De acordo com a Folha de S. Paulo, oO marqueteiro João Santana ainda tem que prestar serviços à comunidade. O empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, permanece em regime domiciliar. O ex-deputado Pedro Corrêa precisa de autorização judicial até para ir se vacinar contra a Covid.
Delatores da agora esvaziada Lava Jato se tornaram uns dos poucos acusados que ainda cumprem restrições em decorrência de processos da operação, que tem sofrido uma série de derrotas nos tribunais, com a anulação de casos.
Se anos atrás a possibilidade de sair da prisão com acordo de colaboração era vista como atraente —quase uma regalia pós-confissão— diante da sombria perspectiva de anos nas cadeias do Paraná, agora a situação se inverteu.
Ex-presos que não fecharam acordo e conseguiram habeas corpus hoje permanecem praticamente sem maiores limitações, enquanto os delatores ainda amargam as consequências dos compromissos firmados quando a Lava Jato parecia invencível.
Os ex-deputados Eduardo Cunha (MDB) e José Dirceu (PT), por exemplo, aguardam em liberdade o julgamento de recursos contra suas condenações e voltaram a atividades políticas. Os dois fizeram turnês de lançamento de livros de memórias.
Isso porque seus processos foram anulados ou estão longe de ter uma decisão definitiva. Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal entende que a prisão de condenados só deve ocorrer quando não houver mais recursos pendentes nas cortes superiores.
Com a eclosão da pandemia da Covid-19, em 2020, vários dos que ainda permaneciam presos conseguiram o direito de deixar o regime fechado.
Com a operação no ostracismo —sua força-tarefa foi extinta em fevereiro—, suas antigamente frequentes prisões preventivas deixaram de ser feitas. Somado a isso, tem ocorrido uma série de anulações de antigas sentenças da operação. O ex-juiz Sergio Moro foi declarado parcial em sua atuação relacionada ao ex-presidente Lula (PT).
O único nome de expressão nacional que está detido até hoje é o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB), condenado no Paraná e no Rio de Janeiro.
No auge da operação, os acordos de colaboração firmados frequentemente previam a saída da cadeia com o pagamento de multas, mas mediante uma série de imposições, como período de prisão domiciliar ou recolhimento noturno e uso de tornozeleira.
A fórmula despertava críticas das defesas dos não delatores, que viam possível estímulo a depoimentos falsos e benefícios sem previsão na legislação brasileira. Lula, em 2017, afirmou que os delatores recebiam um prêmio “para conviver com a riqueza que roubaram”.
Os acordos forneciam aos investigadores provas em escalas inéditas até então, abriam novas frentes de apuração e se tornaram uma das chaves à época do sucesso da operação.
Hoje, mesmo aqueles que já cumpriram os períodos determinados de regime domiciliar ou aberto geralmente ainda têm que cumprir obrigações de longo prazo, como prestar contas de suas atividades à Justiça.
Pode parecer mera burocracia, mas, com o delator Ricardo Pessoa, da empreiteira UTC, houve até advertência de um juiz do Paraná por falta de cuidado e de detalhamento nesses relatórios.
“Deve compreender a descrição das atividades realizadas, de modo pormenorizado, com a especificação não apenas da data, mas também do horário e a indicação detalhada dos atos e pessoas envolvidas nas atividades”, escreveu a ele em 2020 o magistrado Danilo Pereira Júnior.
Um dos principais políticos que viraram delatores, o ex-ministro de governos do PT Antonio Palocci só agora recebeu autorização para retirar a tornozeleira eletrônica.
Ele deixou o regime fechado há três anos e só conseguiu o benefício de tirar a tornozeleira na última quinta-feira (23), porque o Superior Tribunal de Justiça decidiu anular condenação que ele havia sofrido em 2017. Palocci, diferentemente de outros delatores, firmou acordo de colaboração com a Polícia Federal.
É incerto até o momento, porém, o efeito sobre os acordos de réus delatores na anulação de outras sentenças da operação nos tribunais superiores. É possível que eventuais renegociações sejam definidas caso a caso.
Além das restrições e das indenizações, os acordos de colaboração também preveem que permaneça a cooperação e depoimentos em processos e investigações.
O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, que não chegou a ser preso, se comprometendo a devolver US$ 97 milhões, terá que comparecer semestralmente ao juízo até 2031, segundo os documentos da Justiça.
Um dos condenados colaboradores da Odebrecht, o ex-executivo Alexandrino de Alencar, tido como elo da empreiteira com Lula, se queixou em petição em setembro da “excessiva onerosidade da sanção” pactuada em seu acordo, firmado em 2016, e mencionou a anulação de uma das sentenças neste ano.
A Justiça Federal também tem cobrado os custos do monitoramento eletrônico dos delatores, como o operador Jorge Luz, a doleira Nelma Kodama e o ex-executivo da OAS Agenor Franklin Medeiros.
Para Medeiros, que chegou a ser condenado no mesmo caso de Lula, o do tríplex de Guarujá (SP), o recolhimento domiciliar noturno e aos fins de semana irá até 2024.
No caso de Jorge Luz, considerado o decano dos lobistas na Petrobras, a conta da tornozeleira por ano é de R$ 1.850.
O marqueteiro Santana só em outubro deste ano obteve autorização para encerrar o recolhimento noturno e o monitoramento eletrônico. Ele interrompeu a prestação de serviços à comunidade durante a pandemia da Covid-19.
Desde abril, Santana é o principal nome da equipe de comunicação do presidenciável Ciro Gomes (PDT) para a campanha de 2022. Antes, o publicitário havia coordenado o marketing das candidaturas petistas a presidente de 2006 a 2014 e chegou a ficar quatro meses preso no Paraná. Recebe do PDT remuneração de cerca de R$ 250 mil mensais.
Nesta campanha, terá como um dos alvos o juiz que o mandou prender, Moro, recém-filiado ao partido Podemos.
Só na Lava Jato no Paraná, foram firmados mais de 200 acordos de colaboração premiada desde 2014, primeiro ano da operação.
Procuradores afirmam que, com a decisão do Supremo sobre a prisão de segunda instância e com as mudanças na regulamentação das delações, que entraram em vigor em 2019, a motivação para mais acordos caiu, afetando novas investigações.