O debate entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) na noite deste sábado, realizado pela TV Record e pelo jornal Estado de S.Paulo, foi marcado por uma intensa troca de acusações entre os candidatos que resgataram investigações criminais e processos judiciais antigos de ambos. O ‘apagão’ que atingiu São Paulo também foi motivo de discussões. Foi o segundo debate do segundo turno da disputa à prefeitura de São Paulo do qual os dois participam, já que Nunes já faltou a dois eventos do tipo.
Nunes apostou o tempo todo em fazer colar no adversário a pecha de “extremista” e “agressivo”, lembrando sua trajetória no Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e “invasões a Fiesp”, enquanto Boulos acusou o emedebista de “fazer esquemas” na prefeitura, o desafiou a “abrir o sigilo” e lembrou “tiros na boate” na década de 1990, acusando o prefeito de se recusar a responder suas perguntas. Outro caso citado por Nunes por repetidas vezes foi um processo de 2017, em que Boulos teria se envolvido em um acidente de trânsito, e que seu pai teria pagado o conserto do carro atingido.
Os dois candidatos apresentaram algumas propostas nas áreas da saúde, transporte público, educação e empreendedorismo, mas elas ficaram em segundo plano e o destaque foram mesmo as acusações e tentativas de desidratar o opositor. Em relação aos padrinhos, o presidente Lula (PT) foi trazido à baila por diversas vezes por Boulos, enquanto Nunes citou Jair Bolsonaro (PL) apenas uma vez e pouco lembrou do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Por conta das acusações, o embate teve cinco direitos de resposta — três para o emedebista, dois para o psolista.
Ao se dirigirem ao eleitor, nas considerações finais do debate, Nunes se colocou como um candidato “com experiência e equilíbrio”, enquanto Boulos disse ser “o candidato da mudança”, focando inclusive naqueles eleitores que votaram em Pablo Marçal (PRTB) e Tabata Amaral (PSB) no primeiro turno.
Apagão gera acusações
O apagão em São Paulo que começou no final de semana passado, atingindo 3 milhões de consumidores, e se estendeu ao longo dos últimos dias, virou um dos principais motivos de troca de acusações entre os dois candidatos, com Boulos tentando fazer colar em Nunes a culpa pelo evento e o prefeito tentando empurrar a responsabilidade do problema para a distribuidora Enel.
— A mãe do apagão é a Enel, mas o pai do apagão é o Ricardo Nunes que não fez o básico, que é a poda e o manejo de árvores. Eu tenho um documento em que a prefeitura assume a responsabilidade de manejo e retirada de árvores próximas dos fios elétricos. Por que você não assumiu a responsabilidade e foi culpar o Lula pelo apagão? — afirmou o psolista.
Já Nunes respondeu que a concessão de energia elétrica é do governo federal e acusou o deputado de trazer “mentiras” sobre o tema.
— Esse documento, a que o deputado se refere é o convênio que diz que as árvores que têm contato com a fiação é a Enel quem tem que fazer essa manutenção. O que ele está falando é da remoção, é muito ruim você trazer a mentira para as pessoas. A concessão, fiscalização e regulação da Enel e das empresas de energia no Brasil inteiro é do governo federal, é do ministro de Minas e Energia. Eles ficam defendendo a Enel — falou.
Máfia das Creches e PCC
Boulos e Nunes seguiram boa parte do primeiro bloco com intensa troca de acusações. O psolista, por exemplo, citou temas como a máfia das creches e o caso de um servidor que já foi cunhado de uma liderança do Primeiro Comando da Capital (PCC). Nunes citou novamente a ‘máfia da raspadinha’ envolvendo o deputado André Janones (Avante-MG), indiciado pela Polícia Federal.
Uma reportagem do portal UOL revelou que Eduardo Olivatto, chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb), é ex-cunhado de Marcos Willians Herba Camacho, o Marcola, apontado como a liderança máxima da facção criminosa. A irmã de Olivatto foi mulher de Marcola, mas ela morreu em 2002.
Nunes tem dito que o servidor é funcionário de carreira e foi nomeado na gestão de Luiza Erundina. Já o caso da máfia das creches é investigado pela Polícia Federal, que apura o possível envolvimento do prefeito nos desvios.
