Em 2011, quando começou a guerra civil na Síria, o Produto Interno Bruto (PIB) do país era de 67,5 bilhões de dólares. A Síria ocupava o 68º lugar entre 196 países na classificação global do PIB, com uma economia comparável à do Paraguai ou da Eslovênia.
No ano passado, o PIB sírio havia caído para o 129º lugar nessa mesma tabela de classificação, tendo encolhido 85%, para apenas 9 bilhões de dólares, de acordo com estimativas do Banco Mundial. O país está, assim, no mesmo nível do Chade e dos territórios palestinos.
Quase 14 anos de conflito, sanções internacionais e o êxodo de 4,82 milhões de pessoas – mais de um quinto da população – afetaram fortemente a economia do que já era, antes da guerra civil, uma das nações mais pobres do Oriente Médio.
Outros 7 milhões de sírios, mais de 30% da população, são deslocados internos, segundo os dados de dezembro da agência de ajuda humanitária das Nações Unidas.
O conflito devastou a infraestrutura, causando danos duradouros aos sistemas de eletricidade, transporte e saúde. Várias cidades, incluindo Aleppo, Raqqa e Homs, foram destruídas.
A moeda síria sofreu forte desvalorização, o que levou a uma enorme queda no poder de compra. Em 2023, o país teve hiperinflação, segundo o Syrian Center for Policy Research (SCPR), uma organização independente de estudos.
Em junho passado, o SCPR afirmou que mais da metade dos sírios vivia na pobreza extrema e era incapaz de assegurar suas necessidades básicas de alimentação.
Os dois principais pilares da economia da Síria – o setor petrolífero e a agricultura – foram dizimados pela guerra. Em 2010, as exportações de petróleo haviam sido responsáveis por cerca de um quarto da receita do governo, e a produção de alimentos contribuiu com um percentual semelhante para o PIB.
O regime do presidente Bashar al-Assad perdeu o controle da maioria de seus campos de petróleo para grupos rebeldes, inclusive a milícia terrorista Estado Islâmico, mas também para as forças lideradas pelos curdos no nordeste do país.
Assim, uma das prioridades na reconstrução da Síria é o governo da província oriental de Deir Zor, que detém cerca de 40% das reservas de petróleo da Síria e vários campos de gás. A cidade de Deir Zor, capital da província, é a maior do leste do país e foi tomada pelos rebeldes curdos em meio à queda do regime de Assad. Os curdos mantêm um governo autônomo no nordeste da Síria.
Debate sobre fim das sanções
E há ainda as sanções econômicas internacionais, que restringiram severamente a capacidade do governo de exportar petróleo, grãos e algodão. Com a produção de petróleo reduzida a menos de 20 mil barris por dia nas áreas controladas pelo regime, o país tornou-se altamente dependente de importações do Irã, que era um dos principais aliados do regime.
O debate sobre o fim das sanções à Síria já começou. O especialista Delaney Simon, da organização independente International Crisis Group (ICG), voltada à prevenção e resolução de conflitos armados, afirmou que a Síria é um dos países mais sancionados do mundo e que deixar essas restrições em vigor equivale a “puxar o tapete da Síria no momento em que ela tenta se levantar”.
Sem o alívio das restrições, os investidores continuarão evitando o país, e as agências de ajuda humanitária poderão ficar receosas em fornecer ajuda humanitária vital à população.
Governo indicado por islamistas
Alguns analistas alertam que pode levar quase dez anos para que o PIB da Síria retorne ao nível anterior à guerra civil e duas décadas para que o país seja totalmente reconstruído. E essas perspectivas podem piorar ainda mais se houver mais instabilidade política.
Assim, antes da começar a enorme tarefa de reconstruir as cidades, a infraestrutura e os setores petrolífero e agrícola, é preciso clareza sobre o novo governo da Síria.
Na terça-feira, 10, os rebeldes que derrubaram Assad, liderados pelo grupo islamista Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS), anunciaram que o governo interino será comandado por Mohammed al-Bashir, que foi nomeado primeiro-ministro.
Bashir disse que foi incumbido de ficar à frente do governo sírio até 1 de março. Em janeiro, Bashir havia sido nomeado chefe do “Governo de Salvação”, a administração da província de Idlib e de áreas adjacentes, ligada ao HTS.
O próprio HTS é alvo das rigorosas sanções internacionais, pois é classificado como uma organização terrorista pelos Estados Unidos e pelas Nações Unidas. Nações ocidentais e árabes temem que o grupo tente impor um governo fundamentalista islâmico na Síria.
A agência de notícias Associated Press informou que o governo Biden estava avaliando a possibilidade de retirar o HTS da lista de grupos terroristas, citando dois altos funcionários da Casa Branca. Um deles justificou a decisão afirmando que o HTS é um componente importante no futuro a curto prazo da Síria.
Biden alertou que a Síria está enfrentando um período de risco e incerteza e que os Estados Unidos ajudarão onde puderem.
A União Europeia comunicou que não está em contato com o HTS ou seus líderes e que vai avaliar não só as palavras, mas também as ações do grupo.
O enviado da ONU para a Síria, Geir Pedersen, declarou que os grupos rebeldes “têm enviado boas mensagens” sobre unidade nacional e inclusão, mas reconheceu que o principal desses grupos é considerado terrorista pela ONU. “Falando francamente, também vimos em Aleppo e Hama coisas tranquilizadoras.”
Lento retorno ao cotidiano
Um toque de recolher nacional ordenado pelos rebeldes levou ao fechamento da maioria dos estabelecimentos comerciais em toda a Síria nesta segunda-feira, mas bancos e o comércio começam a reabrir nesta terça. A moeda da Síria continua sendo usada.
O Ministério do Petróleo pediu a todos os funcionários do setor que se dirigissem a seus locais de trabalho a partir de terça-feira, acrescentando que seria fornecida proteção para garantir sua segurança.
O chefe da ajuda humanitária das Nações Unidas, Tom Fletcher, afirmou que sua agência fará tudo o quer puder para apoiar as pessoas necessitadas, incluindo centros de recepção e a distribuição de comida, água, combustível, tendas e cobertores.
Como vários países europeus, inclusive a Alemanha, disseram que suspenderiam a análise de pedidos de refúgio de cidadãos sírios, a agência de refugiados da ONU Acnur pediu “paciência e vigilância” na questão do retorno dos refugiados.
A Áustria foi mais longe do que a maioria dos países da Europa, afirmando que estava preparando um “programa ordenado de repatriação e deportação” para os sírios.