Além de inquéritos que correm nos tribunais superiores —como, por exemplo, a investigação das joias sauditas e o suposto envolvimento intelectual em atos golpistas —, Bolsonaro entrou na mira da Polícia Federal (PF) com a Operação Venire, que apura um esquema de inserção de dados falsos, no sistema do Ministério da Saúde, sobre a vacinação do ex-presidente contra a covid-19.
Na fraude dos cartões de imunização, o ex-ajudante de ordens do então presidente, tenente-coronel Mauro Cid — preso desde a última semana — é peça-chave. Segundo as investigações, teriam sido falsificados os certificados de vacinação de Bolsonaro e da filha caçula, hoje com 12 anos. O militar também teria obtido o documento irregularmente para si, a mulher e as filhas.
Cid também é investigado no inquérito que apura a propagação de notícias falsas por Bolsonaro. Em uma live realizada em outubro do ano passado, o ex-presidente relacionou a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) à vacina contra a covid-19. O tenente-coronel ajudou a produzir o material divulgado pelo então presidente e, por isso, também foi incluído no inquérito da PF.
Em outra polêmica, o militar auxiliou Bolsonaro a realizar o PowerPoint apresentado durante reunião com os embaixadores, no Palácio da Alvorada, no ano passado, na qual o ex-presidente atacou o processo eleitoral brasileiro. Cid ainda é alvo de uma investigação, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), por vazamento de dados sigilosos de um inquérito sobre ameaças às urnas eletrônicas.
O tenente-coronel trouxe à tona outra figura próxima de Bolsonaro: o major reformado do Exército Ailton Barros — também preso na Operação Venire. Era chamado pelo ex-presidente “Irmão 02”. Em mensagens interceptadas pela PF, ele diz saber quem foi o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, e também combina com Cid planos para um golpe de Estado.
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres é mais um nome ligado a Bolsonaro que está preso. Ele é suspeito de omissão na tentativa de golpe de 8 de janeiro — que culminou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes. À época, era responsável pela segurança pública do Distrito Federal. A PF encontrou na casa dele uma minuta que detalhava uma manobra para anular o resultado da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República.
Derrotas em série
Os últimos dias foram de expressivas derrotas para o bolsonarismo. Filho do ex-presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) está cada vez mais perto de responder criminalmente pela prática de “rachadinha” em seu gabinete na Câmara Municipal. O Ministério Público do Rio de Janeiro obteve um laudo que traz 688 depósitos bancários, feitos por seis funcionários nomeados pelo parlamentar, na conta de Jorge Fernandes, seu chefe de gabinete.
Ainda em família, Michelle Bolsonaro é citada no escândalo das joias de R$ 16 milhões. Ela disse que desconhecia o conjunto da marca de luxo Chopard apreendido pela Receita Federal, em Guarulhos (SP), mas admitiu ter recebido um segundo conjunto que os sauditas remeteram para o ex-presidente. Assessor dos Bolsonaros, Fabio Wajngarten disse que a ex-primeira-dama chegou a deixar na cozinha do Palácio da Alvorada, por três dias, o valioso estojo — que incluía um relógio masculino e uma caneta.
Na última quinta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou o empresário Luciano Hang, apoiador de primeira hora de Bolsonaro, inelegível até 2028 por abuso de poder econômico durante as eleições municipais de 2020. A Justiça entendeu que ele fez campanha ostensiva em favor da eleição de Ari Vequi (MDB) para prefeito de Brusque (SC), também condenado.
Outro ex-expoente bolsonarista, o ex-deputado Daniel Silveira, de trás das grades soube que o STF ainda formou maioria para manter a nulidade do indulto concedido pelo ex-presidente. O ex-parlamentar foi condenado pela Corte a oito anos e nove meses de prisão por estimular atos antidemocráticos e ameaçar os ministros da Corte.
O blogueiro Allan dos Santos, investigado por milícias digitais e atos antidemocráticos e contumaz provador do ministro Alexandre de Moraes, também deve ser cercado pela polícia. Em março, o governo norte-americano enviou ao Ministério da Justiça e Segurança Pública um pedido formal para que o Brasil envie os documentos finais sobre a extradição do bolsonarista, que está foragido nos Estados Unidos.
Tem ainda Roberto Jefferson, apoiador do presidente que está preso no complexo penitenciário de Bangu 8 acusado de tentativa de triplo homicídio — dias antes do segundo turno da eleição presidencial do ano passado, ele reagiu a bala ao comprimento de um mandado de prisão expedido por Alexandre de Moraes. O então cacique do PTB atirou e jogou em três agentes da PF, que foram cumprir a ordem judicial, um artefato explosivo.
O analista político Melillo Dinis destaca a possível inelegibilidade do ex-presidente. Para ele, os desdobramentos das investigações devem complicar ainda mais a situação de Bolsonaro. “As nuvens sombrias que se acumulam sobre Jair Bolsonaro e seus mais próximos adeptos, incluindo a família e assessores, como o Mauro Cid, apontam para uma tempestade de muitas e novas emoções. Há muito ainda a ser descoberto”, ressaltou.
Segundo o professor Paulo Calmon, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Bolsonaro “está colhendo o que plantou: questionamento dos tribunais e desvalorização do capital político. Terá que enfrentar diversos processos, em diferentes Cortes, além de uma grande quantidade de notícias ruins que poderão prejudicar ainda mais seu prestígio, sua energia e seu patrimônio”.
O cientista político Leandro Gabiati avalia que “Bolsonaro optou por confrontar o Supremo, especificamente alguns ministros e, hoje, ele está pagando as consequências. Não estamos entrando no mérito das críticas que Bolsonaro fez ao STF, nem das ações que o Alexandre de Moraes está tomando, ou sobre quem está certo ou errado. Essa é apenas uma dinâmica política”.