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sexta-feira 21 de junho de 2019 às 06:11h

Deputada indígena: “Bolsonaro passa por cima do Congresso”

POLÍTICA


Para Joênia Wapichana, primeira mulher indígena eleita deputada federal no Brasil, presidente desrespeita a Constituição ao incluir novamente demarcação de terras indígenas no Ministério da Agricultura. A disputa em torno do poder para demarcar terras indígenas parecia encerrada. Depois de Jair Bolsonaro passar ao Ministério da Agricultura a palavra final sobre essa questão por meio da publicação de uma Medida Provisória em janeiro, o Congresso Nacional barrou o plano em maio e manteve a responsabilidade com a Funai (Fundação Nacional do Índio).

Mas o presidente não desistiu, mesmo com a negativa do Congresso. Com uma nova MP publicada na véspera do feriado prolongado, Bolsonaro tenta, novamente, passar para a pasta da Agricultura a decisão sobre demarcação de territórios indígenas.

Para Joênia Wapichana (Rede-RR), advogada e primeira mulher indígena eleita para o cargo de deputada federal no país, Bolsonaro tenta passar por cima do Congresso com uma ação inconstitucional.

A Constituição brasileira veda numa “mesma sessão legislativa” a reedição de uma Medida Provisória que tenha sido rejeitada pelo Congresso Nacional. As chamadas “sessões legislativas” estão definidas de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.

No entanto, o governo deverá argumentar que Bolsonaro editou a primeira MP em janeiro, quando deputados e senadores ainda não haviam tomado posse e, consequentemente, não havia iniciado oficialmente uma “sessão legislativa”. A posse só ocorreu em fevereiro.

DW Brasil: A Medida Provisória publicada pelo presidente Bolsonaro pegou a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e o Congresso de surpresa?

Joênia Wapichana: A gente não achava que ele (Bolsonaro) iria fazer esse absurdo. Porque parece que ele desconsidera, faz vista grossa para decisão que já foi tomada. Ele ignora até mesmo a Constituição e passa por cima do Parlamento. A surpresa foi essa, de ele chegar a esse ponto, que é grave. Ele está ignorando a decisão que já foi tomada no Congresso Nacional.

Isso significa que ele não respeita a separação dos Poderes, que não está nem aí para a questão dos direitos constitucionais ignorando totalmente o que se avançou.

A gente nem chegou a analisar ainda os vetos da Medida Provisória (870) e ele já edita uma nova MP. Ele está atropelando tudo o que é de direito e que é legal.

É possível saber a motivação dessa MP editada pelo presidente que dá ao Ministério da Agricultura o poder sobre a demarcação de terras indígenas?

A maioria do Congresso foi a favor de a Funai retornar para o Ministério da Justiça e manter na Funai a atribuição da demarcação. Mas a posição do governo é outra. A gente sabe que a bancada que apoia o governo é ruralista. A gente vê que eles não ficaram quietos. Mas isso significa que eles não estão obedecendo as questões legais.

A manifestação de Bolsonaro contra os povos indígenas vem desde a época da campanha. Então não causa surpresa ele perseguir os direitos dos indígenas insistentemente. Ele já havia declarado publicamente que não iria demarcar um milímetro de terra, então só está concretizando os discursos que ele já havia feito, ameaças que já havia colocado e usando da atribuição de presidente para tentar diminuir os direitos dos povos indígenas.

É absurdo, ilegal, inconstitucional.

Quais são as providências que os congressistas e a Frente Parlamentar podem tomar?

A Frente Parlamentar vai protocolar um requerimento para o presidente da Câmara para que ele devolva essa MP que não está atendendo às questões legais da Constituição. Vários partidos vão entrar no Supremo com medida judicial. Protocolamos uma ação direta de inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar relacionada à MP. Também estamos movendo um mandato de segurança.

Há poucos dias, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas foi exonerado da presidência da Funai e deixou o cargo criticando o governo Bolsonaro e seus assessores. Qual é a situação da Funai com essa crise?

A gente já tinha visto essa posição de perseguição aos indígenas e aos órgãos indigenistas. É absurdo porque Bolsonaro usa da autonomia dele para indicar seus auxiliares, mas persegue aqueles que prezam pelo avanço, pelo respeito aos direitos.

Foi divulgado que o presidente da Funai fez declarações de que não aceitaria pressões relacionadas à bancada ruralista e ao agronegócio. Estamos analisando qual teria sido de fato o motivo da exoneração, que não está claro para nós.

Inclusive está sendo questionado se a exoneração poderia ter sido feita pela ministra Damares (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), já que a Funai, segundo a MP 870, seria atribuição do Ministério da Justiça. Ou seja, caberia ao Sérgio Moro decidir questões relacionadas à Funai.

Há uma preocupação nossa com os motivos expostos, dessa aparente interferência externa do agronegócio nos direitos dos povos indígenas.

E como acompanham a situação dos povos em seus territórios e a violência pela disputa da terra?

A Funai fragilizada do jeito que está, como uma bola de pingue-pongue, vendo onde o órgão vai ficar, atrapalha muito os deveres de proteção das terras indígenas. Quem fica de fato prejudicado são as comunidades.

A partir do momento em que você coloca em risco essa proteção, a questão da entrada de invasores, madeireiros, garimpeiros fica facilitada. Desde o começo do ano, temos várias denúncias de invasões de terras indígenas em Amazonas, Rondônia, Pará, Mato Grosso, Maranhão. A gente tem ouvido os povos para detalhar as denúncias. É bastante grave. Não está havendo uma resposta de fiscalização às denúncias feitas pelas comunidades.

A Funai já era um órgão bastante sucateado e com o menor orçamento da União. Sempre foi vista como um órgão que não mereceria atenção. Mas isso não está correto porque a Funai tem responsabilidade de cerca de 13% do território nacional. Por que a gente não pode valorizar esse órgão que deveria estar sendo incluído no planejamento e desenvolvimento em termos de políticas públicas, afirmativas e proteção ao meio ambiente?

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