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terça-feira 4 de julho de 2023 às 14:05h

De onde virá dinheiro que governo Lula precisa para arcabouço fiscal funcionar?

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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caminha para aprovar no Congresso, no início de julho, o novo arcabouço fiscal — uma proposta de novas regras para substituir o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior.

Segundo a regra proposta, as despesas públicas podem crescer acima da inflação, mas respeitando uma margem.

A medida foi enviada à Câmara dos Deputados em abril e foi inicialmente aprovada no fim de maio. Um mês depois, recebeu o aval do Senado, que fez algumas alterações no texto que serão analisadas pela Câmara nesta semana.

Além da previsão de votar o arcabouço fiscal, a expectativa é que a Câmara analise a reforma tributária, que prevê que os atuais impostos serão substituídos, gradualmente, de 2026 até 2033.

Analistas consideram que o bom andamento da proposta de arcabouço fiscal no Legislativo é uma vitória do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que articulou apoio com as lideranças parlamentares.

É ele que terá que liderar agora também a missão considerada mais difícil por especialistas em contas públicas: implementar as novas regras sem lançar mão de manobras fiscais, algo que ficou conhecido como “pedaladas” no governo de Dilma Rousseff (PT) e “furos no teto” no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Para alcançar esse objetivo, terá que viabilizar um forte aumento de receitas capaz de cobrir a expansão dos gastos acima da inflação, como autoriza o arcabouço.

São medidas impopulares, como mais arrecadação de impostos ou retirada de benefícios fiscais (isenção ou desconto de tributos para alguns setores), que costumam gerar resistência na sociedade e no Congresso.

“Já quero antecipar, está lá na (proposta de) Lei de Diretrizes Orçamentárias (de 2024 enviada ao Congresso): para que o arcabouço dê certo, nós vamos precisar de R$ 150 bilhões de incremento de receita. Uma parte a Fazenda já anunciou e outra já sabe de onde vai tirar”, reconheceu a própria ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), durante audiência recente na Câmara.

Tebet não detalhou, no entanto, quanto desses R$ 150 bilhões ainda falta o governo arranjar.

Mas a ministra repetiu o que Haddad tem afirmado: a ideia é evitar novos impostos e tenta conseguir isso combatendo o que chama de “jabutis tributários” — benefícios fiscais para alguns setores que o governo considera ineficientes e injustos.

A Fazenda já obteve duas vitórias consideradas importantes para reforçar os cofres públicos.

Uma foi uma medida provisória aprovada pelo Congresso em maio que muda o cálculo do imposto cobrado sobre empresas brasileiras com filiais no exterior, evitando que elas continuem adotando manobras fiscais que, na prática, reduzem o valor a pagar.

A outra foi uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que passou a proibir um certo tipo de desconto em impostos federais que incidem sobre os ganhos das empresas (IRPJ e CSLL).

O problema, dizem os especialistas entrevistados pela BBC News Brasil, é que a Receita Federal tem projetado arrecadar valores altos com essas medidas já anunciadas, enquanto projeções de fora do governo apontam ganhos mais modestos.

Ou seja, talvez as ações extras que o governo precisa adotar sejam ainda maiores do que vem sendo avaliado pela Fazenda, segundo essas análises.

Por exemplo, a Instituição Fiscal Independe (IFI), órgão ligado ao Senado, projeta que o governo deve arrecadar R$ 32,5 bilhões no ano que vem com essas duas medidas — a mudança da cobrança sobre empresas com filiais no exterior (R$ 20 bilhões) e o fim do desconto sobre IRPJ e CSLL (R$ 12,5 bilhões).

Já a Fazenda anunciou expectativas bem maiores, de R$ 70 bilhões com a primeira medida e de R$ 47 bilhões com a segunda, em um total de R$ 117 bilhões.

Devido a essas diferenças, a IFI calcula que o governo ainda precisa arranjar mais R$ 105,5 bilhões em receitas em 2024 para cumprir a promessa de zerar o rombo nas contas públicas no próximo ano.