Discurso ideológico
Nunes, buscando temas ideológicos, perguntou ao adversário se ele já foi a favor da liberação das drogas, da legalização do aborto, do fim da Polícia Militar e trouxe à tona o caso da “rachadinha” de André Janones (Avante-MG), em que Boulos votou pelo arquivamento no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
— Em relação a polícia, eu defendo o modelo de polícia que dá certo na Europa, que trata o crime com rigor e que trata igual quem mora na periferia e no centro. Com relação às drogas, você tem dificuldade de separar quem é traficante e quem é dependente. Você que está em casa, acredita que o dependente químico precisa ser preso? Não, ele precisa ser tratado. Em relação ao aborto, eu defendo a lei. Aliás, os partidos do seu lado defendem o PL do estupro. Você tem o Eduardo Olivatto, cunhado do Marcola, liderando gabinete de obras na sua gestão. Você abre seu sigilo para mostrar que você é honesto? — questionou Boulos, pergunta que repetiu por diversas vezes.
Já Nunes disse que quem tem que abrir o sigilo é o Movimento dos Trabalhadores do Sem Teto e o deputado Janones.
— Você, como deputado federal, passou pano e institucionalizou a rachadinha. Você foi para Brasília para fortalecer a corrupção. Você foi o relator que livrou o Janones, que moral que você tem para querer fazer pedido de abertura de conta, você não tem tamanho para isso? — questionou o emedebista, em seguida leu um parecer de um promotor do Ministério Público de São Paulo que diz que Boulos fugiu da intimação judicial por seis anos, até que o caso prescrevesse.
Em 2012, Boulos foi acusado de “dano qualificado”, que teria sido cometido durante o processo de reintegração de posse na Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, São Paulo.
Segundo apuração do jornal por meio de documentos, relatos e entrevistas antigas, Boulos foi detido três vezes quando era militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
— Trabalhei desde muito cedo, nunca tive inquérito nem condenação. No meu governo reforcei ações da controladoria, não tenho compromisso com nada de errado. Tolerância zero com corrupção. Você tem história de vida de invadir, depredar — disse Nunes, enfatizoando que teve uma “vida limpa”.
Boulos disse que “Ricardo Nunes falando de corrupção é como o casal Nardoni falando em cuidar dos filhos”, em referência ao assassinato da menina Isabella Nardoni, de cinco anos, jogada do sexto andar de um edifício. Em direito de resposta, Nunes rebateu.
— Sabem quantas vezes o Boulos foi condenado? Dezessete, só agora no segundo turno. A Justiça o condenou 17 vezes por criar mentiras e fake news. Ele virou craque em inventar mentiras – disse Nunes.
Em outro momento do debate, Nunes retomou a menção ao caso Isabella Nardoni, e se solidarizou com a mãe da menina, Ana Carolina Jatobá. Já Boulos se defendeu atacando, ao chamar o atual prefeito de “fraco”.
— Vocês percebem como é maquiagem pura? Quero apontar para vocês esse risco. Quando temos um prefeito fraco, que é fantoche dos outros, que não tem vontade própria e atende outros interesses, a cidade sofre. Assim a milícia entrou no Rio de Janeiro. O crime organizado já entrou nos ônibus em São Paulo. Um prefeito fraco pode ser perigoso para cidade – disse Boulos.
Crianças brincando na Sé
Perguntado se andaria nas ruas do Centro de São Paulo à noite com tranquilidade, Nunes afirmou que foi recentemente à Praça da Sé às 22h e viu “crianças brincando”. E aproveitou para atacar o concorrente, ao dizer que seu partido votou contra algumas medidas relacionadas ao enfrentamento do crime. Em tom de deboche, Boulos respondeu que o atual prefeito sequer fica vermelho ao dizer tanta mentira.
— Olha a ficção que ele monta. Alguém que não consegue assumir responsabilidade não pode liderar a principal cidade da América Latina. Para fugir disso, ele ataca, e não consegue responder uma questão. Você se sente seguro andando com celular nas ruas? – devolveu Boulos.
Extremista e tiros para o alto
Nunes apostou em tentar colar no concorrente a pecha de “extremista” e “agressivo”, citando que ele “depredou o prédio da Fiesp” e seria “a favor da bandidagem”.
Já Boulos citou um caso em que Nunes deu tiros para o alto na frente de uma boate em 1996, na Grande São Paulo.
— A gente sabe e conhece a personalidade de Guilherme Boulos. Sempre agressivo, extremista — falou Nunes.
Já Boulos rebateu:
— Ele me acusa de extremista por defender famílias sem teto, por lutar com as pessoas. O Ricardo Nunes foi preso porque deu tiros numa boate. Por que para você quem luta junto com famílias sem teto é extremista, e quem dá tiro para cima em boate é bom cidadão?
