Em mais um revés para a Lava-Jato, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) beneficiaram na terça-feira dois personagens emblemáticos condenados no âmbito das investigações. Em uma frente, o ministro Dias Toffoli anulou todos os atos da 13ª Vara Federal de Curitiba contra Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, atual Novonor, quando o ex-juiz Sergio Moro estava à frente da operação. Na outra, a Segunda Turma da Corte considerou extinta uma pena imposta ao ex-ministro José Dirceu por corrupção passiva devido à prescrição. A decisão facilita a recuperação de seus direitos eleitorais já para 2026.
Toffoli determinou ainda o trancamento de todos os procedimentos penais instaurados contra o empresário, mas ressaltou que a anulação não engloba o acordo de delação premiada firmado por Marcelo Odebrecht sobre o esquema de pagamento de propina por empreiteiras durante a operação. O empresário confirmou a existência, na companhia que levava o nome de sua família, de um esquema de corrupção que implicava políticos de diferentes partidos.
A determinação ocorre meses após Toffoli também suspender os pagamentos do acordo de leniência de R$ 3,8 bilhões firmado pela Novonor com a Lava-Jato e invalidar as provas do caso, no qual a empresa admitiu crimes e forneceu informações que impulsionaram a operação. A empreiteira confessou corrupção em 49 contratos de obras e empreendimentos públicos entre 2006 e 2014. A suspensão das multas abriu caminho para outras empresas protagonistas da Lava-Jato acionarem a Justiça contra suas condenações.
Diálogos vazados
Na decisão de terça-feira, o ministro considerou que os integrantes da força-tarefa, atuando em conluio, ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos pessoais e políticos, com base nos diálogos obtidos por meio da Operação Spoofing. As mensagens foram captadas ilegalmente pelo hacker Walter Delgatti Neto no caso que ficou conhecido como Vaza-Jato.
Em relação aos atos contra Marcelo Odebrecht, o ministro aponta ameaça dirigida a seus familiares, a necessidade de desistência do direito de defesa como condição para obter a liberdade e a pressão retratada por seu advogado “fartamente demonstradas em mensagens extraídas na Operação Spoofing”.
Para Toffoli, os diálogos atestam que magistrado e procuradores de Curitiba desrespeitaram o devido processo legal, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência.
“Diante do conteúdo dos frequentes diálogos entre magistrado e procurador especificamente sobre o requerente, bem como sobre as empresas que ele presidia, fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático”, concluiu Toffoli.
Marcelo Odebrecht foi condenado por Moro, em março de 2016, a 19 anos de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. O empresário ficou preso por dois anos e meio, em Curitiba, e teve direito à prisão domiciliar no fim de 2017. Em abril de 2022, o ministro Edson Fachin, do STF, reduziu de 10 anos para 7 anos e meio a pena de prisão prevista pelo acordo de delação premiada negociado pelo empresário com os procuradores.
Toffoli destacou ainda que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em recente relatório de correição realizada pelo ministro Luís Felipe Salomão, na qualidade de Corregedor-Nacional de Justiça, revelou gestão considerada caótica dos recursos oriundos da Operação Lava-Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba. O ministro também registrou em decisão que “o estudo mais aprofundado” da troca de mensagens entre Ministério Público e a vara de Sergio Moro “revelou um complexo sistema de captura do Poder Judiciário e do Ministério Público para o desenvolvimento de projetos pessoais e políticos”.
A decisão tem efeitos imediatos e só será alvo de análise no futuro se houver um recurso. Se isso acontecer, o tema pode voltar a ser analisado pela segunda turma do STF.
Cálculo da prescrição
Já a decisão que extinguiu a pena de José Dirceu foi tomada por três votos a dois. Os ministros da Segunda Turma não analisaram se Dirceu cometeu ou não o crime, mas se ainda poderia ser punido por ele quando foi condenado.
A prescrição da corrupção passiva ocorre 12 anos após a ocorrência do crime, mas o prazo cai pela metade quando o réu tem mais de 70 anos, caso de Dirceu na época de sua condenação. Houve discordância em torno de quando o ato ilícito no caso teria ocorrido: quando a propina foi solicitada (em 2009), cenário em que o prazo já teria passado, ou recebida (até 2012). Prevaleceu a primeira posição.
No caso em questão, o ex-ministro foi condenado em 2017 pelo então juiz Sergio Moro (hoje senador) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pela acusação de ter recebido propina em um contrato da Petrobras. No ano seguinte, a decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Já o julgamento do processo que levou à extinção da condenação no STF começou em 2021, no plenário virtual. O relator, Edson Fachin, votou para rejeitar o pedido da defesa, e foi acompanhado por Cármen Lúcia e, com ressalvas, por Gilmar Mendes. Na época, Ricardo Lewandowski (hoje aposentado do STF e ministro Justiça) pediu destaque.
A análise foi reiniciada no ano seguinte em uma sessão física, com Lewandowski abrindo divergência. Nunes Marques e Gilmar — que alterou seu voto — acompanharam na terça-feira essa posição, formando a maioria.
— Vê-se que entre a consumação do crime, 16 de outubro de 2009, e o recebimento da denúncia, em 29 de junho de 2016, passaram-se mais de seis anos, ocorrendo, portanto, a extinção da punibilidade do crime de corrupção passiva em razão da prescrição — afirmou o ministro Nunes Marques.
Para Dirceu recuperar a elegibilidade ainda é preciso derrubar outra condenação da Lava-Jato, com recurso para ser analisado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No âmbito de processos da operação, Dirceu foi preso em 2015, 2018 e 2019 e foi solto três vezes por decisões do STF.
O ex-ministro disse na terça ao GLOBO que deve decidir no segundo semestre de 2025 se concorrerá a uma vaga na Câmara por São Paulo. Antes, o ex-ministro diz que pretende se envolver na articulação política das eleições municipais e no processo de sucessão de Gleisi Hoffmann no comando do PT. O mandato dela à frente da legenda termina em fevereiro de 2025.
— Vou consultar o presidente Lula e direção do PT, não posso tirar da minha cabeça que sou candidato. Tenho dito que até por justiça eu mereço voltar para a Câmara dos Deputados, mas quem vai decidir isso é o povo de São Paulo.