A ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) disse em entrevista ao jornal O Globo que pensou por meses se “havia feito algo que não deveria” enquanto sofria episódios de importunação sexual de Silvio Almeida, que nega as acusações. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal.
A titular da pasta conta que foi difícil processar o que aconteceu, já que o ex-responsável pelo Ministério dos Direitos Humanos é considerado uma voz relevante no movimento negro. “Violência é violência, importunação é importunação e assédio é assédio, independentemente de quem faça. Isso não pode ser tolerado”, disse ela em entrevista a Karolini Bandeira, Jeniffer Gularte e Alice Cravo, do O Globo.
Anielle afirma ainda conforme o jornal, que o presidente Lula e a primeira-dama Janja ficaram sabendo de toda a história quando o escândalo veio à tona, embora integrantes do governo confirmem que já sabiam antes da denúncia se tornar pública.
A ministra da Igualdade Racial diz que o governo não se omitiu ao tomar conhecimento dos seus relatos, mas que os canais oficiais para denúncia de assédio sexual são insuficientes e precisam ser aprimorados. Sobre os planos políticos para o futuro, ressalta que colocará o nome “à disposição” do PT em 2026, mas pondera que ainda é cedo para definir para qual cargo.
Quando a senhora percebeu que estava sendo vítima de importunação sexual pelo ex-ministro Silvio Almeida?
A gente sabe e percebe. As mulheres entendem isso, né? Eram notórias algumas passadas do ponto do respeito para o desrespeito. Algumas coisas aconteceram em dezembro (de 2022), na transição (para o governo Lula). Mas a partir de janeiro do ano passado, eu comecei a ver e perceber passos e atitudes sobre as quais eu não dava nenhum tipo de abertura e não permitia que acontecesse.
Qual foi o sinal vermelho?
Foram atitudes desrespeitosas. Não posso entrar muito nos detalhes por conta do depoimento à Polícia Federal, mas aconteceram diversas falas e atitudes que eu repudio. Demorei um pouco para acreditar. E acho que isso foi o que fez com que, quando fui exposta, eu demorasse a me pronunciar. Era uma decepção para mim também. Fiquei pensando por meses: “Será que eu errei? Fiz alguma coisa que não deveria ter feito?”. Não de dar condição, mas por onde eu poderia ter cessado esse tipo de relação. Um número grande de mulheres me procurou, e uma delas falou: “Vivi isso. Estou calada há 40 anos e tomei coragem para falar”. Foi o que me fez pensar que esse silêncio tinha que acabar em algum momento.
Segundo ministros, os relatos de assédio circulavam no gabinete do presidente desde julho do ano passado. Quando a senhora contou a Lula o que estava acontecendo?
O presidente Lula sabe quando a matéria (do Metrópoles) vem à tona. Ele toma ciência na quinta-feira (5 de setembro). Na sexta-feira, o governo age. É quando eu me sento com ele. A primeira coisa que ele me perguntou era como eu estava. Ele já estava com a decisão dele. Eu me senti acolhida. Ele falou: “Eu já sei o que aconteceu, e se você não quiser me contar, não tem obrigação nenhuma”. Eu disse que seria importante ele ouvir da minha boca.
A senhora falou com a primeira-dama Janja antes do episódio vir à tona?
Não.
Quando foi a primeira vez que a senhora conversou com Janja sobre o seu caso?
Antes, sem me perguntar, a Janja fez uma demonstração de solidariedade mostrando o comprometimento dela com a pauta das mulheres (a primeira-dama publicou uma foto com Anielle nas redes quando o caso foi revelado). Falei com ela pela primeira vez quando estava com o presidente, e ela me acolheu dizendo: “Uma foto diz mais que mil palavras”.
Integrantes do governo sabiam ou suspeitavam que outras mulheres estavam sendo assediadas por Silvio Almeida?
Não sei. O que eu tenho acompanhado sobre o que acontecia foi o que saiu nas matérias. Não tenho como responder essa pergunta.
Para quem do governo a senhora contou sobre a importunação sexual?
Isso faz parte do depoimento. Mas, dentro do governo, com ninguém. Eu dividi com pessoas próximas de mim, amigos e família. Nunca levei esse caso para dentro do governo.
