Trechos teriam sido copiados sem créditos devidos de relatório da CVM e de outros textos acadêmicos. Suspeita surge um dia após o reitor de universidade argentina desmentir que Decotelli tenha título de doutor. O novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, é suspeito de lançar mão de plágio em seu trabalho de mestrado na FGV. A suspeita surgiu neste sábado (27/06), um dia após o reitor de uma universidade argentina negar que o professor tenha título de doutor da instituição, como Decotelli sustentava, já que ele teve sua tese de doutorado reprovada.
Decotelli é acusado de copiar outras obras sem dar os créditos devidos, ao escrever sua dissertação de mestrado, defendida em 2008 na FGV.
Indícios de plágio foram encontrados pelo professor universitário Thomas Conti, Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), que afirma que a dissertação de Decotelli contém passagens inteiras de um relatório administrativo do Banrisul na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sem qualquer tipo de citação ou referência bibliográfica.
Conti divulgou o achado em sua conta no Twitter, onde publicou trechos comparando a dissertação e o relatório da CVM.
O professor universitário afirmou à revista Época que decidiu investigar o mestrado do novo ministro depois de ver discrepâncias no resumo em inglês da dissertação exibido numa foto do texto postada nas redes sociais.
Ao pesquisar por trechos no Google, ele achou semelhanças com o relatório da CVM. Numa comparação dos dois documentos através de um software, foram encontradas 4.200 palavras idênticas, o correspondente a 12,6% do material.
Uma reportagem do UOL apurou que o trabalho de mestrado do ministro da Educação contém outros quatro trechos copiados de dissertações de mestrado e de textos acadêmicos.
As passagens em questão, segundo a colunista do portal Constanza Rezende, não estão entre aspas, algo obrigatório em trabalhos acadêmicos no caso de citações. Também não há referência imediata aos autores dos textos originais, que só são citados na bibliografia, ao final do trabalho da monografia.
Nesta sexta-feira, Decotelli alterou seu currículo disponível da plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), após o reitor da Universidade Nacional de Rosario, na Argentina, Franco Bartolacci, revelar que o ministro não tem título de doutor, já que a tese dele foi reprovada.
O currículo de Decotelli trazia originalmente a informação de que ele tem doutorado na universidade argentina, concluído em 2009 com a tese Gestão de Riscos na Modelagem dos Preços da Soja, sob orientação de Antonio de Araujo Freitas Jr. Nesta sexta, o título da tese e o nome do orientador foram apagados. O campo “Título” foi preenchido com “créditos concluídos”. E, no espaço “orientador”, passou a constar: “sem defesa de tese”.
Decotelli é a mais recente autoridade brasileira envolvida numa controvérsia sobre currículos acadêmicos. No ano passado, o site The Intercept Brasil apontou que o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) assinou um artigo num jornal em 2012 como se tivesse um mestrado na prestigiada Universidade Yale, dos EUA. Ao longo de anos, a informação foi repetida por diversos veículos de imprensa. No entanto, o ministro nunca obteve qualquer título na instituição americana. Salles afirmou que o erro original partiu da sua assessoria.
Em 2019, o governador fluminense Wilson Witzel também foi acusado de maquiar seu currículo, indicando que teria estudado em Harvard, nos EUA. Após ser confrontando com o fato de que não havia registros que apontassem qualquer ligação dele com universidade, Witzel disse que mencionou Harvard porque tinha a intenção de estudar lá, mas que os planos foram cancelados após sua eleição. Ele não explicou por que chegou até mesmo a colocar o nome de um orientador americano no currículo lattes.
Indicação
Carlos Alberto Decotelli da Silva, de 67 anos, foi indicado para o cargo de ministro da Educação com aval da ala militar do governo e apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes.
O anúncio ocorreu uma semana depois da saída de Abraham Weintraub, que deixou a chefia do MEC após se envolver em disputas desgastantes com o Supremo Tribunal Federal (STF) e controvérsias envolvendo acusações de racismo.
Sua indicação também está inserida numa nova estratégia do governo Bolsonaro para tentar diminuir a tensão com outros poderes, em meio ao avanço das investigações que envolvem a família do presidente e parlamentares bolsonaristas, em casos que vão de suspeita de corrupção até a propagação de fake news e organização de atos antidemocráticos.
Apesar de Decotelli ser conservador, há alguma expectativa de que ele pelo menos venha a adotar um estilo menos explosivo do que o de Weintraub, que acabou gerando problemas para o governo. “Não tenho nem preparação para fazer discussão ideológica, minha função é técnica”, disse o novo ministro em entrevista ao jornal O Globo.
O novo ministro também tem um perfil bastante distinto dos seus dois antecessores no MEC, Weintraub e Ricardo Vélez Rodríguez, indicados pelo guru ultraconservador Olavo de Carvalho, que exerce forte influência sobre os filhos de Jair Bolsonaro. A própria substituição de Vélez se deu mais por conta de disputas fratricidas entre “olavistas” do que pela gestão ineficiente do ministro.
Por outro lado, mesmo nomes que chegaram a ser propagandeados inicialmente como “técnicos” ao longo da gestão de Bolsonaro acabaram por vezes tendo que adotar a cartilha bolsonarista de confronto.
Por enquanto, os olavistas têm se mantido em silêncio sobre a perda de espaço no comando do MEC. Alguns integrantes dessa ala ainda continuam na pasta, apesar da saída de Weintraub, como Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização. Ainda não se sabe como eles pretendem se comportar.