Os presidentes da China e dos Estados Unidos se reúnem pela segunda vez. Resolução de problemas atuais depende de consenso e trabalho conjunto entre líderes de sistemas antagônicos e em acirrada competição. Quando o presidente chinês Xi Jinping e seu homólogo americano, Joe Biden, se reunirem pela segunda vez como chefes de Estado nesta quarta-feira (15), a pessoa encarregada de registrar o encontro em fotos terá uma responsabilidade e tanto.
A imagem oficial do reencontro, às margens da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) – que começou no sábado (11) e segue até a sexta-feira em São Francisco, na Califórnia –, ilustrará a relação entre dois países rivais na economia e na segurança.
Há muito em jogo: o enfrentamento dos grandes desafios globais – como as mudanças climáticas, por exemplo – depende da cooperação entre ambos.
A imprensa e a opinião pública estarão de olho nas expressões faciais, posturas e em todo o ambiente atrás de sinais que ajudem a interpretar a relação entre os dois.
Ao menos no sentido literal, eles se olharão em pé de igualdade: Biden tem 1,83m de altura, enquanto Xi provavelmente mede algo em torno de 1,80m – não se sabe ao certo, porque a China trata informações desse tipo como segredo de Estado.
O primeiro e único encontro da dupla até agora foi em novembro do ano passado, durante a cúpula do G20 em Bali, na Indonésia. Desde então, houve consultas políticas intensas, mas os dois líderes não discutiram ideias tête-à-tête.
“Xi e Biden vão conversar sobre temas atuais, isso está relativamente claro. O que não se sabe, contudo, é se eles chegarão a um consenso. Essa cúpula pode não ter muitos resultados”, opina a analista Helena Legarda, do Instituto Mercator para Estudos da China (Merics).
China e Estados Unidos: sistemas políticos rivais
A relação entre as duas superpotências é a de dois sistemas políticos opostos: a China é um país autoritário monopartidário e os Estados Unidos, uma democracia.
A nação comunista – que por décadas lutou duro, mas sem sucesso, contra a aliança do Ocidente durante a Guerra Fria – ascendeu à posição de segunda maior economia do mundo e quer chegar ao primeiro lugar do pódio até 2050, desbancando os americanos – plano ao qual os Estados Unidos, obviamente, se opõe.
Há uma competição acirrada entre os dois países, sob vários aspectos. A economia é um deles, especialmente no setor de tecnologia de ponta para semicondutores, digitalização e inteligência artificial.
Interesses geopolíticos também estão em jogo, com a China tentando redefinir uma ordem mundial atualmente sob domínio americano e empenhando-se por alianças com países de fora do Ocidente – isto é, América do Norte e Europa ocidental.
No fim, trata-se da pergunta sobre qual será o modelo ideológico do século 21: se uma autocracia comunista ou uma democracia capitalista.
Em 1972, os Estados Unidos, então sob a gestão de Richard Nixon, retomou as relações diplomáticas com a República Popular da China. Essas relações se desenvolveram rapidamente ao longo das últimas décadas, especialmente a partir das reformas e políticas de abertura encabeçadas por Deng Xiaoping em 1978.
Interdependência econômica como arma de política externa
A China tem conseguido estabelecer relações de interdependência com outros países graças ao seu poderio econômico.
Seu enorme mercado consumidor atrai investidores europeus e americanos, que trouzem consigo capital e know-how técnico. Em 2022, por exemplo, 35% do lucro de fabricantes de carros como VW, BMW e Mercedes saiu da China.
Ao mesmo tempo, a China investiu em países na África, na Ásia Central, na América Latina e, mais recentemente, em países árabes. Sua nova Rota da Seda, que tem duas rotas comerciais – uma por terra e outra por mar –, é um projeto renomado. O país também desempenha um papel de liderança no Brics+, grupo de potências emergentes que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e tem outros seis países em processo de adesão: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia. Outros 40 países manifestaram interesse em aderir ao grupo.
“A China pratica uma forma de governo que usa a economia como uma alavanca para tentar atingir objetivos políticos em relação a outros Estados”, explica Markus Taube, professor da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, e especialista em economia chinesa, durante uma conferência sino-alemã de negócios em Düsseldorf.
Em outras palavras: a economia faz a política externa.
“A China quer mais influência sobre o sistema global e também está exigindo isso. O resultado é que há mais antagonismo com o Ocidente. Estamos vendo o renascimento da ‘política econômica de governo’ como um instrumento para a conquista de objetivos nacionais mais elevados.”
Pressão econômica não funcionou contra autocracia
Por ironia, a princípio era o Ocidente que queria promover mudanças através da “política econômica de governo”, principalmente nos anos 1990.
O lema alemão dessa doutrina era “mudança por meio dos negócios” (Wandel durch Handel). “Os teóricos alemães pensavam que economias complexas não poderiam funcionar sem modelos liberais sociais. Aquela ideia da ‘mudança pelos negócios’ desencadeou um processo de harmonização. Hoje, podemos ver que ela não é totalmente correta”, disse Taube.
A China, afinal, provou que capitalismo e autocracia fazem um par formidável.
“O grande desafio para países do Ocidente e a grande preocupação no longo prazo é que a China revelou ambições de reformar a ordem global atual, suas regras, seus valores e princípios, de modo que eles estejam mais em linha com os seus”, analisa Legarda.
O G7, grupo liberal-democrático de sete nações industrializadas liderado por Estados Unidos – e do qual a Alemanha é membro –, se ofereceu para cooperar com a China em “desafios globais, bem como áreas de interesse comum”. “Estamos preparados para criar relações construtivas e estáveis com a China, reconhecendo a importância de um engajamento sincero e de expressar diretamente nossas preocupações”, diz um pronunciamento do G7 divulgado na semana passada após um encontro de ministros do Exterior no Japão.
Às vésperas da visita de Xi aos Estados Unidos, Biden ouviu apelos para que responda com mais assertividade às provocações no Mar da China e em outros lugares. Mas, apesar do clima de competitividade, uma aliança pragmática entre os dois é necessária para a superação de desafios comuns.
“Como democracias, só poderemos prosperar em uma competição de sistemas com forças autocráticas se nossos aliados mundo afora sentirem que estamos falando sério”, afirmou na semana passada a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, antes de embarcar para o encontro do G7 em Tóquio.