“O governo tem anunciado (medidas para elevar as receitas). A questão é que o que foi anunciado até agora ainda não é suficiente para alcançar a meta que ele mesmo propõe. Então, é possível que outras medidas venham a ser anunciadas ainda nos próximos meses”, ressalta a economista Vilma Pinto, diretora da IFI.

O tamanho do rombo

A previsão do governo, divulgada em maio, é que o rombo deste ano será de R$ 136,2 bilhões (1,3% do PIB), mas a gestão Haddad ainda estuda medidas para tentar reduzir esse déficit primário para menos de R$ 100 bilhões (1% do PIB).

As despesas foram impulsionadas acima do teto de gastos, com uma autorização dada pelo Congresso no final de 2022 para viabilizar aumentos de despesas de cunho social nesse ano, como a volta do programa Bolsa Família com benefícios mais altos.

A promessa do governo é zerar o déficit em 2024 e entregar saldos positivos crescentes nos dois últimos anos do governo (0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026).

O objetivo dessa economia — chamada de superavit primário — é pagar a dívida pública, hoje em 76% do PIB e com perspectiva de alta, segundo projeções do mercado monitoradas pelo Banco Central (BC).

Economistas que defendem um endividamento público menor dizem que isso traz resultados positivos para o crescimento, como redução de inflação e juros no país.

Hoje, porém, há ceticismo sobre o cumprimento das promessas do governo.

O Boletim Focus, levantamento realizado pelo Banco Central semanalmente, mostra que as projeções medianas de analistas de mercado é de que haverá déficit em todos os anos do governo Lula.

A expectativa é de que o rombo caia gradualmente e chegue a 0,20% do PIB em 2026, segundo o levantamento mais recente, de 30 de junho.

Segundo Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse ceticismo reflete a avaliação dos analistas de que será difícil o governo levantar todas as receitas que precisa para entregar os resultados prometidos.

“De fato, o maior desafio é o cumprimento da promessa de ajuste fiscal (gastar menos do que arrecada) que está embutida no arcabouço fiscal (proposto)”, diz Borges.

“Na prática, para entregar as metas, o ajuste fiscal que o governo está sinalizando depende praticamente 100% de aumento de receita. E, quando a gente fala de aumento de receita, é aumento de carga tributária como proporção do PIB. Só para deixar claro.”

Sem ‘boom’ de commodities à vista

Simulações feitas pela IFI dão uma ideia do desafio. O órgão testou seis cenários, com diferentes taxas de crescimento das receitas primárias (aquelas que estarão sujeitas às regras do novo arcabouço).

Os resultados são menos pessimistas que as projeções de mercado e, em geral, apontam para pequenos superavits primários a partir de 2025.

Mas apenas no cenário mais otimista, em que a arrecadação tem uma alta expressiva de 6,5% ao ano, em média, o governo conseguiria cumprir as metas prometidas para 2025 e 2026.

Essa foi a taxa de crescimento médio das receitas entre 2000 a 2009, quando a arrecadação foi puxada pela forte valorização de commodities produzidas no Brasil, como petróleo, minério e soja.

De 2010 a 2019, a taxa foi de só 2%. Nos três anos seguintes, a evolução das receitas entrou numa montanha-russa, devido aos efeitos da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia (que elevou o preço de algumas commodities): houve queda de 8,4% em 2020, seguida de alta de 12,2% em 2021 e de 6,5% em 2022.

A expectativa da IFI, porém, é que a evolução das receitas primárias agora se acomodem em níveis mais baixos.

Um cenário visto como mais realista pela instituição seria de uma alta da média anual de 2,6%, seguindo o ritmo de crescimento da economia projetado para os próximos anos, o que resultaria em um superavit primário de apenas 0,2% do PIB em 2025 e de 0,4% do PIB em 2026 — em ambos os casos, menos da metade do que projeta o governo.

“(As metas primárias anunciadas pelo governo) não me parecem factíveis, pelo contrário. Dado o cenário internacional, com recessão na Europa, esperada recessão nos Estados Unidos e perda estrutural de fôlego da economia chinesa, parece difícil ver cenário otimista para as commodities, lastro de parte fundamental do desempenho da arrecadação”, avalia também o economista Gabriel Leal de Barros, sócio da Ryo Asset e ex-diretor da IFI.

