A reforma do ensino médio segue empacada na Câmara. Os deputados atribuem a situação à omissão do ministro da Educação, Camilo Santana (PT). A avaliação de acordo com reportagem de Ana Paula Bimbati e Felipe Pereira, do portal Uol, é que ele ficou “encastelado” no MEC (Ministério da Educação) sem entrar em campo para defender a proposta.
O que aconteceu
As críticas vêm de deputados federais da própria base governista —ninguém da oposição foi ouvido pelo Uol. Prevalece a queixa de que faltou conversar com as lideranças.
Houve uso de expressões fortes como “arrogante” e “com soberba”. A avaliação destes deputados, que preferem falar sem se identificar, é que a estratégia de Camilo se mostrou errônea desde o começo e não houve autocrítica para uma correção de rota.
O Uol procurou o MEC na sexta e novamente na segunda. Mas a pasta não comentou sobre as declarações dos deputados.
Também sobrou para o Planalto. Deputados de esquerda e do centro reclamaram que todos os esforços do governo estavam centrados na agenda econômica. A educação foi escanteada e deixada de lado.
O MEC se propôs a mudar o ensino médio. Houve uma alteração no governo Michel Temer (MDB), que foi muito criticada pela esquerda.
O projeto enviado pelo ministro à Câmara, entretanto, não vingou. O texto foi alterado, está muito parecido com o sistema atual e existem votos de sobra para ser aprovado dessa forma. Publicamente, Camilo insiste na tecla de que a proposta foi discutida com uma diversidade de atores envolvidos (leia mais abaixo).
O ministro não se envolveu diretamente na discussão na Câmara, por isso a iminência de derrota entrou na conta dele. Ele é criticado por não procurar lideranças partidárias para dialogar, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A reforma do ensino médio é vista como de vital importância para o prestígio de Camilo. Ela foi colocada como uma das quatro prioridades do governo Lula para o semestre. Uma derrota teria grande impacto.
Ministro se fechou
Parlamentares criticam que Camilo agiu como se a Câmara fosse uma “carimbadora de projetos”. Dizem que o ministro não percebeu que precisaria discutir a proposta e ouvir sugestões.
Integrante da Frente Parlamentar da Educação, o deputado Ismael dos Santos (PSD-SC) diz que Camilo só agiu quando a derrota se desenhou. Ele avalia que o ministro se fechou com um círculo de assessores e acreditou que dizer ter apoio da sociedade bastaria.
Tarcísio Motta (PSOL-RJ) conta que sente uma mudança de atitude. Como exemplo, cita que a reforma do ensino médio foi tratada pelo ministro em reunião do Fórum Nacional de Educação.
A deputada Luciene Cavalcante (PSOL-RJ) afirma que o atual envolvimento de Camilo pode reequilibrar o jogo de forças. Também membro da Frente Parlamentar de Educação, ela avalia que votos do PP e do União podem ser revertidos em prol do projeto mediante conversas do ministro.
Há uma preocupação entre interlocutores da educação da insistência do MEC em falar do cenário deixado pelo governo Bolsonaro. Eles afirmam que é necessário reconstruir a pasta, mas que se espera uma ação maior fora do gabinete no ministério também.
Estratégia incorreta
O MEC entregou o projeto ressaltando o apoio dos secretários estaduais da Educação e a consulta de 150 mil pessoas. Mas esse discurso ruiu logo depois que a proposta chegou à Câmara dos Deputados.
Parte dos secretários logo desabonou o projeto. Criticaram a falta de carga horária para aulas técnicas e tiraram foto com o relator, Mendonça Filho (União Brasil-PE), que havia elaborado um texto alternativo que atendia esta demanda.
Também houve reclamações das entidades consultadas pelo MEC. Deputados afirmaram que foram procuradas somente instituições que disseram o que era desejado ouvir, desbancando o discurso de amplo debate encampado por Camilo.
O projeto foi alterado, sem o envolvimento do ministro. Um deputado do próprio PT afirmou que ele ignorou os alertas dos parlamentares e ficou “encastelado” na Esplanada dos Ministérios.
Mas Camilo tem defensores. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) disse que não vê sinais de arrogância ou soberba no ministro.
Presidente da Frente Parlamentar da Educação, o deputado Rafael Brito (MDB-AL) também tem essa avaliação. Para ele, o assunto se tornou uma disputa ideológica entre a esquerda e a oposição, gerando um diálogo equilibrado.
Brito ressalta que o relator do projeto já sinalizou que aceita mudar o texto. O MEC seguiria enraizado na proposta enviada ao Congresso Nacional.
O impasse
A carga horária é a razão da disputa. Atualmente, o ensino médio tem 3.000 horas de aulas e existe divergência sobre quanto deveria ser dedicado a matérias tradicionais, como português, matemática, geografia e história, e quanto estaria livre para o ensino técnico.
- O relator defende 1.800 horas para disciplinas tradicionais;
- O MEC quer 2.400 horas;
- O relator sinalizou aceitar 2.100 horas, mas o ministério não se manifestou.
Prejuízos em adiar a decisão
O governo articula para dar o troco no Senado. Existe uma tentativa de emplacar a senadora Tereza Leitão (PT-PE) como relatora para que ela confeccione um texto com as demandas do MEC.
Se aprovado, esse projeto voltaria para a Câmara e poderia ser alterado novamente. A disputa por versões é considerada preocupante porque tende a arrastar a discussão num ano que o Congresso deve parar em julho, devido às eleições municipais.
Não decidir logo significaria mais um ano com alunos seguindo uma grade curricular que sabem que será mudada. O presidente da Frente Parlamentar de Educação enxerga um prejuízo educacional e um desestímulo aos alunos se aplicarem nos estudos.