É consenso que, em 2023, o bolsonarismo seguirá mobilizado e demandará reação do governo Lula. A dúvida é sobre como se dará a oposição ao Planalto, que no momento se organiza em torno da pauta golpista de contestação do resultado das urnas. Do outro lado, Lula buscará de acordo com Marlen Couto, do O Globo, manter coesa uma base social diversa e que corre o risco de se frustrar diante das concessões necessárias à governabilidade, especialmente no Congresso.
Para o professor de Ciência Política Josué Medeiros, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a tendência é a oposição bolsonarista se voltar mais para as redes sociais e priorizar o discurso antissistema de Jair Bolsonaro (PL) centrado na ideia de “perseguição” das instituições contra o ex-presidente. Outro elemento é o ineditismo que essa oposição mais aglutinada e ancorada em pautas conservadoras vai representar.
Manter a popularidade, após uma eleição com placar dividido, em patamares razoáveis vai ser um dos desafios de Lula. Nos últimos anos, a aprovação da grande maioria dos chefes de Estado da América Latina anda em baixa. Um exemplo é o presidente do Chile, Gabriel Boric, que viu a avaliação positiva de seu governo se deteriorar em poucos meses no cargo.
— Por isso, Lula investiu tanto na PEC da Transição. Ele precisa dar respostas imediatas a aspectos que melhorem a vida das pessoas. É um modo de diminuir o impacto de um tipo de oposição que o PT enfrentou no máximo em 2015, com o enfraquecimento do governo Dilma Rousseff —analisa Medeiros.
Liderança
A cientista política Mara Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defende que Bolsonaro seguirá protagonista no campo da extrema-direita. O apoio de parte dos evangélicos e dos militares é um ativo. Na avaliação da especialista, uma saída para Lula garantir governabilidade, se persistirem manifestações antidemocráticas, e isolar Bolsonaro, é uma articulação com os governadores.
— Bolsonaro não está afastado dos atos radicais, pelo contrário. O fato de ficar em silêncio é uma folha em branco para que os seus seguidores atribuam aquilo que desejam — diz Telles. — Esses grupos não desistirão, assim como não desistiram nos Estados Unidos. Mesmo que eles não partam para mais atos de violência, há no Congresso uma série de membros que continuarão agindo. Se são minoritários, é outra coisa. Eles fazem barulho, têm visibilidade. O fato de estarem na oposição os acirra.
O barulho da base bolsonarista será ouvido especialmente nas redes sociais. Diretor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas, Marco Aurelio Ruediger avalia que a base bolsonarista precisará de um tempo para reorganizar seu discurso e seguirá amparada com sua máquina poderosa de disseminação nas redes com capacidade para impactar no debate.
— O governo não tem opção a não ser ter uma estratégia forte para o debate digital. E a desinformação é uma coisa que requer atenção. O governo precisará se reorganizar digitalmente para fazer esse enfrentamento e construir narrativas, respondendo em tempo real. Não só a pressão formal, do Congresso, mas também dos grupos de apoio ou de oposição na sociedade civil — diz Ruediger.
Na base de Lula, há expectativa com a revogação de atos do governo Bolsonaro, o que começou a ser implementado no domingo. Outro tema caro aos apoiadores de Lula é a pauta da diversidade, tema que o petista trouxe para a campanha eleitoral. Nas indicações para ministérios, mulheres e negros seguem com representação abaixo do que têm como um todo na população brasileira, em que são maioria.
— Lula tende a manter um padrão de insulamento da questão da diversidade em pastas específicas, em vez de um olhar mais transversal. Talvez seu governo busque matizar isso com as indicações do segundo escalão — pontua o professor de Sociologia e Ciência Política Luiz Augusto Campos, da Universidade do Estado do Rio (Uerj). — Traduzir o tema na prática é difícil porque os partidos políticos que compõe o governo, e o PT incluído, avançaram menos do que o discurso na diversidade.