Em agosto de 2022, André Janones declarou que estava “ciente dos riscos” de entrar na campanha de Lula. Talvez tenha faltado perguntar se o petista também conhecia os riscos de aceitar o apoio.
Deputado do baixo clero, Janones se apresentava conforme a coluna de Bernardo Mello Franco, do O Globo, como um mago das redes. Com milhões de seguidores, prometia ajudar a esquerda a equilibrar a briga no ringue virtual, onde o bolsonarismo vencia de lavada.
O parlamentar já era visto como um personagem controverso. Fazia discursos coléricos, xingava adversários e era capaz de espalhar mentiras descaradas para engajar a audiência.
“Estou pregando que façamos um bolsonarismo reverso. Tenho feito muito isso nas postagens do Carlos e do Eduardo: usar os mesmos métodos que eles”, tuitou, ao ser cobrado por propagar notícias falsas, segundo Bernardo Mello Franco.
Como Lula venceu a eleição, os questionamentos sobre o jogo rasteiro ficaram para trás. Até que Janones se viu obrigado a explicar outra semelhança com as práticas do clã Bolsonaro.
Em gravações reveladas pelo portal Metrópoles, o deputado foi flagrado cobrando parte dos salários de assessores. Argumentou que seu patrimônio teria sido “dilapidado” na política.
“Acho justo que essas pessoas também participem comigo da reconstrução disso”, disse, referindo-se aos funcionários pagos com dinheiro público. “Então, não considero isso uma corrupção”, acrescentou.
A conversa não colou com a Procuradoria-Geral da República, que pediu a abertura de inquérito no Supremo. Em fevereiro, o ministro Luiz Fux mandou quebrar os sigilos bancário e fiscal do deputado. Afirmou ver “indícios de possível prática criminosa” em seu gabinete.
Com o mandato em risco, Janones acaba de encontrar um defensor na Câmara. O deputado Guilherme Boulos pediu o arquivamento do pedido de cassação. Alegou que os fatos seriam anteriores à posse do colega em Brasília.
A tese vai de encontro aos áudios de Janones. No dia em que pediu dinheiro aos assessores, ele afirmou que teria sessão mais tarde em plenário.
Pré-candidato a prefeito de São Paulo, Boulos parece ter criado uma armadilha para si mesmo. Se as acusações forem comprovadas, os rivais poderão acusá-lo de encobrir um escândalo de rachadinha para proteger um aliado.
O deputado do PSOL foi sorteado no Conselho de Ética, mas não precisava aceitar a relatoria do caso. Talvez tenha faltado alguém para perguntar se ele estava ciente dos riscos.