A coluna teve acesso exclusivo ao texto do PL, inspirado diretamente na versão catalã “No Callem”. O documento foca na proteção das mulheres em espaços de lazer públicos e privados, criando a obrigatoriedade de, entre outros:
- Treinamento específico sobre identificação de situações de risco e de acolhimento às potenciais vítimas de violência
- Criação e divulgação de canais de denúncia
- Vigilância especial em áreas de baixa iluminação ou espaços isolados
- Paridade de gênero, raça e diversidade sexual nos quadros de funcionários e na gerência
- Protocolos claros para lidar com possíveis vítimas, como isolamento, acolhimento, encaminhamento e explicação das opções disponíveis a elas
- Agilidade no auxílio à coleta de provas
- Preservação de evidências, como vídeos das câmeras de segurança
- Ligação direta com as autoridades públicas
- Além de ferramentas de prevenção para que estes ataques terríveis nem cheguem a acontecer
A implementação, regulamentação, fiscalização e estabelecimento de sanções em relação ao disposto na Lei caberá aos Municípios e ao Distrito Federal.
Resta sempre o receio de que, mesmo aprovada, a lei acabe abandonada pelo poder público local. Aquele clássico brasileiro: “a lei que não pega”.
Também preocupada com isto, a deputada contou que pretende, já no primeiro dia da nova legislatura na Câmara, reforçar a pauta do combate à violência contra a mulher e espera que a notoriedade do caso de Alves ajude a acelerar a tramitação do projeto no Congresso.
Abaixo, a íntegra do projeto que visa proteger mulheres das violências infelizmente tão comuns em festas, boates, shows e espaços de lazer em geral. (O texto pode sofrer pequenas alterações na estrutura antes de ser protocolado, amanhã.)
Do meu lado, sigo na esperança de que casos como os de Daniel Alves sirvam para lembrar a sociedade de que não vamos parar até que parem de nos atacar. Não vamos nos calar. Nunca.
O texto do PL na íntegra
PROJETO DE LEI Nº____, DE 2023.
(Da Sra. Sâmia Bomfim)
Institui o Protocolo Não Se Calem que obriga espaços públicos e privados de lazer a implementarem medidas de proteção de mulheres em situação de risco ou violência sexual nas dependências de seus estabelecimentos em todo território nacional.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º. Esta Lei obriga que espaços públicos e privados de lazer implementem medidas de proteção a mulheres em situação de risco ou violência sexual nas dependências de seus estabelecimentos em todo território nacional.
§1º Para efeitos desta Lei consideram-se espaços públicos e privados de lazer as casas noturnas, baladas e festas, inclusive as universitárias e estudantis, festivais de artes e shows, casas de shows, museus, teatros, restaurantes, bares, hotéis, hospedarias e quaisquer espaços de convivência e demais estabelecimentos de lazer ou estabelecimentos semelhantes.
§2º Para efeitos desta Lei considera-se situação de risco ou violência sexual aquela em que a pessoa alegue ter sido seja submetida a qualquer ato, tentativa ou outra forma de coação que tenha por finalidade a interação sexual sem consentimento.
Art. 2º. São obrigatórias as ações de prevenção a potenciais vítimas de situações de risco ou violência sexual em espaços públicos e privados de lazer nas dependências de seus estabelecimentos.
§1º É obrigatória a fixação de placas de fácil visualização para conscientização e acesso aos métodos de denúncia para casos de situações de risco ou de violência sexual.
§2º É obrigatória a disponibilização de material informativo sobre os canais de comunicação de denúncia de situações de risco ou violência sexual.
§3º É obrigatória a instalação, pelos estabelecimentos elencados nesta Lei, de canal virtual e físico de denúncia de situações de risco ou de violência sexual ocorrida no estabelecimento.
§4º É obrigatória a produção e a fixação de protocolo de prevenção, e conscientização e tratamento sobre situações de risco ou de violência sexual.
§5º Toda a equipe de funcionários e de ocupantes de cargos administrativos ou de gerência passará por treinamento específico sobre identificação de situações potencialmente de risco e de acolhimento às potenciais vítimas de violência.
§6º Destacar-se-á funcionário ou funcionária especialmente treinado ou treinada para o acompanhamento da potencial vítima.
§7º É obrigatória a implantação de vigilância especial em áreas de baixa iluminação, isolamento ou qualquer outra condição física que torne o espaço confinado, isolado ou que facilite a vulnerabilidade física do usuário.
§8º Deverão os espaços públicos e privados de lazer implementarem a paridade de gênero, e raça e diversidade sexual nos no quadro de funcionários e nos cargos de administração e gerência de seus estabelecimentos.
