e mais geraram engajamento no Facebook e YouTube.
Segundo Ruediger, a desinformação sobre processo eleitoral está muito mais sofisticada do que era.
“Pegam um vídeo de uma notícia verdadeira no YouTube, por exemplo: Trump diz que a eleição foi roubada, e distorcem o significado no título e nos comentários, dizendo, ‘vejam como foi fraudada mesmo’”, descreve.
“Há uma maior complexidade, não necessariamente trata-se de uma notícia falsa, é desinformação mais sorrateira.”