“As metas fiscais são críveis se, e somente se, houver ganhos extraordinários de receita por fontes não mapeadas, algo inesperado.”

A dificuldade em entregar as metas de resultado primário ocorre mesmo com a previsão de regras mais flexíveis no novo marco fiscal, devido à adoção de uma banda de 0,25 ponto percentual para cumprir os objetivos propostos.

Mas como isso funcionará, na prática?

A meta do governo para 2024 é zerar o rombo (o equivalente a uma meta primária de 0% do PIB). Mas, caso a proposta seja aprovada, haverá um intervalo mais flexível, de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo.

Ou seja, na prática, o resultado primário poderia ficar entre um rombo de 0,25% do PIB e um saldo positivo de 0,25%.

E o que acontece se esse resultado não for alcançado? A Câmara dos Deputados alterou a proposta do governo para inserir algumas punições em caso de não cumprimento da meta, mudanças mantidas pelo Senado.

Dessa forma, caso a meta de um ano não seja cumprida, no ano seguinte uma série de aumento de despesas ficam bloqueados, como a “concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária” ou a “criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa”.

E, se houver dois anos seguidos de descumprimento das metas, essa lista de proibições aumenta, não sendo permitidas também a “realização de concurso público” ou “criação de despesa obrigatória”, entre outras medidas.

Além disso, o teto de gastos é rebaixado já com o primeiro ano de não cumprimento da meta.

Mas como exatamente o novo limite de gastos é calculado pela nova regra?

A proposta enviada pela Fazenda — e que caminha para ser aprovada no Congresso — prevê que o teto para o crescimento das despesas vai sempre ficar em um intervalo entre 0,6% e 2,5% acima da inflação.

A regra básica é que o crescimento da despesa fique limitado a 70% da expansão da receita. Ou seja, se a arrecadação do governo subir 2%, por exemplo, a despesa poderia crescer até 1,4%.

No entanto, mesmo que a receita tenha um crescimento muito baixo ou o governo tenha perda de arrecadação em determinado ano, ainda assim fica garantido ao menos 0,6% de expansão da despesa acima da inflação.

Por outro lado, mesmo que a arrecadação tenha uma alta mais expressiva, a expansão da despesa ficará limitada ao teto de 2,5%.

No entanto, se a meta de primário não for cumprida em um ano, o cálculo do teto fica limitado a 50% do crescimento das receitas, em vez de 70%, na próxima proposta de orçamento a ser enviada ao Congresso.

Apesar das dificuldades para bombar as receitas, nota Bráulio Borges, da FGV, essas punições vão incentivar o governo a se esforçar para cumprir as metas fiscais, principalmente em 2024 e 2025, com objetivo de evitar ter que cortar gastos em 2026, ano eleitoral.

‘Regra é factível’, elogia especialista

Ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto tem uma visão mais otimista do novo marco fiscal.

Ele concorda que será difícil cumprir os resultados primários sem aumento expressivo de receita, mas considera positivo a própria regra trazer gatilhos para frear o aumento de gastos caso as metas não sejam descumpridas.

Salto, que foi um crítico da rigidez do teto de gastos desde seu início, acredita que a flexibilidade do novo marco fiscal torna a regra mais factível que o modelo atual e vai contribuir para estabilizar o crescimento das despesas do governo em relação ao PIB.

“Sem um compromisso efetivo deste e dos próximos governos com a responsabilidade fiscal, sob o novo arcabouço, ele poderá simplesmente não produzir uma melhora expressiva do quadro fiscal. Por outro lado, o risco de se tornar uma regra impossível de ser cumprida (como ocorreu com o Teto de Gatos), este, a meu ver, está afastado”, disse Salto.

“Por mais que se possa criticar o arcabouço por não ser duro o suficiente, estou na ponta dos que, nesta temática, enxergam o copo meio cheio. Já acompanho esse assunto desde 2008 e acho que há uma coisa que nós, especialistas em contas públicas, temos de compreender: a Constituição de 1988 não combina com ajuste fiscal draconiano. É ajuste paulatino.”

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