Art. 3º. São obrigatórias as medidas de acolhimento a potenciais vítimas de situações de risco ou violência sexual em espaços públicos e privados de lazer nas dependências de seus estabelecimentos.
§1º É obrigatória a seleção de espaço físico reservado para o acolhimento imediato de potenciais vítimas de situações de risco ou violência sexual.
§2º É obrigatório o acompanhamento de potencial vítima por funcionário ou funcionária especialmente treinado ou treinada para o acolhimento da mesma, desde a identificação ou denúncia do ocorrido até o efetivo deslocamento para delegacias especializadas ou atendimento médico.
§3º É obrigatório o acionamento imediato das autoridades policiais e de proteção da mulher.
§4º Todas as ações de proteção e encaminhamento de denúncias às autoridades responsáveis deverão ocorrer em máxima discrição para a proteção da integridade física e moral da potencial vítima.
§5° Devem ser preservadas todas as evidências que possam ser utilizadas pela autoridade policial para a investigação das alegações da potencial vítima, como, mas não se limitando a: imagens de câmeras de segurança, lista de nomes das pessoas que estavam no local dos fatos alegados, isolamento da área dos fatos para posterior perícia forense e identificação de possíveis testemunhas.
Art. 4º. São obrigatórias ações de auxílio às autoridades policiais e de proteção da mulher no acolhimento de potenciais vítimas e na apuração e investigação das denúncias de situações de risco ou violência sexual em espaços públicos e privados de lazer nas dependências de seus estabelecimentos.
§1º É obrigatória a agilidade no auxílio da coleta de provas.
§2º É obrigatória a facilitação da identificação de potenciais testemunhas.
§3º Proíbe-se qualquer dificultação do acesso da autoridade policial às câmeras de segurança ou outros meios de identificação do suspeito.
Art. 5º. Caberá exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar, fiscalizar e estabelecer sanções no disposto nesta Lei no âmbito dos seus territórios.
Art. 6º. Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Recentemente a pauta da violência contra as mulheres em casas de show tomou destaque nos jornais com o caso de um famoso e reconhecido jogador da seleção brasileira acusado de abusar sexualmente de uma mulher em uma casa noturna na Espanha. O caso ganhou os noticiários não apenas por envolver um cidadão brasileiro de fama notória, mas também pela agilidade e efetividade da legislação espanhola no acolhimento da vítima e na apuração dos fatos.
A agilidade e a efetividade no encaminhamento do caso às autoridades só foi possível graças à vigência de um protocolo em Barcelona que detalha como espaços privados devem atuar para prevenir e agir no caso de agressões dentro destes estabelecimentos. O “No Callem”, como ficou conhecido, é uma importante referência internacional de como a presença de protocolos e medidas de prevenção da violência sexual e de acolhimento das vítimas pode ser decisivo para o combate à impunidade nos casos de assédio e estupro em espaços de lazer. O documento espanhol tenta responder aos dados de uma pesquisa realizada em 2017, que revelou números expressivos de violência sexual contra a mulher ocorrida em baladas e casas noturnas.
Essa também é uma realidade no Brasil onde 2/3 das brasileiras sofreram assédio sexual em restaurantes e bares, como revelam os dados da pesquisa realizada pelo instituto Studio Ideas, sobre violência contra a mulher nesses ambientes. Frequentadoras, clientes ou trabalhadoras, ainda hoje não há à disposição das mulheres a referência legal sobre o trato de denúncias e o acolhimento primário quando abusadas especificamente em ambientes de lazer.
É nesse sentido que se pretende instituir o protocolo “Não Se Calem”, referenciado no avanço espanhol no tratamento do tema da violência contra a mulher praticado em espaços de lazer. A proposta tem como princípio que nenhuma mulher se cale ou seja calada quando assediada ou violentada em casas noturnas, baladas, casas de shows, restaurantes, bares ou estabelecimentos semelhantes.
A proposta tem, ainda, como eixos, a prevenção para a diminuição dos casos de assédio e violência sexual como a instalação de canais de denúncia, preparação e treinamento de equipe especializada no trato dessa temática, vigilância especial em áreas inseguras e paridade de gêenero, raça e sexualidade no quadro de funcionários e cargos administrativos dos estabelecimentos; o acolhimento das vítimas, e o princípio da agilidade e da cooperação no trabalho investigativo, e de coleta de dados e de provas solicitados pela autoridade policial.
Assim, é urgente que o Brasil não se omita diante da violência contra a mulher praticada em espaços de lazer e da necessidade de combate à cultura do estupro. Para que toda mulher esteja segura para estar onde quiser estar, para que não se calem.
Sala das Sessões, 02 de Fevereiro de 2023.
SÂMIA BOMFIM
PSOL-SP