Esse caso era conhecido por integrantes do governo…
Muita coisa foi falada. Eu não sei de onde veio, de verdade. Eu, se tivesse falado, teria batido na porta: “Vou denunciar”. Mas não aconteceu. Óbvio que, quando o depoimento sair, eu posso falar com quem eu conversei. Mas não é ninguém do primeiro escalão (do governo). Eu converso com uma pessoa da minha equipe e conversava na minha casa. Eu tinha que dividir isso com alguém. Pode ser difícil de entender, e até de acreditar, mas eu não tinha como levar isso (ao governo). Por vários motivos. Não queria levar naquele momento. Queria fazer isso no momento que eu achasse prudente. A gente, enquanto vítima, precisa falar quando se sente pronta. Não pode ter uma obrigação. Eu entendo as pessoas quererem tudo imediatamente. Mas não é fácil. Era difícil para mim por ser ele (Almeida), por ter um marido, duas filhas…
O depoimento da vítima é uma prova. Houve solicitação de outro tipo de material, como mensagens e fotos?
Não, em momento nenhum.
A senhora participou e sabia das denúncias do Me Too?
Não participei. Fui surpreendida. Não tinha nenhum contato com o Me Too. Me associaram também como sendo uma das denunciantes, mas eu nunca fiz uma denúncia ao Me Too.
Como foi denunciar um colega que defende as mesmas pautas que a senhora?
Demorei um pouco para conseguir formular isso dentro de mim. Nenhuma violência feita por uma pessoa, um indivíduo, pode diminuir as causas do movimento negro. Mas violência é violência, importunação é importunação e assédio é assédio, independentemente de quem faça. Isso não pode ser tolerado.
Após a revelação do caso, em algum momento, a senhora se sentiu descredibilizada?
Não, de forma nenhuma. Não que chegasse diretamente a mim. Pelo contrário, eu fui muito acolhida, recebi várias ligações. Tinham pessoas que me atacavam na rua, ou que me xingavam em páginas ou nas redes sociais sem eu ter falado. A descredibilidade vem muito de fora. Mas no meu círculo é das pessoas que eu precisava.
O que o governo tem feito para melhorar as políticas de proteção e denúncia de vítimas de assédio?
Existem diversos canais para que as mulheres possam cada vez mais denunciar, se sentirem seguras. Mas a gente está vendo claramente que não são suficientes, porque se há 30 milhões de mulheres que ainda passam por isso, e que não se sentem à vontade para denunciar, um papel importante do governo é fazer com que esses canais funcionem. Para além das palavras das vítimas ou das provas, esses canais precisam garantir que as mulheres sejam seguras para denunciar e após denunciar.
Ainda há poucas mulheres negras na política. Como mudar isso?
Esse meio político nunca foi visto para nós mulheres. Mas eu acho que tem um movimento crescente, que ainda é insuficiente, de mulheres nesse espaço. Quanto mais diversos forem esses espaços, quanto mais de nós chegarmos nesses espaços e permanecermos, melhor. É se colocar à disposição dessa luta. Uma das últimas frases que a minha irmã (Marielle Franco) falou para mim 24 horas antes dela morrer era um comentário sobre uma foto nossa na igreja de São Jorge que eu tenho até hoje: ‘Isso aqui é para você não esquecer da nossa força’. Então, todas as vezes que vejo uma política sendo feita apenas por homens, lembro da minha maior perda, e eu lembro depois de todas as violências passadas. Vou brigar por esses espaços.
O PT, seu partido, perdeu espaço nestas eleições municipais. Como vai ser a sua atuação no segundo turno?
Eu me coloquei à disposição da Maria do Rosário (candidata do PT em Porto Alegre), da Natália Bonavides (candidata do PT em Natal), do Guilherme Boulos (candidato do PSOL em São Paulo) e do Rodrigo Neves (candidato do PDT em Niterói). A agenda está sendo construída. Talvez, no final de semana, faça uma caminhada com o Rodrigo (Neves, candidato à prefeito de Niterói, no Rio de Janeiro).
Quais seus planos para a eleição de 2026?
Vou colocar meu nome à disposição. Tenho algumas vontades políticas. É uma construção coletiva com o partido (PT), com o presidente e com o estado (Rio). Mas é cedo para dizer concretamente o que vai ser e como.