Uma deputada federal e quatro estaduais eleitos em outubro declararam que retiraram do próprio bolso para financiar suas campanhas valores superiores ao patrimônio informado à Justiça Eleitoral.
O autofinanciamento também comprometeu valores acima dos bens de dois dos cinco candidatos que mais desembolsaram recursos próprios na campanha, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Resolução do TSE impôs limites ao autofinanciamento, a fim de reduzir o impacto da candidatura de milionários no pleito. O uso de recursos próprios ficou restrito a 10% do limite previsto para gastos de campanha. Também recai o teto, imposto a todos os doadores, de 10% do rendimento declarado no ano anterior à eleição.
Procuradores eleitorais costumam olhar com atenção o uso de recursos próprios porque essa modalidade de financiamento pode ser usada, em tese, para ocultar o real doador da campanha. De acordo com as prestações de contas enviadas ao tribunal, os candidatos tiraram do próprio bolso R$ 191 milhões.
Entre os eleitos, o caso que chama mais atenção é o de Dudu Ronalsa (MDB-AL), deputado estadual reeleito. Ele afirmou à Justiça Eleitoral ter gasto R$ 120 mil em recursos próprios na campanha, valor equivalente a 20 vezes o patrimônio que declarou ao registrar a candidatura.
O rol de bens informado por Ronalsa ao TSE inclui três investimentos bancários que somavam apenas R$ 5.979,21. A área técnica do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Alagoas já questionou o deputado sobre a origem dos recursos próprios. Procurado, ele não retornou ao contato da reportagem.
O deputado estadual reeleito Antonio Vaz (Republicanos-MS) também declarou ter tirado do próprio bolso valor superior ao patrimônio declarado.
Ele informou ter usado em recursos próprios R$ 102,3 mil, perto dos 10% do limite legal de gastos de campanha imposto pelo TSE. O valor é 47% maior do que os R$ 68.167,05 de patrimônio declarado, dividido em duas contas bancárias.
A assessoria de imprensa do deputado afirma que Vaz vendeu um automóvel dias antes de registrar a candidatura, a fim de custear sua campanha. Contudo, de acordo com sua equipe, ele só recebeu os valores após informar seu patrimônio à Justiça Eleitoral.
Segundo seu gabinete, uma Toyota Hilux foi vendida pelo deputado por R$ 300 mil. Ela havia sido comprada por R$ 288 mil em junho de 2021, segundo nota fiscal enviada pela assessoria de Vaz.
“Doação de recursos próprios possuem um teto de 10% de recursos declarados, IR ou valores a receber (no caso) a venda de um bem para aplicação em campanha, sendo este compatível como valor em questão”, afirmou a assessoria do deputado.
Os esforços para custear as próprias campanhas não são novidades no país. Em 2006, quando a Folha identificou casos semelhantes, alguns deputados afirmaram ter contraído empréstimos para bancar material para a eleição.
Por essa razão, a resolução do TSE que trata sobre arrecadação e gastos na campanha separa um artigo específico para o caso de empréstimos bancários. Determina a comprovação da contratação do financiamento e permite à Justiça Eleitoral que se cobre a origem de recursos para sua quitação.
Contudo, nenhum dos candidatos que usaram em recursos próprios mais do que o patrimônio declarado apontou empréstimos como a fonte dessa receita.
Completam a lista dos que declararam autofinanciamento acima do patrimônio declarado o deputado estadual reeleito Professor Cleiton (PV-MG), a deputada federal eleita Meire Serafim (União Brasil-AC) e o deputado estadual eleito Leandro de Jesus (PL-BA).
Os recursos próprios desses políticos na campanha superaram o patrimônio em 39%, 32% e 6%, respectivamente. Professor Cleiton já foi questionado pelo TRE-MG em razão do caso. Nenhum deles respondeu aos pedidos de entrevista da Folha.
O candidato que declarou o maior autofinanciamento da eleição também investiu mais do que declarou em patrimônio.
Gustavo Mendanha (Patriotra), ex-prefeito de Aparecida de Goiânia, declarou ter tirado do próprio bolso R$ 1 milhão para a campanha derrotada ao Governo de Goiás. O valor é 9% a mais do que o patrimônio de R$ 946,1 mil declarado à Justiça Eleitoral ao registrar sua candidatura.
As quatro transferências bancárias de sua conta para a da campanha foram feitas dois dias após o primeiro turno, quando o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) foi reeleito. Mendanha ficou em segundo lugar, com 25,2% dos votos válidos.
De acordo com os dados enviados ao TSE, mesmo com o aporte de recursos próprios, a campanha do ex-prefeito acabou com um rombo de R$ 1,6 milhão.
Em nota, a assessoria de imprensa do ex-prefeito afirmou que o candidato “vendeu parte do patrimônio do espólio do pai, falecido em abril de 2021, para honrar com os compromissos feitos no período eleitoral”.
O quinto no ranking dos que mais usaram recursos próprios, o deputado Ricardo Nicolau (Solidariedade) investiu quase o quíntuplo do patrimônio declarado. Ele fez um repasse de R$ 700 mil para a conta da campanha para o Governo do Amazonas, quando informou à Justiça Eleitoral ter R$ 141 mil em bens.
Em nota, o deputado afirmou que os recursos próprios utilizados na campanha se referem a antecipações de distribuição de lucros de sua empresa para investir na eleição.
“O registro de candidatura traz os bens materiais declarados em imposto de renda do ex-candidato, conforme determina a Justiça Eleitoral. Outros bens são das empresas de sua família, logo, não entram na listagem. Ricardo Nicolau destaca que, após cinco mandatos de deputado estadual e um de vereador, jamais ganhou dinheiro com política partidária, tampouco construiu patrimônio com seus rendimentos no serviço público”, diz a nota.