De shows para arrecadação de recursos, passando pela desinformação e alcançando o prazo da desincompatibilização de candidatos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem pela frente nos próximos meses uma série de definições para as eleições municipais de 2024 a partir de consultas formuladas por partidos, parlamentares ou órgãos oficiais.
Foram 16 pedidos apresentados neste ano segundo Daniel Gullino, do O Globo, e 13 ainda aguardam análise da Corte Eleitoral, que passa a ser presidida hoje pela ministra Cármen Lúcia. Ela substitui Alexandre de Moraes, que deixou o tribunal após quatro anos, sendo os dois últimos na presidência.
Nos últimos anos, decisões importantes ocorreram a partir de questionamentos como esses, incluindo os que garantiram divisão proporcional do fundo eleitoral e do tempo de rádio e TV para negros, mulheres e indígenas.
Entre os novos pedidos está um da Advocacia-Geral da União (AGU), que deseja saber como devem ser tratados casos em que propagandas eleitorais apresentem desinformação sobre políticas federais. A dúvida é se caberá à Justiça Eleitoral julgar tanto pedidos de remoção quanto ação de reparação de danos.
Já o deputado Leo Prates (PDT-MG) quer um detalhamento sobre quais shows são permitidos para a arrecadação de recursos. O TSE autorizou esses eventos musicais, incluindo com manifestação de “preferência eleitoral” dos artistas e discursos dos candidatos. O parlamentar pretende esclarecer, contudo, como deve ocorrer a declaração na prestação de contas.
Regra afeta ‘Conselhão’
Caso seja preciso declarar quanto custaria um show do mesmo artista no mercado, Prates considera que a realização de eventos ficaria inviabilizada em municípios pequenos, onde o limite de despesas dos candidatos é baixo:
— Eu quero saber se eu tenho que colocar o valor estimado do show, ou seja, quanto que a pessoa cobra, mesmo que ela não me cobre. Se você precisar declarar por valor estimado em municípios de baixo teto de gastos, não vale a pena você fazer.
Também há questionamentos sobre as regras de desincompatibilização. O deputado Odair Cunha (PT-MG) questiona se dirigentes sindicais com a intenção de concorrer nas eleições ainda precisam deixar os cargos em até quatro meses antes da disputa, após o fim da contribuição sindical.
Na mesma linha, a AGU perguntou se membros da sociedade civil que participam de colegiados vinculados ao Executivo precisam sair do cargo para concorrer nas eleições municipais. Isso pode influenciar, por exemplo, integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o “Conselhão”.
Outros temas também foram levantados. A deputada Simone Marquetto (MDB-SP) perguntou se é possível utilizar, no nome de urna, palavras que façam menções a empresas privadas. Já o Conselho Nacional de Saúde (CNS) quer saber se pode realizar conferências na campanha. O deputado Delegado Caveira (PL-PA), por sua vez, perguntou se, após um prefeito ser cassado, e ocorrer uma eleição suplementar, é possível o filho do ex-prefeito concorrer na eleição seguinte.
As consultas só podem tratar de situações abstratas, e não de casos concretos. Por isso, não podem ser citados nomes ou locais específicos. Isso impede que o TSE antecipe a análise de caso que possa a vir a julgar.
A advogada Bianca Gonçalves e Silva, que faz parte da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), afirma que o TSE pode não conhecer — ou seja, optar por não analisar — uma consulta, se considerar que a dúvida apresentada é específica demais, mesmo com a alegação de se tratar de um caso hipotético.
— Se o tribunal entender que parece que pode ser um caso concreto, ele não conhece. O tribunal não pode se antecipar a um caso que ele tenha que julgar — explica.
Questões repetidas
Também há muitos casos de ações não conhecidas pelo seu questionamento já ter sido respondido pelo próprio TSE ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Foi o que aconteceu, na última quarta-feira, no caso de uma solicitação apresentada pelo deputado federal José Nelto (PP-GO). Ele questionou se o cunhado de um prefeito já reeleito pode se candidatar à sua sucessão. Fez ainda um adendo: os dois são rivais políticos. A Constituição proíbe que parentes consanguíneos até o segundo grau de um titular do Executivo sejam candidatos. Nelto afirma que recebeu “vários pedidos” para realizar a consulta. O TSE já havia considerado que a candidatura era possível.
Também houve aval a outra situação. No início do ano, o deputado Eunício Oliveira (MDB-CE) perguntou se o filho ou a viúva de um prefeito reeleito, mas que morreu no segundo ano do segundo mandato, podem ser candidatos na eleição seguinte. O TSE considerou que a ação já havia sido respondida, com a liberação da candidatura. Dias antes de a consulta de Eunício ser analisada, em abril, o também deputado AJ Albuquerque (PP-CE) apresentou um questionamento quase idêntico.
Entre as decisões importantes tomadas a partir de consultas, também está a proibição do porte de armas no dia da eleição de 2022. Já em 2018, 2020 e 2024 foram definidas regras de distribuição proporcional de recursos e tempo de propaganda para mulheres, negros e indígenas, respectivamente, a partir de consultas de parlamentares.
As perguntas ao tribunal
Fake news: Advocacia-Geral da União (AGU) questionou a Corte sobre propagandas eleitorais com desinformação sobre políticas federais. A dúvida é se caberá à Justiça Eleitoral julgar tanto pedidos de remoção quanto ação de reparação de danos
Shows de arrecadação: o deputado Leo Prates (PDT-MG) pediu detalhamento sobre quais shows são permitidos para a arrecadação de recursos, modalidade autorizada pelo Tribunal. O parlamentar tem dúvida sobre a prestação de contas, que pode afetar municípios pequenos.
Desincompatibilização: o deputado Odair Cunha (PT-MG) questiona se dirigentes sindicais ainda precisam deixar os cargos em até quatro meses antes da disputa, após o fim da contribuição sindical. AGU questionou a desincompatibilização em colegiados como o “Conselhão”
Nome comercial na urna: a deputada Simone Marquetto (MDB-SP) perguntou ao TSE se a proibição de exibição de marcas comerciais, já definida pela Corte, estende-se ao uso de nomes na urna com palavras que contenham marca, sigla ou expressão de empresas privadas.
Casos de cassação: o deputado Delegado Caveira (PL-PA) perguntou se é possível que o filho de prefeito cassado pela Justiça Eleitoral, e tendo ocorrido eleições suplementares — onde sagrou-se outro vencedor —, poderá concorrer nas eleições seguintes.
Casos de morte: já o deputado AJ Albuquerque (PP-CE) perguntou à Corte se, caso um prefeito reeleito morra durante seu segundo mandato, há impedimento para que filho ou viúva concorra ou se configuraria terceiro mandato de um mesmo grupo familiar.