Em setembro de 1996, quando Nunes tinha 28 anos, ele deu tiros para cima na frente do Caipirão, uma casa noturna em Embu das Artes, na Grande São Paulo. Ele foi conduzido para a delegacia, onde assinou um termo circunstanciado e foi liberado.
Saúde no foco
No tema saúde, Boulos perguntou a Nunes se quem procura hoje uma unidade de saúde em São Paulo encontra remédios. Nunes rebateu, e disse que na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), aliado de Boulos, ele cumpriu só um dos dez itens do plano de metas, fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Município.
Boulos reagiu, e afirmou que o marqueteiro do concorrente o treinou para mentir descaradamente. Boulos ainda questionou Nunes sobre como ele avalia o fato de o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não ter tomado a vacina contra Covid durante a pandemia. Nunes se esquivou e não respondeu.
Privatizações
Questionado por uma jornalista sobre quais as garantias para a população de que a Sabesp, agora privatizada, entregará um bom serviço, Nunes afirmou que o contrato prevê a universalização do serviço de água e esgoto até 2029 – ou seja, que a Grande São Paulo terá 100% de esgoto tratado em cinco anos. Boulos aproveitou o tema para fazer um paralelo com a Enel.
— O mesmo discurso sobre a Sabesp, os aliados faziam quando era a Enel. A Sabesp pode virar a Enel da água, pela coisa irresponsável de entregar ela de qualquer jeito. Se faltar luz é esse sacrifício, imagina água. Ai, quando tem problema, ele veste coletinho para dizer que está trabalhando, e só porque estamos em eleição – disse Boulos.
Transporte público e crime organizado
O tema da criminalidade foi frequente no debate, menos pela discussão de pautas sobre segurança pública, e mais pelas trocas de acusações entre os dois. Boulos acusou Nunes de ser “conivente com o crime organizado no sistema de transporte”, fazendo referência a Operação Fim da Linha, em que o Ministério Público mirou empresas de ônibus suspeitas de lavar dinheiro para o PCC. O prefeito se defendeu dizendo que foi ele quem fez a intervenção na Upbus e Transwolff, as duas empresas investigadas no inquérito.
Boulos questionou Nunes por que ele foi visitar a Upbus, um dia após a operação, e na visita elogiou a empresa.
— Estamos falando de rabo preso, só pode ser isso. Hoje, o crime organizado está entrando na prefeitura de São Paulo por todos os lados, entrou pelas empresas de ônibus, entra com o cunhado do Marcola comandando as obras na prefeitura. É por isso que ele não abre o sigilo — falou.
Já Nunes disse que o crime organizado entrou no transporte público durante a gestão de Marta Suplicy, que regularizou as cooperativas de ônibus.
— Dois anos atrás, havia uma suspeita (de irregularidades nos ônibus) e eu pedi à Procuradoria do Município para ir até o Ministério Público. Eu fiz a intervenção na Transwolff e na Upbus, eu que fiz. A prefeitura de São Paulo é assistente de acusação, o maior interessado na apuração desse caso é a prefeitura — disse.
Diferença nas pesquisas
Boulos e Nunes chegam ao debate com uma diferença considerável nas pesquisas. O Datafolha divulgado na quinta (17) mostrou o atual prefeito com 51% das intenções de voto, contra 33% do psolista. Nunes teve uma oscilação negativa em relação ao levantamento da semana anterior, quando aparecia com 55%, enquanto Boulos permaneceu com os mesmo 33%. Brancos e nulos passaram de 10% para 14% em sete dias, e 2% dizem que ainda não sabem em quem votarão. A margem de erro do levantamento é de três pontos percentuais para mais ou menos.
O programa desta noite teve três blocos com rodadas de perguntas diretas entre os candidatos e também com questionamentos de jornalistas. No final, os candidatos se dirigiram diretamente aos eleitores. A mediação ficou a cargo do jornalista Eduardo Ribeiro, da TV Record.
O próximo e último debate antes da eleição será o da TV Globo, na próxima sexta-feira (25). Após um primeiro turno com recorde de debates, o segundo será finalizado com três, por pressão de Nunes: o candidato desde o início de mostrou contrário a muitos debates, e Boulos o acusou de “fugir”. O prefeito faltou ao debate realizado pelos jornais O Globo e Valor e pela rádio CBN, no dia 10, e ao realizado pela RedeTV! com o jornal Folha de S.Paulo e portal UOL, na última quinta (17). Nas duas ocasiões, Boulos foi sabatinado.