A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso que manteve com o ministro Kassio Nunes Marques a investigação sobre o esquema de desvio de emendas comandado pelo “Rei do Lixo” aliviou a pressão segundo a colunista Malu Gaspar, do O Globo, sobre a Corte em um processo que é visto como um barril de pólvora no Congresso. Mas ainda não foi capaz de eliminar o que alguns dos integrantes da cúpula – em especial o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) – veem como séria ameaça.
O pedido da Polícia Federal era para que o caso ficasse com Flávio Dino, relator de uma ação sobre emendas parlamentares que vive um embate com o Parlamento para dar mais transparência e rastreabilidade à destinação dos recursos. Essa possibilidade apavorava deputados e senadores, que consideram Dino um inimigo. Já Kassio Nunes Marques é visto como aliado que poderá agir com mais benevolência com os políticos – a ponto de ser conhecido no Judiciário como um membro do Centrão no STF.
A investigação da PF, batizada de Operação Overclean, começou na Bahia em torno do desvio de verbas de emendas para obras e programas do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), mas acabou encontrando a evidências ainda segundo a colunista do O Globo, da participação do deputado Elmar Nascimento (União Brasil) no esquema.
Como Elmar tem foro privilegiado, o caso foi remetido ao Supremo em janeiro, com o pedido da PF e a recomendação do juiz federal da Bahia para que ficasse com Dino por ter ligação com a ação que já está com ele. Mas o ministro Edson Fachin, que estava de plantão, considerou que não havia relação entre os dois casos.
A PF recorreu e argumentou que, além de terem um objeto em comum – as emendas – um episódio conecta as duas investigações.
De acordo com a PF, o empresário José Marcos de Moura, o “Rei do Lixo”, fretou às pressas um jato no dia 2 de dezembro, assim que Dino liberou o pagamento de emendas, desde que cumprissem exigências de transparência.
No dia 3, seus sócios no esquema que desviou mais de R$ 1,4 bilhão embarcaram na aeronave que ia de Salvador para Brasília com três malas e duas mochilas, com R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo.
Mas o avião foi interceptado pela PF e o Rei do Lixo e seus aliados foram presos preventivamente – mas acabou solto depois por decisão de uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
A PF acredita que o grupo queria aproveitar a “janela de oportunidade” para liberar o máximo de recursos antes do final do ano, driblando os critérios de Dino. O dinheiro seria usado no pagamento de propina a funcionários públicos e deputados.
O episódio, porém, não foi considerado nem no parecer do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e nem na decisão de Barroso.
“A Overclean tenta mapear a relação entre empreiteiras, agentes públicos e políticos após a execução das obras, enquanto a investigação de Dino aborda diretamente os mecanismos de influência e manipulação na destinação inicial das emendas. Isso torna as investigações interdependentes, com potencial para produzir provas e insights mutuamente benéficos”, escreveu Barroso.
Com a decisão, a investigação fica com Kassio Nunes. Mas isso não quer dizer que os parlamentares envolvidos com desvio de dinheiro de emendas podem se considerar 100% seguros.
Isso porque as investigações continuam sob o comando da PF da Bahia, e há pilhas de celulares, pen drives e HDs que foram apreendidos mas nem sequer foram periciados. Ficaram intactos, à espera do destino do processo.
Uma das pistas que os investigadores ainda vão seguir tem a ver com a atuação da chefe de gabinete de Davi Alcolumbre, Ana Paula Magalhães de Albuquerque Lima, para liberar emendas que serviriam para pagar as empresas do “Rei do Lixo”. Para cada parlamentar que se enredar no caso, será aberta uma nova investigação. E a depender do que as investigações revelarem, vai ficar cada vez mais difícil acabar com o processo, ou jogar as provas para debaixo do tapete.